Cultura & Lazer Titulo
Reabertura do Maison de France acende debate sobre teatros
Do Diário do Grande ABC
17/06/2000 | 15:58
Compartilhar notícia


A boa notícia, anunciada pelo consulado francês na quinta-feira, da reforma do Maison de France, no Centro, reacendeu o debate sobre os teatros que saíram de cena no Rio de Janeiro. Eles sao muitos e estao de portas fechadas.

Nos últimos anos a cidade perdeu, pelo menos, duas dezenas de grandes e bons teatros, cujas instalaçoes, em parte, continuam intactas e sem uso teatral. Mas a vontade política para ressuscitá-los é tao escassa quanto a verba de patrocínio para trazê-los de volta. A lista é grande. De portas trancadas estao o Teatro Mesbla, o Copacabana, o Serrador, o Bloch - que reabre no próximo mês. Entre os que hoje sao igrejas evangélicas estao o Teresa Rachel, o Barra e o Teatro Alaska. Vários driblando a lei de Raimundo Magalhaes Júnior, da década de 30, em que um teatro só pode ser substituído por outro. Sao teatros espaçosos, com cerca de 500 lugares, camarins e urdimentos, que os atuais teatros nos shoppings (na verdade lojas adaptadas) nem sonham ter. Cada um tem sua história de decadência.

O Teatro Copacabana, que faz parte do complexo do hotel Copacabana Palace, de 1923, foi fechado há 6 anos. Tombado por três instâncias - Uniao, Estado e Município - o Copacabana luta para acrescentar aos fundos, que dá para Av. N. Sra. de Copacabana, e onde está localizado o teatro, um prédio de dez andares. O projeto esbarrou no tombamento. Até agora só o DGPC, órgao da prefeitura, liberou a obra.

O diretor superintendente do hotel, Phillip Carruthers, assegura que reabrirá um dia o teatro do hotel, que tem capacidade para cerca de 500 pessoas. ``Nós temos todo o interesse em reabrir o teatro. Nao podemos dizer a data enquanto o Iphan nao aprovar o projeto de ampliaçao. Aquela área necessita de uma reforma. Estamos aguardando uma decisao. A prefeitura, através do DGPC, já aprovou o projeto. O Inepac, órgao do Estado, aprovou, quer dizer, retirou a oposiçao ao projeto, e aí, foi encaminhado ao Iphan', diz Carruthers, acrescentando que o teatro é um componente importante para o Copacabana Palace.

Para o secretário estadual de cultura, Adriano de Aquino, a situaçao nao é exatamente assim. ``O prédio em questao nao é tombado, como a parte social. Por isso a matéria é polêmica. Examinamos e vimos que nao é uma matéria apenas de caráter cultural, mas de perfil jurídico. Por isso o encaminhamos para a Procuradoria Geral do Estado. O Inepac nao aprovou a obra. Apenas fez algumas consideraçoes. A construçao nao é sobre o projeto tombado, mas sobre o seu entorno', afirmou.

Adriano de Aquino acredita, no entanto, que nao é esse o motivo do fechamento do teatro. ``Se o Copacabana quiser, ele pode reformar o teatro e colocá-lo para funcionar', disse o secretário.

O Copacabana nao é um caso isolado em que um teatro associado a uma grande empresa é abandonado. O caso do Teatro Mesbla, que abrigou várias companhias de comédia é outro exemplo. Fechado há pelos menos seis anos, a sala que fica no prédio da extinta loja Mesbla (hoje uma imensa Lojas Americanas), no Passeio Público, hoje tem um destino incerto. O prédio depois do fim da Mesbla passou às maos do BCN ( Banco de Crédito Nacional) do grupo Bradesco, que está avaliando a utilizaçao do espaço. ``Realmente o teatro faz parte do BCN. Assim como todo o restante do imóvel, o teatro também está em estudo', disse Flávia Manfrin, assessora de imprensa do grupo.

Enquanto o BCN pensa no que faz, os mais de 500 lugares do Mesbla, assim como seu palco, camarins e escadarias ficam entregues à escuridao do descaso.

