Das 1.905 vagas abertas nas Câmaras do Grande ABC em toda história, apenas 103 cadeiras foram ocupadas por mulheres, o que corresponde a 5,4% do total
No meio da década de 1970, uma jovem moradora da Avenida Índico acompanhava a mãe enferma em tratamento no Hospital São Bernardo. Descendente de italianos, não demorou para que o sangue daquela moça fervesse ao ver sua mãe ser mal-tratada e ficar jogada no corredor do equipamento. Ela desceu as escadas e, a médicos que fumavam, tomavam café e batiam papo com tranquilidade contrastante ao cenário dos andares acima, disparou xingamentos: “Assassinos e vagabundos!”.
A confusão se instalou e só foi apartada quando um senhor de estatura baixa interveio. Era o advogado Antônio Tito Costa, que fora braço direito do ex-prefeito são-bernardense Lauro Gomes de Almeida e, à ocasião, era suplente do senador Franco Montoro. Foi nesse cenário improvável que Ivone Soares Quaglia ingressou para a política, numa época em que a participação da mulher era extremamente reduzida. Quatro décadas depois, o espaço delas nos Legislativos da região segue restrito.
O Diário fez levantamento de todas as legislaturas das sete cidades do Grande ABC. A constatação é alarmante. Das 1.905 cadeiras colocadas à disposição na região, em apenas 103 vezes esse assento foi ocupado por uma mulher. O número representa 5,4% do total – esse cálculo não inclui suplentes que assumiram o cargo. Ou também quer dizer que para cada vereadora eleita outros 18 homens foram escolhidos parlamentares. Foram 56 vereadoras eleitas – algumas delas reeleitas, como Cida Ferreira, de Diadema, parlamentar por sete mandatos.
Uma das raras vitórias femininas foi de Ivone. Em 1976, convidada a ingressar no antigo MDB por Tito Costa, que iria se candidatar à Prefeitura de São Bernardo no mesmo ano, ela aceitou o desafio de concorrer a uma cadeira na Câmara. Aos 19 anos, se elegeu de forma inesperada – ela é a parlamentar mais jovem a vencer um pleito na região até hoje. “Eles (dirigentes do MDB) me colocaram achando que não daria certo. Não tinha carro, não tinha verba. Só tinha um papelzinho, um pouquinho. Decidi falar com alguém que fazia oposição ao Lula no Sindicato dos Metalúrgicos.” Deu certo. Por seis anos Ivone foi a única mulher no Legislativo de São Bernardo, algo que Tereza Delta (de 1948 a 1951) e Aracy de Ângelo (1956 a 1959) haviam passado. “Os demais vereadores me trataram bem. Houve apenas um episódio no qual um vereador, que não quero citar o nome, me ofendeu na tribuna no período em que estava grávida. Todos me apoiaram e ele veio me pedir desculpas”, lembra Ivone, hoje com 61 anos, mãe de quatro filhos e avó de cinco netos.
Espelho e amiga de Ivone, Tereza Delta foi a pioneira das mulheres na política da região. Em 1947, exerceu função de prefeita de São Bernardo numa época em que o prefeito era nomeado pelo governador do Estado. No ano seguinte, foi vereadora e presidente da Câmara. O plenário do Legislativo leva seu nome. Também foi deputada estadual. Rompeu barreiras.
“Tereza Delta foi uma linda mulher. E de muita personalidade. Iniciou carreira política numa São Bernardo em transformação, em 1947. Três anos antes a antiga vila havia recuperado a sua autonomia, separando-se de Santo André numa ação da burguesia local, capitaneada pelo banqueiro Wallace Simonsen. Nomeada prefeita, Tereza Delta foi eleita depois deputada estadual, a primeira mulher deputada do Grande ABC. Ganhou no voto. Elegeu seu sucessor, doutor José Fornari, numa época em que a cidade teve duas Câmaras, em dois endereços, com sessões regulares mais ou menos no mesmo horário. Prevaleceu a Câmara da Tereza, sua presidente: previdente, ela registrou o ‘seu’ Legislativo, ganhando na Justiça o direito de manter a política local na legalidade. Hoje, a história do Legislativo de São Bernardo ‘do Campo’ começa a partir dos registros do livro de sessões que Tereza Delta abriu”, lembra o historiador Ademir Medici, do Diário.
Irineia José Midolli também fez história. Foi eleita vereadora, em três mandatos, e venceu pleito para ser prefeita de Rio Grande da Serra entre 1973 e 1977. Outras parlamentares alcançaram o posto de vice-prefeitas, casos de Dinah Zekcer (Santo André), Ivete Garcia (Santo André), Denise Santalucia (Diadema) e Marilza de Oliveira (Rio Grande da Serra).
Para Ivone, o percentual de mulheres na política só não é maior pela culpa das próprias mulheres. “Sabe por que é número baixo? Porque mulher não vota em mulher. A mulher tem ciúmes, inveja da mulher. Principalmente se for bonita, articulada, se fala bem”, disse. “E não adianta agir como as feministas agem, já que muitas delas querem ir contra os homens. Parece querer uma guerra civil, o que é um absurdo. Muitas delas nem votam em mulheres, o que é pior.”
Em 2008, Olga Montanari, a primeira vereadora da história de São Caetano, em 1949, afirmou ao Diário que “se houvesse mais participação de mulheres na política, o Brasil seria melhor”. Olga morreu em 2013. E seu Brasil melhor – ou quiçá o Grande ABC – segue no imaginário.
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