E, no meio da verdadeira enxurrada de títulos publicados em torno dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, ele se destaca em todos os sentidos. Primeiro, pela atualidade: os seis autores cuja produção é discutida e debatida em profundidade morreram, todos, entre 1996 e 1997. E, depois, porque representam as tentativas mais recentes de compreensão do país, seus problemas, deficiências estruturais e, sobretudo, criação de projetos para torná-lo viável.
Assim, é agradável e atualíssimo ver dissecadas as idéias de escritores como Antonio Callado (1917-1997) e João Antônio (1937-1996); do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997); do jornalista Paulo Francis (1930-1997); do educador Paulo Freire (1921-1996); e do sociólogo Betinho (Herbert de Souza, 1935-1996).
O que têm eles em comum com nomes muito debatidos a propósito dos 500 anos do Descobrimento, como Giberto Freire e Sérgio Buarque de Hollanda? É que, bem mais próximo de nós, também tentaram entender o Brasil e propor soluções que passam ao largo do “homem cordial” (Sérgio Buarque) e outras explicações hoje datadas.
Futuro para quem? – Todos partem do livro Brasil, País do Futuro de Stefan Zweig, o escritor austríaco que refugiou-se do nazismo no Brasil, fixou residência em Petrópolis e lá suicidou-se em 1942. O livro que virou mote de otimismo em geral parece ter nascido de uma barganha entre Zweig e o governo brasileiro: em troca dele, obteve visto permanente. “A quem interessam estes estereótipos e, em sendo o Brasil o país do futuro, o futuro é para quem? Onde fica o presente? Quem luta para livrá-lo do peso de um passado colonial e quais as alternativas para abrir possibilidades de vida futura para a maioria que aí mal sobrevive?”, pergunta Ligia Chiappini, uma das organizadoras, ao lado de Antonio Dimas e Berthold Zilly.
A intensa atualidade de Antônio Callado, autor do excepcional romance de formação às avessas Quarup, impõe-se nos artigos a ele dedicados, pois é com ele que se passa da visão idílica da esperança do bom futuro para todos os brasileiros à prática do ceticismo duro onde só cabe a sátira e a história repete-se como paródia.
Em João Antônio e seus personagens marginais da noite paulistana (veja Malagueta, Perus e Bacanaço, sua obra-prima), a esperança transforma-se em desesperança absoluta e cicatriz apontado para perdas irreparáveis ao longo da nossa história.
O caudaloso Darcy Ribeiro, emocionante em sua épica batalha a favor do “povo brasileiro”, esta expressão tão distorcida e vilipendiada por políticos oportunistas, mitifica o país e multiplica suas potencialidades, e por isso não está tão distante de Zweig como se supõe. Mas, em compensação, Darcy pensa o futuro “a partir de uma reinvenção do valor da memória”.
Educar e alimentar são, respectivamente, as chaves que Paulo Freire e Betinho utilizaram em suas obras e atos para resolver os problemas do país. A pedagogia da libertação é hoje praticada em muitos países e teve uma ótima experiência em São Paulo no governo Erundina. Permanece como opção viável de conquista da cidadania na construção do futuro. O sociólogo Betinho preferiu acudir a miséria atual – e lançou-se numa comovente campanha arregimentando a sociedade organizada no combate à fome e ao desemprego (sua luta, é verdade, foi temperada e ganhou ares míticos em função da Aids contraída por transfusão de sangue contaminado).
Finalmente, o mais polêmico dos estudados, o jornalista Paulo Francis. Na apresentação Ligia Chiappini chega a afirmar que ele quase foi descartado, por sua clara opção liberal nos anos 90. “Mas a discussão mostrou que Francis não é um caso isolado (...). Evidencia-se por meio dele a ambigüidade das esquerdas que aceitavam plenamente seu estilo polêmico e superficial e o método que prefere a desqualificação à investigação, enquanto estes serviam a elas, passando a condená-los depois da virada conservadora do jornalista”.
No mínimo curioso, o livro se constitui, de fato, na tentativa mais atual e viva de se debater o presente, o futuro e repensar o passado recente deste país.
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