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Diadema vai investir em incentivo e aperfeiçoamento
Mauro Fernando
Do Diário do Grande ABC
10/02/2001 | 16:24
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Professora dos cursos de graduação e de pós-graduação da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), Lisete Regina Gomes Arelaro assumiu a Secretaria de Educação, Cultura, Esportes e Lazer de Diadema pela segunda vez. Não por coincidência, ela exerceu o cargo na primeira gestão (1993-1996) do prefeito José de Filippi.

Para a Diretoria de Cultura, ela convidou Sueli Chan Ferreira, com quem já havia trabalhado na Secretaria de Educação paulistana, durante a gestão de Luíza Erundina.

Uma das preocupações da Secretaria para este mandato é reeditar o projeto que quer levar o cinema para a rua, já que Diadema não possui sala de exibição. “A lua, as estrelas e uma tela”, diz Lisete. A idéia consiste em intercalar filmes escolhidos pela população com títulos propostos pela Secretaria.

Outra questão a ser equacionada pela Secretaria é a que envolve o papel do negro na educação e na cultura. “A Sueli é a primeira diretora de Cultura de Diadema negra”, ressalta a secretária, que neste ano administrará um orçamento de R$ 41,4 milhões (10,5% para a Cultura).

Ainda em fase de aclimatação, a nova equipe da Secretaria prepara uma série de quatro seminários – o primeiro, sobre qual a missão do Departamento de Cultura, foi realizado nesta semana.

Os projetos de formação cultural, de difusão cultural e de construção de acervos e da memória da cidade são os outros temas. O último seminário do ciclo está marcado para abril.

A criação de uma casa que abrigue, em termos históricos, a produção cultural da cidade também está nos planos, assim como o Quarteirão das Artes, na área central. A continuidade da Cia. de Dança de Diadema, criada durante a primeira gestão de Filippi, está garantida.

A Secretaria também pretende ampliar o raio de atuação dos centros culturais. “Para nós, centros culturais são pólos em que você trabalha as diferentes linguagens. Sempre que possível, podemos ter uma atividade integrada do esporte. Eventualmente, até da educação”, declara Lisete. “A cultura é um grande espaço que interrompe o processo de violência”, defende Sueli.

Leia a seguir trechos da entrevista com Lisete e Sueli.

DIÁRIO – O projeto de descentralização cultural permanece?

Lisete Regina Gomes Arelaro – Temos de garantir centros culturais descentralizados nos bairros e aí sim termos alguns locais em que você tem dois níveis de atendimento: de sensibilização, de incentivo a crianças, jovens e adultos a participarem dessas atividades, e, depois, um nível de aprofundamento que pode ser feito nos cursos de aperfeiçoamento das casas especializadas. Casa do Hip Hop, da Música, todas elas serão mantidas, combinando um tipo de atuação generalizado e descentralizado. Quando você monta sua casa especializada, você acaba atraindo somente as pessoas que já são sensíveis àquele setor. Então, é um pouco nessa direção que vamos ter de fazer acertos e acordos. Eventualmente vamos ter de ampliar alguns centros culturais para dar guarida a esse outro nível de exigência que a população vai fazendo. Para nós, centros culturais são pólos em que você trabalha as diferentes linguagens. Sempre que possível, podemos ter uma atividade integrada do esporte. Eventualmente, até da educação. Mas certamente em relação à questão cultural você tem de ter todas as linguagens juntas. É outra visão da política cultural.

Sueli Chan Ferreira – Não dá para descentralizar sem garantir a continuidade desse potencial cultural que as comunidades têm.

Lisete – Uma boa coisa que a administração anterior manteve e incentivou bastante é a Cia. de Dança de Diadema. Quando a gente estreou a companhia, as pessoas achavam não só ousadia, mas estranho, como se fosse uma grande pretenção, uma indevida pretenção, pelo fato de Diadema ser uma cidade de porte médio e ter vários outros problemas. Sueli – Propiciar espaços culturais, e assim o fazer cultural pela comunidade, inibe o processo de violência. Nossa idéia é cada vez mais tirar Diadema das páginas policiais. Nós conhecemos a cidade, sabemos que ela não é só violência. Ela tem potencial. Estamos recuperando uma história de construção de cultura na cidade nos últimos 12 anos. A idéia é colocar Diadema no patamar da cidade que constrói, do ponto de vista social e cultural, uma produção muito rica.

