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Após lei, total de domésticos formais cai 50% no Grande ABC

Número de trabalhadores registrados recua de 14 mil para 7.000 entre 2014 e 2018

Flavia Kurotori
Especial para o Diário
29/04/2018 | 07:17
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Celso Luiz


Limpar, passar, cuidar de crianças e idosos, do jardim e da cozinha são apenas algumas das atividades realizadas pelos empregados domésticos. Esses profissionais multitarefa, no entanto, sofrem com a falta de formalização, dado que, atualmente, apenas 20% trabalham sob regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) – 7.000, do total de 35 mil – nas sete cidades.

A situação foi agravada após a regulamentação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das Domésticas, promulgada em 2013 e regulamentada em 2015. Apesar de acrescentar direitos aos profissionais, muitos patrões passaram a temer que o registro em carteira trouxesse prejuízos e, por isso, dispensaram os empregados ou seguiram com eles, só que informalmente. Para se ter ideia, em 2014, em torno de 40% dos empregados domésticos da região, 14 mil pessoas, eram celetistas, conforme informações do Sindedom (Sindicato dos Empregados Domésticos) do Grande ABC. A entidade afirma que o número de profissionais do setor era semelhante ao de hoje.

“A maioria dos empregadores não entende a lei, mas quando explicamos, muitos aceitam”, avalia Jorge Ednar Francisco, presidente do Sindedom do Grande ABC. “O custo é um pouco maior, mas tanto trabalhador quanto patrão têm mais segurança jurídica”, completa Mario Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal, ONG (Organização Não Governamental) cujo objetivo é lutar por melhorias no emprego doméstico. “Antes, alguns empregados temiam o registro com medo de perder o Bolsa Família, mas hoje percebem que os benefícios da formalidade são maiores”, conta.

Como incentivo à formalização, a PEC determina recolhimento de 8% do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), e não de 12% como era previsto. Além da Lei do Alívio, que permite dedução de R$ 1.171,84 no Imposto de Renda por empregado doméstico formal. Este tipo de profissional é contratado por uma pessoa física sem fins lucrativos, portanto, estão incluídos motoristas, cozinheiros, cuidadores, babás e jardineiros.

REGRAS - É importante ressaltar que o empregado doméstico deve trabalhar entre oito e nove horas por dia, não excedendo 44 horas semanais. Caso o empregador opte pela jornada de segunda a sábado, o profissional não poderá atuar por mais de quatro horas no fim de semana. Se ficar acordado que a jornada será de segunda a sexta-feira, é possível compensar as horas equivalentes aos sábados durante a semana. Considerando que o limite seja ultrapassado, o contratante deve pagar hora extra, assim como adicional noturno.

Devem ser registrados aqueles que trabalham a partir de três vezes por semana na casa da família. Assim, quem presta serviços apenas uma ou duas vezes na semana é considerado diarista, e pode se cadastrar como MEI (Microempreendedor Individual) para garantir direitos trabalhistas, como aposentadoria, auxílio-doença e auxílio-maternidade.

Vale destacar, porém, que a formalidade não exclui a possibilidade de a pessoa também atuar como diarista, desde que o tempo de descanso seja de pelo menos 11 horas, caso de Débora Fernanda Félix, 45 anos, moradora de Mauá. Às segundas, quartas e sextas-feiras, ela atua sob regime CLT em uma casa na Capital, e às terças e quintas-feiras, trabalha com outras duas famílias em Santo André. “Por dois anos eu trabalhei como diarista para o casal de São Paulo, mas eles compraram uma casa maior há três meses, e como preciso de mais dias para conseguir limpar tudo, eles me registraram”, conta Débora, que se sente mais segura com a carteira assinada. “Se eu ficar doente, por exemplo, terei apoio, além de ter certa estabilidade e acesso a direitos como férias e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).”

