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Bia é do bem?
Diogo de Oliveira
Da TV Press
02/07/2006 | 10:47
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Quem vê Fernanda Montenegro em Belíssima percebe logo o motivo da atriz ser considerada uma das grandes estrelas da dramaturgia nacional. Aos 76 anos, 43 deles na TV, a intérprete da megera Bia Falcão não precisou de mais de um capítulo para roubar a cena no folhetim das oito da Globo. Prova disso é que, depois de ficar quatro meses fora da trama de Silvio de Abreu - quando sua personagem foi dada como morta -, Fernanda foi resgatada pelo autor e novamente se destaca frente aos companheiros de cena. Apesar do enorme reconhecimento de seu talento por parte de público e crítica, não é difícil notar um certo afastamento de Fernanda ao falar de Bia e de suas outras personagens em novelas.

Na verdade, já faz tempo que ela mantém uma delicada relação com o ambiente televisivo. Meticulosa na composição de seus personagens, Fernanda não aprecia os rumos que a teledramaturgia moderna tomou. "Acho que as novelas têm sempre uns 50 capítulos a mais, do ponto de vista do conforto do ator. É uma rotina muito exaustiva", diz.

PERGUNTA: Logo que recebeu o convite para fazer Belíssima, a sra. disse que tinha aceitado o papel porque não queria fazer uma novela inteira. Agora que a Bia Falcão está de volta, o que mudou?

FERNANDA MONTENEGRO: Mudou porque é uma novela de grande audiência, uma trama que deu certo, um papel que deu certo. E, no meio do caminho, a história toda foi se desenrolando até que voltei para participar do final da novela. Além disso, tenho contrato com a emissora até julho. De qualquer forma, poderia não voltar também. Quer dizer, essa questão ficou no ar. Então, não enganei a imprensa, compreende? Dependeria de como a novela iria caminhar. É um elenco extraordinariamente nobre, capacitado, talentoso, um leque de atores fantásticos. E, nesse contexto, sou uma dessas tantas pessoas. Por isso, poderia voltar ou não.

PERGUNTA: A decisão de ficar fora da trama teve algum motivo especial?

FERNANDA: Sim. Tenho uma vida fora da televisão. Eu também já não sou uma criança. Acho que chega uma hora que a estafa se apresenta. Nós sabemos do processo, da industrialização, entramos de acordo com isso e tocamos o bonde. Mas acho que o ideal seria uma novela durar de sete a oito meses, no máximo. É um ano de sua vida que, se você se aplica realmente, não tem tempo para mais nada. Passa-se o dia gravando e decorando quando não está no estúdio. Então, a sua vida particular acaba. No meu caso, não tenho tempo de ler um livro, de ir a um cinema ou ao teatro. Essa voltagem é violenta. E, hoje, os capítulos duram uma hora, em média. Lá nos velhos tempos, um capítulo tinha meia hora de escrita e mais uns dez, quinze minutos de anúncio. Hoje não. Você tem uma pesada carga, não só para representar como para decorar.

PERGUNTA: Não querer ficar um ano presa a uma novela também é conseqüência de compromissos no cinema e no teatro?

FERNANDA: Tenho uma agenda paralela também. Mas a essa altura da minha vida, é um esgotamento. E, quando me chamam para uma participação, para integrar um elenco, sei que nunca é um papel que vai entrar de vez em quando, que vai fazer uma fala aqui, outra ali. Quer dizer, sempre é uma pesada. Tem sempre uma viagem para o exterior e minha personagem entra participando mesmo do projeto. Nunca é leve. Nunca é só para cumprir contrato.

PERGUNTA: Durante o período fora da trama, a sra. acompanhou Belíssima?

FERNANDA: Sim. Em primeiro lugar porque o elenco da novela é muito solidário. Além disso, também poderia voltar. Esse retorno ainda não estava definitivamente previsto, mas se encontrava dentro das possibilidades do autor. Agora, acho que a gente sempre se surpreende nesse tipo de história. E considero o Silvio de Abreu um mestre nisso. Ele não tem nenhum pudor de fazer água virar vinho e vinho virar água. E, na maioria das vezes, ele encaminha a trama para o policial - o que faz com que o assassino não seja o mordomo.

PERGUNTA: A Bia Falcão é realmente uma vilã?

