Cultura & Lazer Titulo
Vida que se esvai na frente da tela
22/03/2011 | 08:34
Compartilhar notícia


Escritor inglês de ascendência japonesa - nasceu em Nagasaki, mudou-se criança para a Inglaterra -, Kazuo Ishiguro é um autor singular. Em princípio, não seria ‘cinematográfico'. Seus livros são tristes, não raro depressivos. Configuram narrativas lentas.

E, no entanto, Resíduos do Dia virou filme de James Ivory - Vestígios do Dia -, o melhor do diretor, e Não Me Abandone Jamais deu origem ao filme homônimo de Mark Romanek, atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros. O próprio livro está sendo reimpresso pela Companhia das Letras.

Todos esses títulos configuram alguma coisa. Abandono, solidão, vidas perdidas (na maioria das vezes, roubadas). Logo na abertura de Não Me Abandone Jamais, o leitor é informado de que o livro se passa na Inglaterra, no fim dos anos 1990. O relato é feito na primeira pessoa por uma ‘cuidadora'. O filme tem algo de fantástico. Seria, ou é, uma ficção científica retrô, como Blade Runner, o Caçador de Androides, destituída dos elementos espetaculares de ação e aventura do cult de Ridley Scott.

Nessa Terra (de ninguém), acompanhamos o trio que, na idade adulta, será interpretado por Carey Mulligan, Andrew Garfield e Keira Knightley. Percorre o filme - como o livro - a lembrança de Hailsham, onde foram criados. Hailsham não é um orfanato/internato como os outros. Como todos os internos, as crianças são preparadas para ser doadoras de órgãos - Carey Mulligan será a cuidadora do trio.

Naturalmente que, sendo retalhados, eles vão se acabando. Sonham com um mito de Hailsham. O de que dois integrantes do quadro da escola, tendo provado que se amam de verdade, poderão ser liberados para levar uma existência ‘normal', seja lá o que isso signifique. Triste como é - (pós) apocalíptico como é -, o filme pretende ser, basicamente, uma história de amor, nas quais as memórias dos trio vão se superpondo, e completando, para compor uma só lembrança.

GARANTIA FALSA - Carey ama Garfield, mas ele prefere Keira - ou, pelo menos, assim parece. Keira, na verdade, atropela Carey, coloca-se entre os dois, movida por essa mesma fantasia - a de que o amor provado terá como recompensa a garantia de vida. No filme, os três têm o seu talento colocado à prova, porque criam personagens destituídos de vitalidade, como se estivessem, e estão mesmo, morrendo. O mais curioso é que esse filme leva a assinatura de Mark Romanek. um diretor de vídeos dos Estados Unidos.

A MTV alemã não deixa por menos e considera Can't Stop, do Red Hot Chili Peppers, que Romanek dirigiu, o segundo melhor vídeo musical de todos os tempos (após Bad, de Michael Jackson). A linguagem MTV é essencialmente dinâmica. Muito corte e movimentação de câmera para projetar o espectador na vertigem do ritmo, da dança. Não Me Abandone Jamais é o oposto.

Câmera parada, ou quase. Cenas longas, poucos cortes. Romanek ajusta sua linguagem às exigências dramáticas do livro. Mais do que o relato de vidas perdidas, o longa oferece relato de um tempo que nunca é reencontrado.

Ilusões perdidas, mitos desfeitos. Ninguém soluça nem perde o controle. A vida simplesmente esvai-se. Dilui-se. Pode-se admirar a qualidade da interpretação, o rigor estético. Mas é programa para poucos.

 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;