Dizem que ela é loira, tem algodão no nariz, usa roupa branca e aparece no banheiro da escola depois que alguém chuta o vaso sanitário e dá descarga três vezes. É nessa lenda que os alunos do Instituto de Ensino Cecília Meireles, de Santo André, acreditam. "Minhas amigas contam que viram a loira no banheiro do segundo andar, agora só usamos o do andar de baixo", diz Júlia Garcia, 8 anos, que fica arrepiada só de ouvir barulhos estranhos quando vai ao sanitário.
Na imaginação de Victor Paulon Silva, 8, esse fantasma usa macacão rasgado e tem a pele rachada. Ele explica que, em vez de dar chutes, tem de bater palmas. A forma de aparecer em São Caetano também difere, segundo Bárbara Todreve, 11: tem de jogar um fio de cabelo na privada, chutá-la e falar três palavrões. "Já fiz o teste e nunca apareceu nada, por isso não acredito."
Não há versão certa nem errada; a história é tão antiga que é impossível definir quantas existem. Há várias décadas, ela assusta os alunos, como Enzo Liberatori Calais, 8, que já fez xixi na calça por medo de ir ao banheiro. "Minha irmã disse que viu a loira. Ela estava sangrando e arrancando os cabelos bagunçados", lembra Enzo, que já chorou por causa disso, mas agora não acredita mais na história.
A lenda já era contada na infância de Maria Luiza de Carvalho, 67, avó de Bárbara: "Diziam que era um espírito abandonado que vagava pela escola com algodão no nariz e na boca. A única que sei que existiu de verdade foi uma que vi da janela de casa quando tinha 7 anos".
Segundo Maria, uma loira linda e sorridente, de olhos azuis e cabelo ondulado apareceu enquanto ela cuidava da irmãzinha. "A janela estava trancada e abriu sozinha, foi quando vi a mulher que desapareceu no instante em que olhei para minha irmã."
Sobrevivem às novas gerações
Amanhã (22) é o Dia do Folclore, data que relembra tradições, histórias e costumes populares que são passados de pai para filhos e sobrevivem mesmo com tanta tecnologia na era da internet. Ninguém sabe onde nem como surgiram e podem ganhar novos elementos e versões, sempre com o objetivo de transmitir uma lição, em geral para passar medo.
A Loira do Banheiro, por exemplo, é uma forma de evitar que os alunos matem aula ou fiquem muito tempo bagunçando nos banheiros das escolas. Tanto que uma das versões diz que uma garota loira matava aula no banheiro da escola quando escorregou, bateu a cabeça e morreu. Já a Loira da Estrada, que aparece de madrugada pedindo carona a caminhoneiros, ensina que não é bom dar carona a estranhos para não correr risco de assalto. Enquanto o Saci surgiu para assustar fazendeiros que maltratavam escravos.
Por causa da mensagem de alerta, as lendas são transmitidas com pequenas modificações para se adaptar ao objetivo que se propõe. É como um telefone sem fio, que passa a informação de boca em boca e, no fim, é contada de outro jeito.
Em geral, as lendas que referem-se à vida em áreas afastadas, como Curupira e Caipora, não assustam quem mora na cidade. Parece ser mais fácil encontrar um fantasma no banheiro da escola do que ver o Saci torcendo o rabo dos cavalos.
Outras loiras assustam por aí
Nos Estados Unidos, essa loira é conhecida como Blood Mary (Maria Sangrenta). Dizem que também deve ser chamada em voz alta enquanto se olha para o espelho, mas lá circula por universidades, em vez de escolas de Ensino Básico. Conta-se que a moça gostava de matar aula no banheiro e recebia ajuda de um funcionário para isso. Teria sido assassinada por ele, que apaixonou-se por ela e não era correspondido.
