Economia Titulo Entrevista
‘Essa reforma na Previdência é um crime’

Vice-presidente da Força Sindical mostra
descontentamento com possível mudança

Tauana Marin
Do Diário do Grande ABC
19/12/2016 | 07:41
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Nario Barbosa/DGABC


A proposta sobre a reforma da Previdência Social tem dado o que falar. A fim de posicionar o que pensam os trabalhadores, o vice-presidente da Força Sindical, Miguel Torres, esteve no Diário e, em entrevista exclusiva, mostrou seu descontentamento com essa possível mudança. Homens e mulheres só poderão se aposentar com 65 anos – a mesma idade para os dois. E o tempo mínimo de contribuição passa a ser de 25 anos. As regras valem para o setor privado e também para o setor público.

Para o sindicalista, outras medidas podem ser tomadas sem que o trabalhador seja prejudicado. Uma das ideias é dar continuidade à fórmula 85/95, criadas pela centrais.

Torres avalia que o grande problema financeiro da Previdência não vem dos trabalhadores, mas das desonerações, das dívidas, dos privilégios e da retirada dos recursos por parte do governo para outros destinos. Ele antecipa que o povo vai das ruas ao Congresso Nacional para barrar essas mudanças, consideradas por ele um crime.


Se os trabalhadores registrados contribuem com a Previdência, qual o motivo desse ‘rombo’ no caixa de que tanta se fala?

O grande problema da Previdência não são os trabalhadores, mas, sim, as desonerações, a retirada dos fundos da Previdência para outros gastos do governo, além dos privilégios que ainda existem, como é o caso do agronegócio – grande responsável pela balança comercial do País ser deficitária–, que paga a metade de qualquer contribuição empresarial. Isso é um crime. Se o setor pagasse o total que deve, diminuiria o ‘rombo’ em, pelo menos, R$ 60 bilhões. As desonerações correspondem a mais R$ 65 milhões, em média. Tratar a Previdência como uma questão de custo é atitude totalmente descabida, já que estamos falando de um sistema, um tripé de seguridade social: a Previdência, assistência social e a área da Saúde. Tudo é dividido entre esses três pilares. A assistência social, por exemplo, é para aquele trabalhador que nunca contribuiu e que quando chega aos 65 anos se aposenta, e isso é justo. Todos devem ter um salário mínimo garantido, mas esse dinheiro sai das arrecadações feitas pelos trabalhadores na ativa e isso deveria sair dos cofres do governo, porque é assistência social. É impossível falar em reforma da Previdência se ela não for ampla, para todos, como na questão dos militares, cujas aposentadorias dessa classe geram rombo equivalente a mais de R$ 40 bilhões. Se o governo acha isso importante, tinha que ter um sistema para pagamento separado só para os militares, criar caixa específico. O que está deficitário é o controle disso. Não dá para tratar a questão da Previdência meramente como sendo fiscal, monetária, porque ela é social.


Qual seria a saída para reverter essa situação?

Já estamos com uma reforma em andamento. No ano passado, conseguimos implantar a fórmula 85/95 (que permite que se aposentem com benefício integral os homens que alcançarem o índice 95 ao somar a idade e o tempo de contribuição para a Previdência. No caso das mulheres, o índice para se conseguir o benefício integral é 85). A cada dois anos que se passar, aumenta um ano na fórmula. Em 2017 já vai ser 86/96 e, em 2026, vai chegar a 90/100, garantindo que os trabalhadores alcancem o teto do valor do benefício. Por isso acreditamos que o discurso do governo, na nossa visão, é falso, já que temos uma reforma em curso.


Qual a visão da central diante da possibilidade da reforma da Previdência?

Dentro da Força Sindical há pessoas que defendem a negociação, outras não aceitam nem debater. No geral, a maioria é contra a proposta que foi encaminhada. Não somos contra negociar, mas, primeiro, queremos resolver os outros problemas. Cadê os devedores da Previdência, por exemplo? São mais de R$ 600 bilhões sonegados. Segundo estudos, pelo menos 15 empresas do Brasil respondem por 80% dessas dívidas. Por que o governo não cobra essas companhias? Porque tem medo. Agora, dos trabalhadores, eles não têm. O empresário paga e o trabalhador também. Precisa ter alguma ação em cima disso. Essa reforma não fala na eficiência da Previdência, do atendimento, do gerenciamento de recursos, apenas da questão monetária. Por isso somos contra e vamos ao Congresso. No início de fevereiro isso deve entrar em debate nas outras comissões e vai se ampliar. Vamos estar junto com os parlamentares, deputados, senadores e líderes de partidos. Vamos levar nosso posicionamento, porque não é por aí que tudo vai se resolver. O que achamos que pode mudar é que quem entrar no mercado de trabalho nesse momento, poderia ter uma Previdência nova, universal, onde todos possam saber em quanto tempo irão se aposentar e quanto receberão. Para que todo mundo saiba qual é a regra do jogo. Mas isso tem que ser universal, tem que ser para os trabalhadores, para os políticos e para militares. E, na transição, continuar essa fórmula 85/95, que é mais coerente.


