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Vicentinho:"crise dos trabalhadores pode ser a crise do sistema"
Vicente Paulo da Silva
Especial para o Diário
09/01/1999 | 16:56
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Os trabalhadores e trabalhadoras recebem toda a carga negativa da globalizaçao: desemprego, trabalho informal, previdência social precária, trabalho infantil, prostituiçao de nossos filhos e filhas, trabalho escravo, discriminaçao racial, sexual e a trabalhadores imigrantes. O desemprego no mundo é alto e tende a crescer. A precarizaçao do trabalho na América Latina atinge a cerca de 50% dos trabalhadores e supera a marca de 90% nos casos do Peru e Bolívia. Já se começa a perceber esse fenômeno também nos países desenvolvidos, provocando mudanças no perfil do emprego e, conseqüentemente, exigindo de nós novas formas de organizaçao e açao.  

No Brasil, quando Fernando Henrique Cardoso tomou posse como presidente da República, o desemprego disparou, atingindo atualmente 17%, o que equivale a mais de 12 milhoes de brasileiros e brasileiras. E no Brasil esses trabalhadores nao têm saúde, educaçao, moradia. Ficam reduzidos à pior condiçao humana, a de miseráveis. A reestruturaçao produtiva eliminou mais de 2,4 milhoes de empregos na indústria de transformaçao nos anos 90.  

Apesar de um país com tantos adultos desempregados, inúmeros empresários exploram o trabalho de crianças. Malditos! Em 96 existiam mais de 2 milhoes e 400 mil crianças fora da escola, e aproximadamente 4 milhoes de menores de 14 anos trabalhando.

O Brasil é um país no qual há grande presença de crianças no mercado de trabalho e que se encontram em condiçoes subumanas, ganhando 1/3 do salário dos adultos pela mesma funçao. Em torno de 30% delas enfrentam uma jornada semanal de trabalho superior a 50 horas. E o governo brasileiro reduziu em mais de 15% os recursos para a educaçao nos últimos três anos.  A classe trabalhadora brasileira sofre com as conseqüências das dívidas que o nosso país paga, com o déficit comercial que surgiu junto com a abertura comercial e nao parou de crescer, até chegar a quase US$ 10 bilhoes em 1997. Ao mesmo tempo, chegam notícias de que outros brasileiros sao os maiores investidores em imobiliárias em Miami e os turistas que mais gastam nas lojas em Paris. No ano passado, brasileiros viajando para o exterior gastavam US$ 4,5 bi mais do que os turistas estrangeiros no Brasil. Quem conhece a beleza do nosso país sabe que alguma coisa está fora de ordem.  

Vemos ao mesmo tempo que a situaçao na Africa está tomando proporçoes dramáticas. E a realidade do outro lado do mundo nao é tao maravilhosa como alguns nos queriam fazer acreditar. O que as crises financeiras no México e na Asia têm em comum é o fato de que os trabalhadores pagam a conta. Como diz o economista norte-americano Kapstein: "O mundo pode estar se movendo inexoravelmente para um desses momentos trágicos que levará futuros historiadores a perguntar: por que nao foi feito nada a tempo"?  Como pensamos o mundo daqui a 25 anos, se as previsoes modestas das Naçoes Unidas indicam um crescimento da populaçao dos atuais 6 bilhoes para 8 bilhoes e 500 mil pessoas, quase totalmente concentradas nas regioes mais pobres do nosso planeta?  Devemos nos preparar para a acolhida desse novo contingente humano.  

O movimento sindical tem como compromisso histórico lutar para deixar acesa a chama da solidariedade humana. Ao longo das últimas décadas acumulamos experiências em negociar com as empresas e o Estado. O capitalismo tinha de aceitar de uma forma ou de outra conviver com uma legislaçao trabalhista que, com todas as possíveis falhas, reconheceu a existência de um desequilíbrio de poder na relaçao capital e trabalho. Mas por trás das palavras revoluçao tecnológica e globalizaçao, o capital está rompendo todas as amarras que os trabalhadores conseguiram por meio da legislaçao trabalhista ou diretamente por meio de contratos coletivos.  Globalizaçao e revoluçao tecnológica mudam as regras do jogo e impactam um mundo já caracterizado por profunda desigualdade. O capital, sempre mais livre, enquanto se enfraquece o poder de barganha da classe trabalhadora e se esvaziam os instrumentos de regulamentaçao.  O Brasil, já cheio de contradiçoes, ganhou mais uma: o impacto da globalizaçao faz com que hoje nao sejam mais os trabalhadores a questionar a legislaçao trabalhista, apontando as suas limitaçoes. Hoje, é o governo neoliberal que questiona a rigidez da regulamentaçao do mercado de trabalho. Mas o que significa rigidez em um país como o nosso, no qual um trabalhador pode ser demitido a qualquer hora, sem que a empresa precise apresentar uma justificativa?  Tanto é verdade que o governo brasileiro, pressionado pelas empresas nacionais e internacionais, renunciou aos compromissos contidos na Convençao 158 da OIT, que nao diz outra coisa a nao ser obrigar as empresas a consultar os sindicatos em caso de demissoes em massa. Mas até mesmo essa convençao, que nao garante emprego, já era considerada um incômodo para a livre circulaçao do capital. E sem a livre circulaçao do capital o mundo nao vai ser feliz, assim nos querem fazer acreditar.  A perda de governabilidade dá lugar a uma concentraçao de poder econômico e social. As 200 principais empresas multinacionais, das quais muitas possuem receita anual superior à maioria dos PIBs nacionais, estao criando um novo tipo de totalitarismo, dessa vez de cunho econômico e nao militar, mas nem por isso menos cruel. Assistimos à criaçao de uma dinâmica sobre a qual mesmo países de porte têm pouca influência. Crises financeiras e desemprego em massa sao apresentados como fenômenos naturais ou erros de percurso. Mas quem paga a conta sao invariavelmente os trabalhadores.  A preocupaçao que ora se levanta e que nós já levantávamos há tempo, sobre a necessidade de controle dos fluxos diários do capital especulativo através do globo, é um sinal de que os próprios ideológicos do sistema estao preocupados. O medo é que a crise vivida pelos trabalhadores passe a ser uma crise do sistema. Pode ser feita uma analogia aos efeitos de uma catástrofe ambiental: as conseqüências sao sentidas por todos, independentemente do seu status social. Vicente Paulo da Silva é presidente nacional da CUT e do Inspir (Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial




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