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Lee Falk sobrevive no herói Mandrake
Orlando Fassoni
Especial para o Diário  
28/03/1999 | 18:09
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Neste mês de março perdemos dois grandes criadores, um no cinema, outro nas histórias em quadrinhos. No dia 7 morreu o diretor Stanley Kubrick, autor, entre outros, de obras como Lolita, Glória feita de sangue, Doutor Fantástico, O iluminado e, principalmente, o clássico 2001 - uma odisséia no espaço, que dividiu a ficçao científica cinematográfica. Kubrick morreu aos 70 anos, cinco dias antes de exibir pela primeira vez a versao final de sua última obra, Eyes wide shut.  

Nos quadrinhos, perdemos no dia 13 um dos seus nomes mais consagrados, Lee Falk. Para quem nao sabe, ele simplesmente criou dois dos mais famosos personagens dos gibis de nossa infância, o mágico Mandrake e O Fantasma, o insuperável defensor dos fracos e oprimidos.  Em novembro de 1970 Falk esteve em Sao Paulo, no Congresso Internacional de História em Quadrinhos, realizado no Masp, ao lado de outro gênio das historietas, Burne Hogarth, o desenhista de Tarzan.  

Quando chegou pela primeira vez ao museu, todo mundo pensou que, em vez dele, os organizadores tinham preferido trazer para cá o próprio Mandrake, sem a namorada Narda e sem o fiel escudeiro Lothar. Na época, Falk afirmou: "Mandrake sou eu. Uma aparência fabulosa e uma espetaculosidade teatral. Eu me visto com a capa negra e me penteio como ele. Sonho com o dia em que Federico Fellini levará Mandrake ao cinema com Marcelo Mastroianni. Por que Fellini? Porque só ele, com seu cinema, poderia recriar em imagens toda a teatralidade do personagem".  Fellini morreu em 3 de outubro de 1993 sem ter dado esse prazer a Falk.

Talvez, um dia, algum diretor se atreva a adaptar ao cinema as histórias do personagem. E talvez fosse melhor que Mandrake ficasse apenas nos gibis, dadas as versoes que o cinema tem feito do próprio Fantasma, de Batman e outros heróis, todas elas muito abaixo daquilo que os quadrinhos nos transmitiram por anos e anos de leitura.  Mais de 100 milhoes de pessoas lêem diariamente as aventuras do mágico, publicadas em tiras nos jornais e revistas em mais de 80 países.

Para Falk, nao foi muito difícil chegar aos quadrinhos. Aos 21 anos, como confessava, era um jovem provinciano em Saint Louis, no Missouri, que freqüentava a Universidade de Illinois, sonhava com a literatura e escrevia peças e poesia por puro diletantismo. Nas horas vagas ele desenhava. Foi assim que criou Mandrake, personagem que vendeu para um dos syndicates de Nova York depois de ser encorajado por Phil Davis, seu amigo. O mágico apareceria pela primeira vez em 11 de junho de 1934, no New York American Journal. Mas Falk nao tinha tempo para se dedicar inteiramente ao herói, e entrou num acordo com Davis: ele escreveria os argumentos e diálogos, e Davis ficaria encarregado dos desenhos, seguindo uma minuciosa descriçao de gestos, aparência física e figurinos.  

Essa notável uniao transformou Mandrake num clássico e durou até dezembro de 1964, quando Davis morreu vítima de um enfarte. Daí em diante Falk foi obrigado a entregar o desenho do personagem a diversos criadores - inclusive um brasileiro, André Le Blanc - até concluir que o herdeiro de Davis deveria ser Fred Fredericks, ex-aluno de Hogarth, este considerado o Michelangelo das historietas, pela forma anatômica como desenhava o rei das selvas.  Falk dizia que a primeira coisa que fez com Mandrake foi dar-lhe a sua cara. "Apesar de ter criado uma figura que se assemelhava muito comigo, eu o caracterizei segundo os modelos dos atores em voga na época, desde Adolph Menjou até William Powell, Ronald Colman e John Barrymore. E dei-lhe a mística elegância dos mágicos que, quando criança, via nos circos e teatros".  

O nome Mandrake surgiu de Machiavelli, e Falk o adotou porque, segundo as lendas, era a raíz dos poderes mágicos: "Assim, Mandrake é o homem da mandrágora, um ser dotado de poderes sobrenaturais que usa para fazer triunfar o Bem contra o Mal. Depois criei como seu primeiro inimigo o Cobra, que considero um ótimo personagem, uma espécie de Lúcifer. E nasceu também Lothar, o companheiro inseparável de uma época em que se falava muito sobre a dignidade e a autoafirmaçao dos povos africanos. E do mundo aristocrático, do ambiente sofisticado das valsas vienenses, imaginei Narda, a princesa".  Narda com Mandrake, Jane com Tarzan, Diana Palmer com o Fantasma.

Em 1977, depois de criar The Phantom em 1937, Falk surpreendeu os leitores dos quadrinhos publicados no jornal The Washington Post ao mostrar que o personagem mascarado da caverna da Caveira, um inveterado celibatário sempre apoiado por seu amigo Guran e pelos pigmeus Bandar, estava pedindo a ricaça Diana em casamento, após mais de 20 geraçoes de Fantasmas. O diabo é que aquela Diana que conhecemos nas primeiras décadas dos gibis, dócil, presa à mae e ao tio Dave, já era uma mulher emancipada que atuava na ONU. Namorou o Fantasma, o senhor Walker, por mais de 40 anos, acabou se casando com ele, deu à luz gêmeos, um garoto e uma menina, e ainda hoje vive com esse misterioso personagem que guarda as selvas de Bengala combatendo tigres e, principalmente, marginais asiáticos, contrabandistas que faziam da selva o seu reino, mas um reino que, segundo a concepçao de Falk, tinha o seu defensor, o mascarado, senhor absoluto.  

Mas, nem as magias de um Mandrake nem a força física de um Fantasma foram capazes de espantar a morte. As suas duas grandes criaturas nas histórias em quadrinhos nao puderam impedir que esse grande Lee Falk chegasse ao seu fim. O criador morreu, as criaturas continuam.




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