FERNANDA: Isso só quem pode dizer é o Silvio. Quando a gente começa uma novela de um jeito, os dados são muito por alto. Depois, com os acontecimentos, com a intuição do autor e às vezes até a opinião do público, a história toma rumos até então inimagináveis. Dessa maneira, ficamos aqui aguardando os capítulos preparados para essas mudanças, muitas vezes fulminantes. No início me disseram que ela não era uma vilã, mas uma matriarca poderosa, dona de uma empresa gigante, prepotente, perfeccionista, exigente, chata. Até agora eu não sei se ela chega a estrangular alguém, estou esperando...

PERGUNTA: As pessoas ficam com medo de você nas ruas?

FERNANDA: Que nada! Ninguém mais foge de bandida de novela. Hoje em dia o povo já sabe o que é novela, já sabe separar o ator da ficção. São muitos anos de teledramaturgia. Além disso, acho que as pestes das novelas da atualidade também são amadas. Não é um fenômeno somente da Bia Falcão. As cruéis que me antecederam foram muito bem. Acho que a maldade tem um certo encanto.

PERGUNTA: A sra. acredita que o retorno de Bia Falcão se deveu a um buraco deixado pela principal vilã?

FERNANDA: Não. Essa trama tem muitas figuras centrais, a partir da dupla Glória Pires e Tony Ramos. A Bia Falcão é uma personagem muito bem desenhada pelo Silvio, mas não é a figura central - inclusive porque eu já estava programada para sair da novela depois de quatro, cinco meses. E cada núcleo tem o seu suporte. No desenrolar da novela, o conjunto todo aflorou. Até porque o Silvio de Abreu é um autor que tem muita consideração com os atores que entram em suas tramas. Ele é um autor que não se esquece de nenhum ator. O Silvio é muito cuidadoso e eu o respeito muito mesmo por isso. Agora, esse núcleo tem também a diretora Denise Saraceni, que é uma mulher que trabalha na harmonia absoluta. Ela sabe exatamente o que está fazendo e como fazer.

PERGUNTA: Para muitos espectadores, soou um tanto absurdo o retorno de Bia Falcão. Em novela vale tudo?

FERNANDA: Exatamente. Acho que o público já sabe desses golpes das novelas e sabe também que, por inúmeros meios, isso tudo será devidamente explicado. Se estes meios são convincentes ou não, o público aceita a explicação porque sabe que isso é um faz-de-conta diário que alimenta o passatempo, tira as pessoas das tristezas da vida e das desarmonias. Então, essas explicações com muita lógica, as razões psicológicas mais profundas, isso não é para o campo da dramaturgia. As histórias sempre alimentaram a imaginação. Agora, acho que a diversão prende porque é um trabalho bem feito. Não fosse essa qualidade, não se teria chegado à altura que chegamos. Queiram ou não, a novela é um produto cultural de exportação do Brasil.

Na telinha desde 51

Atriz consagrada por inúmeros trabalhos no teatro, na TV e no cinema, Fernanda Montenegro começou sua vida artística bem distante das câmeras.

Foi nos estúdios da Rádio MEC que ela deu seus primeiros passos, como locutora. Lá, trabalhou por dez anos até estrear no teatro em 1950, no espetáculo Alegres Canções nas Montanhas. A partir daí, a carreira de Fernanda deslanchou.

Um ano depois, estreou na TV Tupi, onde participou, entre os anos 50 e 70, do programa ao vivo Grande Teatro Tupi. "Tenho mais ou menos 60 anos de vida pública, entre trabalhos no teatro, no cinema e na televisão", espanta-se.

Não bastasse o sucesso na telinha e nos palcos, em 1965 Fernanda estreou nos cinemas. Foi no elenco do longa-metragem A Falecida - obra dirigida por Leon Hirszman. Por esse papel, foi contemplada com o prêmio de melhor atriz do Festival de Brasília.

Desde então, Fernanda Montenegro acumula prêmios na telona. E, de todas as atuações, a mais marcante foi a Dora, de Central do Brasil. Por seu desempenho no filme de Walter Salles, ela recebeu, entre outros prêmios, o Urso de Prata, em Berlim, na Alemanha, e foi indicada ao Oscar de melhor atriz.

Sem segredos, a atriz diz que seu sucesso está na alegria de viver. "Gosto da vida! Sou uma libriana despudorada", afirma, com o bom humor de sempre.



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