Em sinergia, Rejane Mendes de Almeida, 40, moradora de São Bernardo, complementa: “É essencial ter registro nos dias de hoje, principalmente no caso de demissão, porque posso ter seguro-desemprego e experiência comprovada”. Ela, que passou a maior parte da vida na informalidade, hoje é funcionária da rede Maria Brasileira, que oferece serviços domésticos sob demanda.

“Os direitos dos trabalhadores domésticos chegaram muito tarde, considerando o bem que eles proporcionam à sociedade”, aponta Felipe Buranello, sócio-fundador da Maria Brasileira. “É uma classe de muita garra”, complementa.

Avelino assegura que, em 2016 e 2017, por conta da crise, aumentou o número de pessoas que recorreram ao trabalho doméstico como forma de geração de renda para a família, ainda que não seja possível estimar números relacionados a essa migração. “Muitas pessoas especializadas procuraram emprego conosco, mas priorizamos aquelas que possuem algum tipo de experiência no ramo”, diz Buranello.


Salário baixo é principal obstáculo do setor

Ainda que a remuneração da região seja superior à média nacional – o piso federal é de um salário mínimo (R$ 954), ante R$ 1.108,38 nas sete cidades –, o valor baixo é o principal obstáculo enfrentado pelos empregados domésticos. “Boa parte dos trabalhadores desconhece os direitos e acaba ganhando menos do que deveria”, destaca Jorge Ednar Francisco, presidente do Sindedom do Grande ABC.

“A diferença dos valores praticados se dá por conta da influência dos sindicatos da categoria que, por enquanto, só estão consolidados em São Paulo”, afirma Mario Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal. “Isso é herança de uma cultura secular da escravatura, em que empregados domésticos são mulheres, negras e sem estudo e, por isso, o salário teria que ser menor. Mas hoje sabemos que não é assim”, completa.

“Nós (do sindicato) fazemos um trabalho árduo para unir a categoria, mas, com o fim da contribuição sindical (após a reforma trabalhista), podemos perder força”, lamenta Francisco. A entidade está negociando com sindicatos patronais convenção coletiva que prevê piso de R$ 1.300, além do direito a plano da saúde.

Rejane Mendes de Almeida, que mora em São Bernardo, veio de Alagoas nove anos atrás, e sempre ajudou o marido a sustentar os dois filhos. Após a morte dele, há dois anos, ela complementa a renda de R$ 1.108,38 com a pensão dos filhos, de 9 e 6 anos. “Apesar de o salário ser baixo, faço meu serviço com muito amor e carinho porque gosto da minha profissão”, conta ela, que é doméstica de segunda a sexta-feira e conta com a ajuda de uma vizinha para cuidar das crianças enquanto trabalha.

CONQUISTAS - Para Débora Fernanda Félix, que nasceu em Mauá, onde mora até hoje, e que começou a atuar como doméstica há cerca de três anos, entrar nesse ramo foi sinônimo de ascensão. “Consegui reformar a minha casa, pagar cursos e a van escolar para minhas filhas (de 10 e 12 anos)”, conta, orgulhosa. Hoje, sua renda mensal é de R$ 2.080, sendo R$ 1.200 proveniente do serviço com carteira assinada e, o restante, do trabalho como diarista.

Débora estava fora do mercado de trabalho havia dez anos, e encontrou na profissão solução para sustentar a casa após a morte do marido, quatro anos atrás, que não deixou pensão. “Comecei a fazer serviço para os meus parentes porque eu podia levar as crianças. Mas, depois, foram aparecendo outras oportunidades como diarista.”

Antes, a mauaense já havia trabalhado como operadora de caixa e auxiliar de crédito no comércio, porém, atualmente não pensa em voltar para o ramo. “Meu salário no comércio seria menor, além de não precisar ‘ficar correndo atrás’ de comissão, trabalhar até tarde no fim de ano e de domingo a domingo”. “Já me adaptei neste serviço e gosto muito do que eu faço.”
 




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