Economia Titulo
Chile enfrenta desgaste do modelo exportador
Do Diário do Grande ABC
07/04/2000 | 16:45
Compartilhar notícia


O ciclo de expansao econômica do Chile, que teve como principal base a transferência de recursos do setor público para o setor privado e substanciosos investimentos do Estado no setor agrícola e em áreas de aproveitamento de recursos naturais (cobre, principalmente), voltados especificamente para o mercado externo, dá sinais de esgotamento. Nos últimos meses, o tema da estagnaçao econômica transformou-se no principal foco de discussao entre os setores produtivos, acadêmicos e empresariais chilenos, que, de alguma forma, exigem um novo modelo que evite o enfraquecimento da economia e reduza a vulnerabilidade do balanço de pagamentos do país.

"O modelo econômico implantado a partir de 1986, que foi o principal responsável pelo crescimento do país e pela estabilidade de seu balanço de pagamentos, esgotou-se e nao é mais viável", diz a economista Graciela Moguillansky, da Cepal (Comissao Econômica para a América Latina e o Caribe). A economista afirma que a dinâmica desse modelo estagnou-se e já começa a enfraquecer a economia chilena e a transformar o balanço de pagamentos em um dos pontos mais vulneráveis do Chile.

"O crescimento econômico chileno dos últimos 15 anos foi liderado pelas exportaçoes e pelos investimentos em setores voltados para o comércio exterior, mas esses mesmos setores nao estao mais investindo no país", alerta a economista. O presidente da Corporaçao Nacional de Exportadores do Chile, Cristóbal Valdés, concorda que o modelo exportador chileno daquele período concentrou suas atividades em produtos com pouco valor agregado, ou quase nada, e agora precisa ser revisto. "O governo precisa substituir os mecanismos daquele modelo por outros que estimulem, por exemplo, o desenvolvimento tecnológico", afirma Valdés.

Além disso, acrescenta o executivo da maior e principal entidade do setor exportador do Chile, "é necessário corrigir também as distorçoes cambiais acumuladas nos últimos anos, além de fomentar as pequenas e médias indústrias, que sao as que criam empregos". A economista da Cepal, por sua vez, acredita que é preciso executar uma nova estratégia que permita otimizar a inserçao do Chile na economia mundial e a qual seja capaz de gerar outro círculo virtuoso de investimentos e de crescimento, beneficiando nao só os antigos setores da atividade econômica do país mas também as novas áreas, para, com isso, reduzir a vulnerabilidade externa.

O economista Tomás Flores, do Instituto Libertad y Desarrollo, afirma também que o Chile precisa se inserir em setores onde conseguiu vantagens comparativas, como o de serviços, por exemplo, já que a primeira etapa do modelo exportador teve como foco apenas o aproveitamento dos recursos naturais do país. "Acredito também que o Chile enfrenta hoje o problema da apreciaçao de sua moeda, com quase 18% apenas no ano passado, o que tirou parte da competitividade do setor exportador", acrescenta.

Moguillansky, que estuda o processo de acumulaçao de capital no Chile nos últimos 25 anos, explica que o modelo econômico desenvolvido no país entre 1974 e 1982 teve como estratégia central a abertura e a liberalizaçao do mercado e a reduçao do papel do Estado como agente produtivo, financeiro e regulador. Mas, a partir de 1986, o Estado iniciou um período de intervençao na política econômica para, de alguma forma, enfrentar a crise da dívida externa.

A economista da Cepal explica ainda que, naquele ano, o Chile começou a aplicar uma série de políticas que, além de corrigir os preços relativos, alavancou profundas transformaçoes institucionais e de regulamentaçao - principalmente no setor financeiro - e concedeu incentivos tributários e um alto volume de subsídios. "Criaram-se ainda estímulos especiais para o investimento externo e incentivos para alavancar as exportaçoes", afirma. Isso, de acordo com ela, provocou, entre outros problemas, a concentraçao dos investimentos em poucos setores e a queda do tipo de câmbio, cuja evoluçao foi essencial para o desenvolvimento dos investimentos no setor exportador naquele período.

"Obviamente, nao houve aqui uma política industrial como no período em que predominou a estratégia de substituiçao das importaçoes, mas foi um Estado que realizou profundas transformaçoes institucionais e concedeu incentivos tributários e subsídios a determinados setores produtivos e agentes", explica a economista, que lançou recentemente o livro "Investimentos no Chile: fim de um ciclo de expansao?".

Isso nao significa, acrescenta a economista da Cepal, que o Chile nao venha a crescer nos próximos dois ou três anos, mas nao da forma tao dinâmica como na década de 90, período em que o país mostrava expansao média de 8% a 9% ao ano. "O problema é que hoje ninguém fala em renovar esses setores, devido à confiança que esse modelo ainda inspira", afirma a economista da Cepal.

De acordo com Moguillansky, que combinou dados macroeconômicos com análises de cifras setoriais e microeconômicas para as conclusoes de seu livro, o Estado chileno usou o grande volume de ativos em seu poder para ajudar a reconstruir uma nova geraçao de grupos econômicos e de empresas que se transformaram em agentes dinâmicos do novo "padrao de acumulaçao".

"Parece que esses setores nao perceberam que outros competidores (países), que também abriram as suas economias, entraram em campo, desenvolvendo mercados onde o Chile concentrou as suas exportaçoes", diz. Flores, do Instituto Libertad, concorda que o Chile precisa conquistar novos mercados e, para isso, necessita aproximar-se cada vez mais dos países do Mercosul.

A economista da Cepal explica em seu livro que o ingresso contínuo de capitais externos durante a década de 90 aumentou de forma considerável a capacidade de financiamento dos grandes projetos do país, reduziu o custo do capital e facilitou a incorporaçao de novas tecnologias. Mas, afirma ela, a pequena indústria nunca se beneficiou desse modelo e acabou perdendo a sua participaçao no valor agregado produzido no país e nos investimentos, devido, principalmente, às taxas históricas de juros elevados que acabaram se incrementando nos períodos de ajuste da economia e ao tipo de câmbio que começou a depreciar-se a partir de 1995.

"O ciclo de investimento iniciado em meados da década de 80, que acabou no início do novo milênio, justamente no momento da acentuada regionalizaçao e da globalizaçao, levou os conglomerados e grupos econômicos chilenos - que nao investiram em setores onde o valor agregado e a tecnologia jogam um papel preponderante - a vender as suas empresas mais dinâmicas a multinacionais, concentrando seu esforço em áreas tradicionais de investimento ou alimentando fundos internacionais de investimentos", conclui a economista da Cepal.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;