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Chega a 'Idéia de Brasil, País do Passado?'
João Marcos Coelho
Especial para o Diário
18/03/2001 | 21:01
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A idéia de Brasil, País do Passado? (Edusp/Boitempo, 378 págs., R$ 22), nasceu três anos atrás, quando um grupo de especialistas brasileiros e alemães em diferentes áreas das ciências humanas reuniu-se num seminário em Berlim comemorando os 50 anos da Universidade Livre de Berlim e os seis anos de convênio daquela universidade com a Universidade de São Paulo. Foi o segundo e excelente fruto do acordo, que resultou primeiro, em 1995, na criação de uma cadeira de Literatura Brasileira em uma universidade alemã.

E, no meio da verdadeira enxurrada de títulos publicados em torno dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, ele se destaca em todos os sentidos. Primeiro, pela atualidade: os seis autores cuja produção é discutida e debatida em profundidade morreram, todos, entre 1996 e 1997. E, depois, porque representam as tentativas mais recentes de compreensão do país, seus problemas, deficiências estruturais e, sobretudo, criação de projetos para torná-lo viável.

Assim, é agradável e atualíssimo ver dissecadas as idéias de escritores como Antonio Callado (1917-1997) e João Antônio (1937-1996); do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997); do jornalista Paulo Francis (1930-1997); do educador Paulo Freire (1921-1996); e do sociólogo Betinho (Herbert de Souza, 1935-1996).

O que têm eles em comum com nomes muito debatidos a propósito dos 500 anos do Descobrimento, como Giberto Freire e Sérgio Buarque de Hollanda? É que, bem mais próximo de nós, também tentaram entender o Brasil e propor soluções que passam ao largo do “homem cordial” (Sérgio Buarque) e outras explicações hoje datadas.

Futuro para quem? – Todos partem do livro Brasil, País do Futuro de Stefan Zweig, o escritor austríaco que refugiou-se do nazismo no Brasil, fixou residência em Petrópolis e lá suicidou-se em 1942. O livro que virou mote de otimismo em geral parece ter nascido de uma barganha entre Zweig e o governo brasileiro: em troca dele, obteve visto permanente. “A quem interessam estes estereótipos e, em sendo o Brasil o país do futuro, o futuro é para quem? Onde fica o presente? Quem luta para livrá-lo do peso de um passado colonial e quais as alternativas para abrir possibilidades de vida futura para a maioria que aí mal sobrevive?”, pergunta Ligia Chiappini, uma das organizadoras, ao lado de Antonio Dimas e Berthold Zilly.

A intensa atualidade de Antônio Callado, autor do excepcional romance de formação às avessas Quarup, impõe-se nos artigos a ele dedicados, pois é com ele que se passa da visão idílica da esperança do bom futuro para todos os brasileiros à prática do ceticismo duro onde só cabe a sátira e a história repete-se como paródia.

Em João Antônio e seus personagens marginais da noite paulistana (veja Malagueta, Perus e Bacanaço, sua obra-prima), a esperança transforma-se em desesperança absoluta e cicatriz apontado para perdas irreparáveis ao longo da nossa história.

O caudaloso Darcy Ribeiro, emocionante em sua épica batalha a favor do “povo brasileiro”, esta expressão tão distorcida e vilipendiada por políticos oportunistas, mitifica o país e multiplica suas potencialidades, e por isso não está tão distante de Zweig como se supõe. Mas, em compensação, Darcy pensa o futuro “a partir de uma reinvenção do valor da memória”.

Educar e alimentar são, respectivamente, as chaves que Paulo Freire e Betinho utilizaram em suas obras e atos para resolver os problemas do país. A pedagogia da libertação é hoje praticada em muitos países e teve uma ótima experiência em São Paulo no governo Erundina. Permanece como opção viável de conquista da cidadania na construção do futuro. O sociólogo Betinho preferiu acudir a miséria atual – e lançou-se numa comovente campanha arregimentando a sociedade organizada no combate à fome e ao desemprego (sua luta, é verdade, foi temperada e ganhou ares míticos em função da Aids contraída por transfusão de sangue contaminado).

Finalmente, o mais polêmico dos estudados, o jornalista Paulo Francis. Na apresentação Ligia Chiappini chega a afirmar que ele quase foi descartado, por sua clara opção liberal nos anos 90. “Mas a discussão mostrou que Francis não é um caso isolado (...). Evidencia-se por meio dele a ambigüidade das esquerdas que aceitavam plenamente seu estilo polêmico e superficial e o método que prefere a desqualificação à investigação, enquanto estes serviam a elas, passando a condená-los depois da virada conservadora do jornalista”.

No mínimo curioso, o livro se constitui, de fato, na tentativa mais atual e viva de se debater o presente, o futuro e repensar o passado recente deste país.




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