Economia Titulo Agronegócio
Pequenos agricultores resistem a dificuldades

Custos para manter plantações no Grande ABC
são elevados e inibem investimentos no setor

Flavia Kurotori
Especial para o Diário
10/09/2017 | 07:28
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André Henriques


O Grande ABC é conhecido por ser uma região predominantemente industrial. No entanto, até meados da década de 1970 ela fazia parte do cinturão verde do Estado. Atualmente, pequenas produções agrícolas resistem ao tempo, porém, enfrentam desafios para a manutenção da atividade, como os altos custos com água e terra.

“A região é historicamente conhecida pelas indústrias e não foi planejada para possuir áreas de cultivo. Ainda assim, possui extensa área de preservação da Mata Atlântica, o que faz com que as produções cresçam vizinhas aos centros urbanos”, explica o professor de Macroeconomia da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras), Silvio Paixão.

Para se ter uma ideia, no início do ano, de acordo com dados mais recentes do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), geridos pelo Ministério do Trabalho e do Emprego, no início do ano havia, nas sete cidades, 456 trabalhadores com carteira assinada atuando no ramo da agropecuária. Ao considerar total de 493,6 mil profissionais formais na região, significa dizer que aqueles que atuam no setor compõem menos de 0,09% da força de trabalho do Grande ABC.

O peso do segmento na geração de riquezas da região tem representatividade ainda menor, em torno de 0,01%. Conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o PIB (Produto Interno Bruto) do Grande ABC atingiu R$ 120,1 bilhões em 2014, último dado disponível, enquanto que a agropecuária contribuiu com R$ 11,5 milhões naquele ano.

“O Grande ABC é favorável ao cultivo de hortaliças, que, por sua vez, não possuem alto valor agregado e não têm grande participação no PIB”, explica Paixão, ao completar que nas sete cidades as produções não são mecanizadas nem têm larga escala. Por esse motivo, enquanto no País o agronegócio vem puxando a economia e a geração de empregos, na região o impacto não é significativo.

Embora os dados do Caged e do IBGE mostrem certa estabilidade nos últimos anos, reportagens do Diário apontam que houve redução da atuação desses profissionais. É o caso do casal Motoaki Kawano e a mulher Eiko Kawano, que em 2011 cultivava alfaces hidropônicas no bairro Cooperativa, em São Bernardo. Entretanto, a produção foi transferida para Suzano, Interior, a fim de viabilizar o plantio, já que na cidade os gastos com a produção são menores.

“Aqui (na região), os custos para manter o terreno, como impostos, e a pouca disponibilidade de água e fertilizantes inibem a atividade”, afirma Paixão. “Locais próximos a rios tornam a irrigação mais viável, até porque o produtor pode utilizar água direto de poços, por exemplo.”

O Diário também foi atrás da Pecuária Albatroz, que em 2005 produzia queijos a partir do leite de cabra na mesma cidade, no entanto, encontrou o estabelecimento inativo.

PERSEVERANTES - Alguns produtores da região, por outro lado, resistem ao tempo, como Luíz Massashi Maruyama, 37 anos, que atua no bairro Feital, em Mauá. “Tudo começou com o meu avô, há uns 50 anos, depois passou para o meu pai, que passou para mim”, conta. Para cuidar da plantação, que é predominantemente do cultivo de couve, seis integrantes da família se revezam entre colheita, plantio, irrigação e distribuição. Dentre os clientes, destacam-se mercados, sacolões e quitandas do município.

Um dos obstáculos observados pelo agricultor é a concorrência. Segundo ele, os chamados ‘entregadores’ compram em grandes quantidades de outros locais mais afastados e revendem na cidade a preços menores. O clima também nem sempre colabora. “Perdi toda a plantação de coentro porque ele derrete com a garoa.”
No entanto, Maruyama destaca a qualidade do produto como diferencial. “Colhemos sempre no dia, então está sempre fresquinho”, diz.

Dos 60 mil metros quadrados do terreno, Maruyama utiliza apenas 70%, pois a família não daria conta de cuidar de todo o espaço caso houvesse algum outro cultivo. Atualmente, a renda familiar é dependente da produção, que rende, em média R$ 500 por dia. Apenas de couve, são produzidos cerca de 1.200 maços por semana. Entretanto, a demanda sofre com a sazonalidade. “Quando está calor, o pessoal prefere a alface para fazer salada, já que a couve normalmente é feita refogada.”

Em relação ao reflexo da crise, o professor da Fipecafi aponta que “ninguém deixa de comer, mas o que é consumido muda”. “Quando o cenário econômico está estável, parte da população consome produtos semiprocessados e importados, porém, com o orçamento apertado, recorrem a produtos mais em conta, que ofereçam melhor custo-benefício.”

Ribeirão Pires tem cultivo de orgânicos

No bairro Pouso Alegre, em Ribeirão Pires, Maria José Pereira Vago, 55, é responsável pelo cultivo de alimentos orgânicos – ou seja, sem agrotóxicos – como amora, cambuci e cúrcuma (especiaria com propriedade antiinflamatória, também chamada de açafrão da terra). A plantação está instalada em um terreno de 40 mil metros quadrados reflorestado por ela e o marido ao longo de 21 anos. “Compramos o espaço com o objetivo de criar um refúgio pessoal, porém a terra estava degradada e, no início, perdemos muitos produtos que plantávamos”, conta.

Após o marido, médico ginecologista, especializar-se com cursos como jardinagem e paisagismo, o casal decidiu reflorestar a área com a flora típica da Mata Atlântica. Hoje, o local é “ecologicamente harmônico”, define ela. “A mudança passou a ser refúgio de animais como tucanos e borboletas.”

Graduada em Biomedicina, Maria José cursou Gastronomia e, a partir de então, começou a praticar a culinária sustentável. “Com a banana, posso fazer um doce caramelado e, com a casca, um pão”, exemplifica. Da prática, veio a iniciativa de criar espaço receptivo para eventos, tais como corporativos e casamentos ecológicos, em que todo o serviço de bufê é ecologicamente correto.

A manutenção do local depende da renda do marido, além da venda de produtos feitos por Maria José, a exemplo de geleias e licores, e dos cerca de oito eventos por mês.

(Colaborou Soraia Abreu Pedrozo)
 




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