Cultura & Lazer Titulo
Terceira idade e metafísica
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
20/06/2011 | 07:41
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Nascido na Angola, ainda a completar 40 anos, Valter Hugo Mãe já rumou caminho que parece mais longo do que a estrada. Com três romances no currículo - premiados e elogiados por gente como José Saramago -, em seu quarto lançamento, 'A Máquina de Fazer Espanhóis' (Cosac Naify, 256 páginas, R$ 39), o escritor que cresceu em Portugal traz à literatura o frescor de uma prosa inventiva e original combinado a um pensamento complexo, que reúne painel sentimental e histórico português aos dramas existencialistas individuais.

O escritor, que é também DJ, vocalista de banda de rock e artista plástico, vem em julho para o Brasil, convidado da Flip.

O livro, todo escrito em letras minúsculas, conta a vida de António Jorge da Silva, barbeiro português de 84 anos que acaba de perder a mulher. Internado em asilo, Silva reflete sobre a decrepitude da mente e do corpo, enquanto vê a vida acontecer encerrado entre as brancas paredes do local para onde foi enviado pela família.

As amizades que faz no asilo - uma delas com centenário homem que diz ser o ‘Esteves sem metafísica', do poema 'Tabacaria', assinado por Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa - chegam capazes de transformar a visão do velho Silva, incutindo ao seus dias um pouco de alegria e muito debate.

Contemporâneos do período da ditadura imposta pelo estadista António de Oliveira Salazar, que reinou no país entre 1932 e 1968, os idosos do asilo compartilham sentimentos semelhantes. Entre o horror do passado de cordeiros e o espanto de chegarem à velhice e ver o mundo com valores que talvez não estejam mais bem assentados do que os dos tempos antigos, todos versam à metafísica e à história.

Ícones como Amália Rodrigues, o futebolista peruano Teófilo Cubillas e Nossa Senhora de Fátima costuram ao cotidiano as discussões sobre o caráter anestésico das manifestações que eram permitidas ao povo que vivia misérias mas orgulhava-se de sua pátria.

Paira quase que em todos o sentimento de inferioridade construído há largo tempo pelos portugueses por causa das relações entre o seu país e a Espanha. De colonizadores concorrentes, os dois se encaminharam para distintas realidades. Enquanto os espanhóis viram florescer suas promessas de prosperidade, os lusitanos sofreram revezes econômicos e sociais.

Sem dó, Silva, enquanto luta pelo amor perdido e irrecuperável, encara a triste realidade do seu povo ao mesmo tempo que sente suas forças físicas o abandonarem.




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