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Baú abriga raridades
Dojival Filho
Do Diário do Grande ABC
23/01/2007 | 20:44
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O refúgio onde os Mutantes traçam seus planos para a conquista de novos territórios abriga um tesouro ainda inexplorado pela indústria fonográfica. Durante a entrevista com os músicos, o guitarrista Sérgio Dias, arquivista oficial do grupo, mostrou à reportagem uma caixa repleta de fitas de rolo e CDs com gravações de ensaios, shows, festivais, além de registros caseiros do cotidiano da família Dias-Baptista.

Sérgio não descarta a possibilidade de reunir esse material em um projeto semelhante ao Anthology, documentário e série de álbuns que remontam a trajetória dos Beatles.

Entre as preciosidades guardadas pelo virtuoso instrumentista, estão os ensaios que resultaram na criação da música Algo Mais, posteriormente utilizada como jingle da Shell, em 1969. A canção também integrou o repertório do disco homônimo à banda, lançado no mesmo ano.

Também estão acomodados nessa caixa tapes em que Tim Maia mostra músicas para a apreciação dos Mutantes. No fim dos anos 1960, o artista que ajudou a forjar a identidade brasileira da soul music era muito próximo à banda. Arnaldo Baptista, por exemplo, admirava a impostação vocal do “síndico”, que influenciou sua maneira de cantar.

Basta ouvir a interpretação de músicas como It’s Very Nice pra Xuxu e Benvinda, que integram o repertório do álbum Jardim Elétrico (1971), para constatar a dimensão dessa influência. Com Tim Maia, a trupe ouviu pela primeira vez a expressão “bauretz”, sinônimo de maconha na linguagem da geração flower power. O termo foi utilizado no título do álbum gravado no ano seguinte: Mutantes e seus Cometas no País de Bauretz (1972).

O baú dos Mutantes abriga ainda registros de participações da banda no programa de auditório da apresentadora Hebe Camargo. Aliás, foi no auditório da comunicadora “gracinha” que eles deram uma amostra de humor corrosivo e desapego em relação aos padrões de comportamento conservadores. Em 1971, Arnaldo e Rita Lee rasgaram a certidão de casamento em frente às câmeras.

Outra pérola da caixa é a histórica performance do grupo ao lado de Caetano Veloso, na fase eliminatória do 3º FIC (Festival Internacional da Canção), em 1968. A competição foi promovida pela TV Globo, no Teatro da Universidade Católica, em São Paulo.

Na ocasião, o cantor baiano defendeu a composição É Proibido Proibir, inspirada nas agitações estudantis daquele ano. Sob vaias homéricas da platéia de universitários, que consideravam o tropicalismo como um movimento “alienado”, Caetano fez um de seus discursos mais contundentes.

 “Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos”, bradou o tropicalista. O período dos festivais caracterizou-se por uma intensa polarização política e cultural, que colocou em lados opostos os defensores da tradicional música popular brasileira e os fãs das guitarras elétricas da Jovem Guarda.


Família - A caixa de Sérgio comporta gravações de sua mãe, Clarisse Dias, primeira mulher no Brasil a compor um concerto para piano e orquestra. Ex-aluna de Mário de Andrade, no Conservatório Dramático Musical, em São Paulo, a matriarca influenciou decisivamente o gosto dos filhos pela música e, sobretudo, a dedicação ao ofício. “Quando o Arnaldo resolvia tirar Fuga de Bach, minha mãe não brincava em serviço. Ficava lá no piano, distribuindo as vozes. A gente tinha só 14, 15 anos”, lembra o guitarrista.

Considerado pela crítica especializada como um dos melhores músicos brasileiros em todos os tempos, ele dedicou sua adolescência ao instrumento. “Ficava 12 horas por dia tocando e trabalhando. Fui perder a virgindade aos 18 anos”, brinca o mutante. Sérgio também fala com carinho sobre o pai, César Dias Baptista, que foi assessor do ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros. O músico guarda até hoje a gravação de um programa de rádio com o anúncio da morte do político.



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