Como o senhor analisa a possibilidade de as pensões por morte serem menores do que um salário mínimo?

Um absurdo! É um direito adquirido. Volto a falar: por que essas regras não caem sobre os militares? Hoje sabemos que políticos aposentados recebem altos valores. As regras só valem para os trabalhadores? Desde o governo Fernando Henrique Cardoso (que assumiu a Presidência da República entre 1995 e 2002) estão tentando acabar com a Previdência. Em outros países, como nos Estados Unidos, se aposenta com 66 anos, mas basta contribuir por uma década (para ter acesso ao piso).


Quais as medidas que serão utilizadas pela Força para tentar barrar essas novas regras?

Não só a Força, mas os metalúrgicos, as outras centrais (sindicais). Falo também como integrante da Confederação dos Metalúrgicos. Vamos para as ruas pressionar deputado por deputado, saber onde mora cada um no município, e conversar. Porque essa reforma é um crime contra o trabalhador, não há outro nome que se dê a isso que está acontecendo.

Muitos metalúrgicos relatam que há casos de lesões por trabalho e, com essa reforma, ficaria inviável o retorno às fábricas para se trabalhar por mais tempo. Segundo eles, a própria empresa não quer esse tipo de funcionário. O que o senhor pensa a respeito?

Por isso que eu falo: essa proposta é tão ruim que todos são contra. É um exemplo de que ninguém vai se aposentar mais e será preciso contribuir por 49 anos e ter mais de 65 anos. Como isso é possível no momento de recessão como este que atravessamos? A rotatividade no Brasil está em 33% por ano. Antes da crise econômica, a pessoa que era demitida levava cerca de sete meses para se recolocar no mercado. Hoje, a média passou a ser de dois anos. Nesse período, o trabalhador não tem como continuar contribuindo, ou seja, deixa sua aposentadoria ainda mais distante. Receber o teto do benefício, então, será ainda mais difícil. Outra aberração nessa proposta é tentar igualar homens e mulheres com a idade mínima. Isso é um absurdo. No futuro pode até ser que seja justo, mas hoje, sem igualdade de salário, de oportunidades, além da dupla, tripla jornada de trabalho, não há condições. Mais um crime, agora contra as mulheres.


A Força vai se juntar às outras centrais para evitar que essa proposta vá adiante?

Já estamos realizando reuniões com todas as centrais sindicais. Temos propostas que já estão sendo encaminhadas para manifestações e atos. Dia 24 de janeiro é Dia dos Aposentados. No Brasil estarão acontecendo atividades contra a reforma da Previdência. Em São Paulo ainda não definimos se ocorrerá no dia 24 ou 25 (aniversário da cidade). Os metalúrgicos farão as manifestações no próprio dia, na Capital, em macrorregiões, parando as produções a fim de denunciar essas medidas. Precisamos aglutinar as pessoas para entenderem que temos que ir às ruas e pressionar o governo, que se demonstra estar muito instável e, por isso, está forçando a barra na parte social. Vamos usar nosso poder de mobilização. Na segunda semana de fevereiro planejamos estar em Brasília fazendo manifestações e falando com parlamentares.


Como o senhor enxerga o cenário político-econômico atual?

O desemprego está gerando um caos social. Há cinco anos, em São Paulo, fizemos campanha para pessoas carentes e, nessa época, uma pessoa morava na rua ou tinha fugido da família ou era viciada em alguma droga. De três anos para cá aumentou enormemente o número de moradores de rua e o perfil, hoje, é de famílias, um casal com dois, três filhos, morando em barracos, embaixo de barracas. Muitos até trabalham, mas não têm condições de ter uma casa e sustentá-la sozinho. Esse reajuste da Previdência significa tirar ainda mais de quem necessita, vai aumentar essa fragilidade. Além disso, automaticamente, pioram também os serviços porque temos a PEC 241, que limita os investimentos nas áreas de Saúde e Educação por 20 anos. Quem usa a Previdência Social, as escolas públicas e a rede de Saúde pública não são os filhos dos ricos, com toda certeza. São os menos favorecidos, trabalhadores, desempregados. Sem investimento e atendimento caindo, Previdência diminuindo seu pagamento, só sobrou para os trabalhadores. Eles acham que os culpados por tudo que acontece no Brasil são os trabalhadores. Você não vê o governo taxar grandes fortunas, remessas de lucros. Um exemplo: se você tem um carro e uma moto você precisa pagar IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), mas, se tiver um iate, jet ski, barco, jatinho, helicóptero você não paga um centavo para uso. Agora, não são os trabalhadores que possuem isso. Nenhum governo quer arrumar briga com as pessoas poderosas, detentoras de grandes fortunas. Por isso vale uma reflexão social neste País. 




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