Essas histórias ganham o nome de lendas urbanas, porque circulam entre as cidades, como a da Loira do Bonfim, que surgiu em Belo Horizonte há 60 anos. Uma das versões diz que foi morta por um taxista e enterrada no cemitério do Bonfim. Depois, seu fantasma passou a pedir carona aos motoristas. No caminho, descobriam que o destino era o cemitério. Ao chegar lá, ela desaparecia.
Drielly Roth, 10, de Santo André, lembra que outra loira ronda seu bairro. Apareceu na padaria perto do cemitério e, quando o funcionário disse que o local já estava fechado, ela foi embora flutuando.
Pouco medo é bom; muito, ruim!
É natural sentir medo, sentimento importante para nos proteger. Serve para não colocar a vida em risco e evitar situações perigosas. É algo involuntário,que não depende da vontade.No entanto, não pode ser exagerado a ponto de interferir no dia a dia. Deixar de ir ao banheiro por medo do fantasma, por exemplo, não pode acontecer. Há risco de o medo virar pânico ou fobia. Caso isso ocorra, tem de procurar ajuda de especialistas para vencê-lo.
Em geral, nessa hora, o coração dispara, a transpiração e a respiração aumentam, sente-se tremedeira e calafrio. Tem gente que fica com vontade de fazer xixi ou sente dor de barriga. O cheiro do corpo muda porque o organismo libera substâncias que o homem não consegue sentir, mas alguns bichos podem perceber.
Para vencer é preciso enfrentá-lo. Quem não tem coragem de ir ao banheiro por causa da loira deve fazer o teste, como Luis Gustavo Oliveira, 8 anos, de Santo André, que descobriu que a história é uma lenda e o fantasma não aparece de verdade. "Fiz o ritual, olhei para o espelho e não vi nada. Depois disso, passei a ir ao banheiro sem medo", explica.
Quem acredita que viu fantasma ou a loira do banheiro, provavelmente, é vítima de sua imaginação. Pode ser que tenha se confundido ao ver uma sombra ou ouvir alguém chamar seu nome. O medo faz a gente enxergar o que não existe.
Saiba mais
Enzo Calais, 8, fica assustado toda vez que vê alguém na rua com um saco nas costas, porque se lembra do Homem do Saco Preto. "Ouvi dizer que ele carrega crianças e elas nunca mais voltam para casa." Por sorte, a lenda garante que o homem só leva embora quem não obedece os pais.
A lenda do Bicho Papão também é sempre recontada e ganha novos elementos. Victor Paulan, 8, chegou a sonhar com o monstro. "No pesadelo, abria a porta do quarto e ele entrava para me assustar", explica. Apesar de ter medo, o garoto já assustou o amigo fingindo ser esse bichão.
Já ouviu falar do Pé Grande? Sua lenda é contada em várias partes do mundo, onde ganha diferentes nomes, como Homem do Gelo e Abominável Homem das Neves. Mas sempre dizem que é assustador, tem o corpo coberto de pelos, 2 metros de altura e vive nas florestas.
Outro famoso é o Chupa Cabra, que dizem atacar animais nas zonas rurais com dentadas no pescoço. Seu nome surgiu após ataque a oito cabras em Porto Rico, em 1995, encontradas com perfurações no tórax e sem sangue no corpo. Acredita-se que seja grande, peludo e ande de quatro.
Nem todas as lendas causam medo. Já ouviu falar no Monstro do Lago Ness? Acredita-se que no lago escocês viva um grande animal aquático parecido com plessiossauro, réptil marinho e pescoçudo que existiu na época dos dinos. Em 1934, jornais publicaram foto do bicho, que pouco depois provaram ser falsa. Ao longo do tempo, o monstrengo tornou-se querido e famoso, ganhando o carinhoso apelido de Nessie. Virou até protagonista do curta-metragem de animação A Balada de Nessie, exibido junto a Winnie The Pooh nos cinemas.
Consultoria de Carlos Lopes, professor de Letras da Unifesp, Angélica Capelari, professora de Psicologia da Universidade Metodista, Suse Camacho, psicóloga infantil, Américo Pellegrini, professor de Folclore da USP
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