Michelangelo Antonioni levara ao limite, na Itália, a sua crítica do vazio existencial da burguesia. Solidão e incomunicabilidade. O Deserto Vermelho levou-o ao que parecia um impasse.
Para se reinventar, Antonioni caiu no mundo. Filmou em Londres (Blow-Up), revelou a 'América' em transe (Zabriskie Point) e decifrou o enigma por trás da Grande Muralha (China). Era um grande autor de filmes de arte. Com Blow Up - Depois Daquele Beijo, criou - ou foram as circunstâncias - uma nova modalidade. O filme de arte para as massas. imerso na cultura pop. Virou um êxito planetário sem abrir mão do rigor estético. Consolidou uma elite de autores. Já havia Jean-Luc Godard, na França, mas o chefe de fila da nouvelle vague fazia biscoitos finos para intelectuais. Antonioni, Federico Fellini e Ingmar Bergman atingiram outro patamar, e cada um, à sua maneira, foi metalinguístico.
Na cena com Vanessa Redgrave, o fotógrafo, Thomas, tira a camisa. Fica com o torso nu, ela também. Vanessa quase não tem seios. Ficam os dois muito parecidos.
Masculino, feminino. Androginia. Só existe uma presença 'carnal' no filme, e é a personagem de Sarah Miles. Antonioni viu com desconfiança a revolução sexual da Swinging London. Um mundo gélido de sentimentos, sem afeto. Um mundo em que a realidade é substituída pela ilusão. Thomas vive nesse limiar. Quando descobre o crime, o comprometimento o sacode de seu torpor. Mas quando desaparece o corpo, vai-se também o crime. Um mundo de signos, a civilização da imagem, sem signo cai no vazio. É como jogar tênis sem bola.
Tanto quanto Thomas, o mundo em que ele vive, a Londres dos anos 1960, é personagem de Blow-Up. Moda, rock, mudanças de comportamento, e o comportamento virou o novo nome da ética. Blow-Up é sobre o estado do mundo em 1966/67.
Cinquenta anos depois, por maiores que tenham sido certas mudanças, as essência do filme permanece intacta. Antonioni baseou-se num conto do argentino Julio Cortázar (Las Babas del Diablo), mas seu farol foi o Alfred Hitchcock de Janela Indiscreta, no qual outro fotógrafo, James Stewart, usa seu instrumento de trabalho, a câmera, para bisbilhotar os vizinhos e também descobre um crime. São filmes sobre arte e cinema, a arte do cinema, e por isso serão eternos. Enquanto existirem filmes.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.