Cultura & Lazer Titulo
Uma arte em busca de identidade
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
20/06/2010 | 07:09
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"O drama tem um início... o primeiro drama é também o derradeiro drama. Num certo sentido, é o drama contemporâneo. Ainda está sendo praticado pelas raças primitivas que sobreviveram dentro de nosso próprio século...", escreveu o crítico e historiador de teatro John Gassner.

É essa a pertinência do que há para se falar sobre um teatro e a sua história. Eles ainda estão presentes. Suas ferramentas mais primárias são o leme do que foi rebuscado com o correr dos séculos. Seus principais personagens ressurgem, se fundem aos atuais.

No Grande ABC não é diferente. Desde as primeiras manifestações teatrais, muitos personagens e tantas outras histórias compõem o mosaico que identifica e traz para o presente uma marca da arte regional.

E é com o objetivo de rememorar, questionar e lançar perspectivas para o futuro do teatro regional que o Diário lança, a partir de hoje, série de reportagens, acompanhando o ABCena, evento do Sesc Santo André de memória e discusão da quinta arte na região.

Como surgiu? No que se diferenciou? Para onde caminha? Quem são os principais personagens? Essas são algumas das questões cujas respostas o evento pretende trazer à tona e que esta série caminha ao lado com entrevistas exclusivas.


História em cena
Se os teatros amadores de igrejas e clubes que começaram a se agrupar no Grande ABC a partir da década de 1940 forem pensados como sementes, o semeador seria Antonio Chiarelli.

O comerciante de Santo André, diretor do Scasa (Sociedade de Cultura Artística de Santo André - criada em 1953), começou a ser voz ativa do grupo que se reunia no Clube da Rhodia na hora de encenar as comédias de costume tão famosas nos anos 1930.

De lá para o Teatro de Alumínio, que surgiu em 1962, foi um passo. Construído com caixotes que traziam as peças dos carros da Volkswagen da Alemanha para o Brasil, o espaço era forrado com folhas de flandres, herdadas de um circo. De lá, Chiarelli coordenava os espetáculos, fazia a máquina do teatro andar. Nomes como Sônia Guedes e Antonio Petrin passaram por ele.

"Antonio Chiarelli foi o patriarca do teatro na região. Era a figura à frente do Scasa, tomava conta do teatro, dirigia espetáculos. A relação era de amor", conta José Armando Pereira da Silva, jornalista e pesquisador da história do teatro no Grande ABC.

Os anos 1960 começavam, e muitos acontecimentos viriam moldar a identidade do teatro dessa época. Foi nesse período que começaram as organizaçãos dos Festivais de Teatro Amador do Estado de São Paulo, que consolidou grupos como o Regina Pacis (leia abaixo), de São Bernardo e A Turma, de São Caetano.

"Esse momento muda um pouco as características do teatro porque passa a ser visto por gente de fora, o que cria uma certa concorrência e amplia a visão, a globaliza", diz.
Os festivais eram realizados em três etapas. A primeira, por cidade, a segunda, regional e por fim, a estadual. Muitos artistas ganhavam, nesses concursos, bolsa para a EAD (Escola de Artes Dramáticas) de São Paulo. Único local de profissionalização do ator.

Paralelamente, os CPCs (Centros Populares de Cultura), alguns ligados a sindicatos, encenavam o teatro engajado, na tentativa de conscientizar a população a respeito das desigualdades sociais.

Sônia e Petrin formam o grupo dos que voltaram da EAD, lançando a perspectiva da profissionalização do ofício de ator para os que aqui estavam.

Em 1968, o encontro desse grupo de artistas com a teatróloga Heleny Guariba, que havia vivido experiência interessante com o teatro de subúrbio em Lyon, na França, veio acrescentar um degrau à história. Foi formado o GTC (Grupo Teatro da Cidade).

O grupo, coordenado pela teatróloga, tinha como proposta realizar um teatro popular voltado para os operários, ampliando o alcance e trabalhando com subvenções do município. A proposta deu certo, apesar da morte de Heleny em 1971, pelo regime militar. Nesse mesmo ano, o grupo inaugurou o Teatro Municipal de Santo André com o espetáculo Guerra do Cansa-Cavalo, de Osman Lins.

Um pouco antes, em São Caetano, no dia 25 de abril de 1968, foi criada, com esforço de Milton Andrade, a Fundação das Artes, a primeira escola de formação artística da região.

O período era de censura. Peças foram proibidas, artistas foram presos e surgiram
muitas maneiras criativas de fazer teatro para driblar o regime.


Regina Pacis: 48 anos no palco
Propriedade para falar da história teatral no Grande ABC quem tem é o Grupo Cênico Regina Pacis, de São Bernardo, que há 48 anos, ininterruptamente, está no palco.

Criado pelo jornalista, dono de distribuidora de jornais e revistas e amante de esportes Antonino Assumpção, morto há 15 anos, o grupo evoluiu de uma turma da Igreja Matriz de São Bernardo. Os meninos compunham o time dos Marianos. As mulheres (que obrigatoriamente tinham de ser solteiras), eram as Filhas de Maria. Logo se uniram e viraram o Regina Pacis.

O grupo é declarado de utilidade pública e até hoje amador. "A diferença entre o amador e o profissional é que o segundo sobrevive desse ofício. Essa divisão não distingue o nível artístico de quem faz teatro", afirma Hilda Breda, presidente do grupo.

Hilda, aliás, é um capítulo à parte dessa história. Era funcionária da distribuidora de Assumpção - aos 14 anos foi convidada a compor o grupo e, depois, casou-se com ele. Está lá há 42 anos e já viu de tudo acontecer junto com Leude Montibeller e Ana Maria Médici.

Dos ingênuos esquetes da primeira metade do século, logo eles passaram às montagens de repertório mais cabeça. Daí, para a censura.

"Fomos proibidos de montar Liberdade, Liberdade, Quatro no Quarto e A Visita da Velha Senhora, além de termos muitos textos cortados. Uma vez, o Antonino pegou trechos de Liberdade, Liberdade entre outros textos, fez uma coletânea chamada Poemas Imortais e apresentou à censura, que liberou a montagem".

Festivais amadores renderam prêmios e experiência. "Vencemos o 3º Festival do Sesc-SP de 1970, muitos de nós ganhamos o prêmio Governador do Estado", diz Hilda.

Eles somam por volta de 100 montagens e já perderam a conta de quanto atores atuarem pelo grupo. "Hoje somos 15, na média. Nunca todos estão presentes. Cada um tem o seu trabalho paralelo e ensaiamos com quem está disponível".

Atualmente, estão com duas peças no repertório. Eles no Feminino, em cartaz, e a infantil Bate-papo na Feira, em montagem. "Temos nos apresentado, mas não tanto quanto gostaríamos. Fazemos teatro em qualquer espaço".

Soma ao grupo, com sede no bairro Baeta Neves, gente de todas as gerações. Hilda garante que há sempre espaço para mais um, não importa quem seja. "O importante é querer fazer teatro", diz.




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