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Espionagem mágica
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
20/09/2010 | 07:50
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O ano de 1945 marca o fim da maior guerra que os humanos já viram. O militarismo já se erguia sob nova égide. Longe dos campos de batalha, uma guerra mais silenciosa era organizada - como se pôde ver na luta de conflitos estratégicos travada entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética durante as longas décadas da Guerra Fria.

A CIA (Agência Central de Inteligência) norte-americana, criada em 1947, evoluiu esta nova ordem, como prova o recém-lançado livro CIA - Manual Oficial de Truques e Espionagem (Lua de Papel/Leya, preço médio R$ 35).

Distantes das loucas tecnologias que nos filmes de ação de hoje tornam os humanos meros artifícios, tubos de pasta de dente, maços de cigarro e cadarços de tênis eram a solução para atacar de modo velado. O problema era tornar as mãos de truculentos agentes em suaves executoras destes discretos planos. Daí a ideia de chamar um ilusionista para ensiná-los o truque.

A obra é um compêndio dos manuais criados pelo mágico John Mulholland - um dos maiores ilusionistas norte-americanos da época - a pedido da CIA, com truques de prestidigitação e técnicas de comunicação alternativa. O intento era fazer com que os espiões norte-americanos aprendessem a reagir às novas técnicas soviéticas de investigação da mente, sabendo manipular secretamente pílulas, drogas e pós.

O projeto fez parte do plano secreto de nome Mkultra, cujos documentos foram destruídos em 1973. Imaginava-se que as cópias da criação de Mulholland haviam sido também todas eliminadas, até encontrarem um exemplar ilustrado perdido, que serviu de base para os comentários de H. Keith Melton e Robert Wallace (ambos já trabalharam para a CIA), que contextualizam a história e complementam informações saborosas na edição.

ARTIMANHAS - Mulholland inicia o manual dizendo que o objetivo do trabalho é ensinar o leitor a executar diversas ações de modo secreto e indetectável. "Em resumo, aqui estão as instruções a respeito de fraudes", escreve.

O mágico, primeiro por sua profissão, e em seguida por estar trabalhando para a CIA, jamais imaginaria que seus truques viessem um dia a público. Tanto a lei dos mágicos quanto o sigilo da missão de um agente da central de inteligência norte-americana exigem juramento de sigilo.

Logo, ele deixa claro que a representação da mentira exige mais maestria do que a prática de contá-la. E que o sucesso torna-se mais questão de memorização de detalhes do que de repetição física.

O mágico deixa claro que, geralmente, as pessoas acreditam que determinados recursos são responsáveis pelo sucesso do truque - entre eles a crença de que os mágicos dependem da rapidez da ação e da ideia equivocada de como e quando os espelhos são utilizados em mágica - e por isso se frustram por não captar o segredo do ilusionista.

"Existe, sim, uma multiplicidade de segredos e de variedade de métodos que tornam a mágica possível", explica Mulholland, completando que os trapaceiros, à exceção dos mágicos, têm a vantagem de não serem conhecidos como impostores nem suspeitos de embuste. "Eles precisam apenas executar sua trapaça quando é para seu benefício e quando têm condições favoráveis de sucesso", completa.

A postura do fraudadores é crucial para que não sejam notados. "Uma pessoa que parece interessada no que está fazendo não chama atenção, mas outra cujo interesse está direcionado para o que os outros estão fazendo será notada".

Em seguida, neste primeiro manual, vêm as lições de manipular produtos e agir sem despertar atenção. No segundo, Mulholland dá dicas de combinações de truques e a postura corporal de quem precisa se comunicar com outra pessoa naqueles tempos sem celular, e-mail e outros artifícios.

O mais interessante é ver descritas as exigências atribuídas ao pensamento e à postura corporal do enganador. Distante, no tempo em que não existiam crimes virtuais e não era comum que as extorsões fossem executadas por coação - uso de armas e tortura psicológica - a obrigação de agir presencial e harmoniosamente garantiam à arte do engano a ilusão de que ela era muito menos desleal.

Planos mirabolantes contra Fidel

Os destaques dos planos da CIA ficaram por conta da Operação Mongoose, que tinha a intenção de derrotar Fidel Castro. No livro, os autores destacam que "alguns dos planos mais criativos e quase extravagantes" foram pensados para destronar o ditador cubano.

A maior parte das criações envolviam substâncias químicas envenenadas programadas para serem adicionados em algum objeto de uso pessoal de Castro.

Primeiramente, foi proposta a aplicação de spray de LSD dentro do estúdio de rádio dele em Havana ou então impregnar seus charutos com produtos químicos para produzir desorientação temporária e constrangê-lo durante um pronunciamento oficial.

Pensaram em contaminar suas botas com sal de tálio (agente depilador) ou então utilizar em seus charutos produtos que o fizessem perder a barba e a imagem viril. Também consideraram lhe entregar de presente uma caixa com charutos explosivos.

Depois que a segurança cubana criou uma marca de charutos exclusiva para Fidel, os planos envolvendo a preparação de tabaco foram abortados.

Como o líder gostava de pesca submarina, cogitaram construir uma concha recheada de explosivos para ser instalada na praia de Varadero, em Cuba, ou contaminar uma roupa de mergulho e um aparelho de respiração com a bactéria da tuberculose ou com a micetoma, que causa doença de pele crônica.

Por fim, modificaram o dispositivo de uma caneta esferográfica Paper Mate ocultando um seringa hipodérmica para injetar o veneno Black Leaf 40, que mesmo com uma picada leve resultaria em morte certa.

Fidel Castro, muitas vezes por golpe de sorte, escapou de todas as tentativas da CIA, até o dia em que o presidente norte-americano Gerald Ford ditou a ordem executiva que proibia assassinatos políticos.

 




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