Turismo Titulo Especial
Caminhos de Mário

Poeta que era um ‘paulistano devairado’ deixou obra que faz ode à cidade de São Paulo

Miriam Gimenes
28/09/2017 | 07:00
Compartilhar notícia
Arte Seri/DGABC


Noventa e cinco anos se passaram desde a primeira publicação de Paulicéia Desvairada. A obra, escrita por Mário de Andrade (1893-1945), foi o primeiro livro de poemas modernista e tem a cidade – concreta e cosmopolita, em transformação continua – como protagonista. A inspiração para o nome, como disse em depoimento posterior, veio em lampejo. “Me lembro que cheguei à sacada, olhando sem ver o meu Largo. (...) Não sei o que me deu. Fui até a escrivaninha, abri um caderno, escrevi o título em que jamais pensara, Paulicéia Desvairada.”

O fato é que ele começou a escrever os poemas dessa coletânea em 1920, quando morava em um sobrado no Largo do Paissandu, no número 26, onde ficou entre 1895 a 1921. “O número não existe mais, mas pela descrição dos textos ficava exatamente aqui”, disse o radialista, professor e pesquisador Marcelo Abud, apontando para um prédio de esquina, em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Negros.

Ele, junto com o fotógrafo e roteirista Paulo Toledo, ministrou na Casa Mário de Andrade, durante oito aulas, a Oficina Caminhos de Mário – Ecos da Paulicéia Desvairada, que teve como finalidade revisitar os caminhos do poeta pela cidade a fim de fazer uma exposição de fotografia, peças radiofônicas, roteiros de vídeo, músicas e textos relacionados.

Em duas ocasiões, acompanhadas pelo Diário, saiu em companhia dos alunos para ‘revisitar’ os locais observados pelo poeta no início do século passado. “Paulicéia Desvairada</CF> já é um estudo topográfico da cidade de São Paulo, da região central. Do ponto de partida, separamos esses lugares, inclusive onde o Mário começou a escrever o livro, e passamos por ali, para ver como está hoje para fazer esse paralelo.” Em uma passagem rápida deu para perceber que muita coisa mudou e outras, por incrível que pareça, nem tanto, como, por exemplo, a desigualdade social.

Marcelo Tupinambá, coordenador da Casa Mário de Andrade, diz que as oficinas unem três objetivos: promover a leitura da obra do poeta, relacionar a Casa (que está no endereço que viveu até morrer, na Rua Lopes Chaves, 546, na Barra Funda) com o contexto da cidade e produzir obras artísticas a partir do conteúdo aprendido. “As saídas promovidas pela oficina não existem ainda na programação da casa, mas é um projeto a ser estudado nos próximos anos”, promete.

Quem quiser refazer os passos de Mário, no entanto, pode passar na casa – que passará a ser Museu Casa Literária a partir de janeiro – e pedir orientações ou seguir o roteiro traçado nestas páginas (que contêm, inclusive, trechos dos poemas correspondentes a cada local). “O próprio Paulicéia Desvairada serve como guia turístico mesmo, do turista aprendiz, que é um termo que o Mário usava quando fez a viagem para Norte e Nordeste.” Basta colocá-lo no punho, portanto, e desbravar a pauliceia do poeta.

Macunaíma marcou a história do teatro
O Theatro São Pedro não está descrito nos textos de Paulicéia Desvairada. No entanto o espaço, inaugurado em 1917, fica próximo à Casa Mário de Andrade, na Rua Lopes Chaves, na Barra Funda, e foi um dos pontos visitados pelos alunos da oficina Caminhos de Mário.

E isso por um motivo especial: foi lá que, em setembro de 1978, foi encenada a peça Macunaíma, adaptação da obra do poeta dirigida por Antunes Filho, o que promoveu um marco na história do teatro no Brasil. A atriz Mirtes Mesquita, que mora próxima ao local, se emociona ao lembrar da importância que teve a montagem. “Estreamos sem saber o que ia ser da peça, porque vivíamos ainda abaixo do AI (Ato Institucional) 5. Mas fizemos dois ensaios com a censura e não teve corte nenhum. Acredito que o espetáculo ajudou a abertura (política), porque logo depois, em 1979, veio a anistia”, lembra.

Para ela, o livro Macunaíma, publicado pela primeira vez em 1928, é uma leitura difícil. O próprio Mário, para escrever a obra, viajou para o Norte e Nordeste e fez anotações sobre geografia, fauna, flora, além de tradições culturais, inclusive indígenas. “Nós tivemos de debruçar em cima da obra. Ficamos três meses só nos três primeiros capítulos. Depois é que o negócio fluiu”, diz Mirtes. Para levar realidade à encenação, o diretor chegou a convidar índios para os ensaios e pediu ajuda dos irmãos Villas-Boas.

Essas minúcias, acrescenta Mirtes, foram de extrema importância para fazer uma adaptação do texto de Mário algo entendível para o grande público. “Meu pai era uma pessoa de origem simples. Lembro que do palco o vi gargalhando na plateia.” A missão, constatou ali, estava cumprida. Não à toa a montagem ficou em cartaz no São Pedro durante nove meses e depois rodou não só o País como os Estados Unidos e a Europa.

OFICINA
A terceira oficina do ano promovida pela Casa Mário de Andrade tem início no dia 3 de outubro e vai até o dia 21 de novembro, sempre às terças-feiras, das 14h às 17h. Nesta, ministrada por Cristina Flória, Sergio Fogaça e convidados, será mostrada a etnografia na cidade de São Paulo e, para tanto, serão lidos documentos relacionados à Sociedade de Etnografia e Folclore, criada por ele e o casal Lévi-Strauss, em 1936. Haverá, em um dos encontros, uma visita ao antigo prédio da instituição, no Largo São Francisco. As inscrições podem ser feitas até o 3 de outubro no site www.oficinasculturais.org.br. Mais informações nos telefones 3666-5803 e 3826-4085. As oficinas são gratuitas.

 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.

Mais Lidas

;