Alguns dos teatros continuam com outros usos. É o caso do pequeno Santa Rosa, em Ipanema, hoje um espaço para shows nos fundos da boate W. Mas a área que mais sofreu com o abandono foi a do Centro. Lá desapareceram o Mesbla, o Serrador e o Maison de France, que agora anuncia sua volta.

Segundo a atriz Rosa Maria Murtinho, o fechamento dos teatros no Rio confirma a falta de aplicaçao das leis que garantem a manutençao da arte teatral. ``A regulamentaçao dos espaços em shoppings está, desde que foi sancionada pelo entao prefeito Marcello Alencar, perdida numa gaveta. Se as leis nao sao acionadas, o que dizer da manutençao de patrimônio', provoca a atriz.

Outra ameaça constante aos teatros sao as igrejas evangélicas, que já transformaram pelo menos quatro palcos pagaos em templos de pregaçao. O Teatro Tereza Rachel, em Copacabana, com capacidade para 560 pessoas, foi um dos primeiros teatros particulares a ter grande freqência de público. Há um ano, entretanto, o prédio foi alugado pela Igreja Universal do Reino de Deus.

O mesmo aconteceu com o Teatro Alaska, com o Teatro da Barra, e com o Teatro da Praia. ``É triste para qualquer cidade ver seus espaços culturais sendo fechados. Nem o governo federal, nem o municipal demonstraram sensibilidade para manter vivo um dos poucos teatros idealizados para ser um grande teatro em Copacabana', disse Tereza Rachel, que abriu o seu teatro 1970.

Templo da música popular brasileira, por lá passaram os maiores nomes da MPB. Gal Costa, por exemplo, fez seu primeiro show naquele palco, que também abrigou o musical Gota D'água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, no final da década de 70.

Ameaça igual paira sobre os teatros de Brigite Blair, atriz de teatro de revista, proprietária do Teatro Brigite Blair (antigo Miguel Lemos), em Copacabana, e do Teatro Serrador (hoje Brigite Blair 2), no Centro . ``Várias igrejas já quiseram comprar meu teatro em Copacabana. Nao tenho coragem de vendê-lo. Mas nao sei até quando vou resistir, já que nao tenho patrocínio ou apoio do governo', conta a atriz.

Para manter seus teatros em pé, Brigite escreve as peças, encena, dirige, faz o figurino e os cenários e ainda cuida da bilheteria. Com arquitetura de Sérgio Bernardes, o Teatro Brigite Blair tem capacidade para 200 espectadores, e foi comprado pela atriz há 36 anos. ``Estou como cega em tiroteio, há seis anos os meus ingressos custam R$ 10 e tenho mais de 50 pessoas em minha equipe'.

Além do teatro Brigite Blair, a atriz comprou, em 1984, o clássico Teatro Serrador, construído na década de 40. Lá foram montadas grandes comédias com Eva Tudor e Bibi Ferreira. O Serrador é daqueles teatros tradicionais com urdimento, ambiente espaçoso e cadeiras de veludo vermelho.

Fechado há quatro anos, Brigite nao vê luz no fim do túnel. ``Eu tenho que ir a um psiquiatra para ele me mostrar o quanto estou louca por nao vender os teatros', ironiza. ``Os produtores que me apresentam propostas sao todos fantasmas', acrescenta a empresária, que no momento, só se dedica a peças infantis.

O cenógrafo José Dias, que no ano passado defendeu a tese Os teatros do Rio de Janeiro do século 18 ao século 20, na Universidade de Sao Paulo (USP), acredita que falta vontade política para manutençao dos espaços cênicos no Rio de Janeiro. ``O Centro acabou. Ficou abandonado no fim de semana, uma vez que todo o movimento foi transferido para Zona Sul e Barra. Os teatros que têm uma arquitetura para este fim foram perdendo espaço para salas em edifícios comerciais. A ganância imobiliária dos shoppings motivou a adaptaçao de lojas em teatros', afirma Dias.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;