DIÁRIO – Quais os planos com relação a eventos, centros culturais, oficinas e cursos?

Sueli – Optamos por fazer um projeto construído coletivamente em quatro seminários, considerando que Diadema tem um acúmulo de produção cultural. É verdade que já existia um grupo de pessoas que vinha discutindo, refletindo sobre a produção cultural na cidade nestes últimos anos. No início da nossa gestão (esse grupo) se somou a uma série de funcionários da cultura que exercitam cotidianamente essa construção do fazer cultural do ponto de vista administrativo, burocrático, e do fazer cultural propriamente dito. Somando todas essas ações, a nossa intenção é de definir o projeto de cultura da cidade nesses quatro seminários. Estamos mantendo as atividades (programadas desde o ano passado), recolocando as oficinas culturais nos centros culturais, mas são esses seminários que vão definir o novo rumo da cultura nos próximos quatro anos. A idéia é qualificar a ação nos centros culturais, nas casas específicas (da Música, do Hip Hop etc.), uma ação de difusão que dê conta de colocar Diadema no patamar de cidade cultural. A médio prazo, garantir para a cidade um espaço onde possamos guardar a história dela, o acervo. Transformar o centro de memória em espaço que trabalhe essa história da cidade.

Lisete – Temos um projeto, dentro de um programa maior de recuperação do centro da cidade, chamado Quarteirão das Artes. Até julho a gente consegue convencer a iniciativa privada. Tem um custo estimado de R$ 1 milhão. É um projeto simples e avançado em termos de cinema e teatro – não temos nenhum cinema em Diadema – e a possibilidade de transferência da biblioteca central, uma vez que o prédio onde ela está instalada não é próprio. Isso possibilitaria que no Centro Cultural Diadema você pudesse ter exposições permanentes, conforme a vocação arquitetônica do prédio, mas que acabou nunca podendo ser realizada, a não ser num cantinho, por conta da biblioteca que está lá. Diadema é uma cidade cinza. O projeto é muito bonito do ponto de vista estético, tem uma integração com a natureza, prevê jardins, de maneira que as pessoas, ao chegar, possam dizer : ‘Puxa, mas que cidade gostosa’.

DIÁRIO – Algum outro projeto depende da iniciativa privada?

Lisete – Não estamos fechados. Ao contrário. Em geral, os empresários participam pouco da vida da cidade. Mesmo aquelas empresas que acabam tendo maior lucro com a cidade conhecem pouco o papel do Poder Público. A gente quer que eles vejam esses projetos realizados. Temos um projeto de dança que foi aprovado pelo Ministério da Cultura nos termos da Lei Rouanet. Portanto, agora vamos atrás dos empresários. Talvez isso gere duas coisas que a gente deseja: que olhem um pouco para a cidade de outra maneira e para ver porque um projeto desses foi considerado importante para a cidade.

DIÁRIO – Como é esse projeto, especificamente?

Lisete – Envolve um maior número de espetáculos realizados na cidade.

DIÁRIO – Sobre a agenda da cidade, o que já está definido?

Lisete – Já tivemos a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes. O próximo evento será o Carnaval.

Sueli – Uma das atividades que realizaremos em março será voltada para a questão da mulher, em função do 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

DIÁRIO – A maioria dos municípios do Grande ABC é administrada pelo Partido dos Trabalhadores. Está previsto algum tipo de interação com as outras secretarias de Cultura da região, até mesmo com as que não são geridas pelo PT, e com a da cidade de São Paulo, como pretende o secretário de Santo André, Acylino Bellisomi?

Lisete – Independente da questão partidária, temos uma proposta de criar o que chamamos de Corredor Cultural, envolvendo os sete municípios. Na verdade, oito, a partir de São Paulo, e que termine com Rio Grande da Serra, que talvez não contribua com nada, mas que nunca tem a chance de poder levar um espetáculo pelo fato de não dispor de recursos para pagar. Então, achamos que poderemos ter uma ação combinada, que facilita várias coisas. Por exemplo: quando você contrata um artista e garante a ele sete ou oito apresentações, o preço, evidentemente, passa a ficar mais barato para todos nós. Com o Marco Aurélio (Garcia, secretário de Cultura de São Paulo), já estamos marcando na semana que vem para conversarmos. Aqui, em princípio, não estamos vendo problemas nem com São Bernardo e nem com São Caetano. Acho que dará certo, pois viabilizará uma programação mais rica, mais variada e, evidentemente, com um preço mais acessível para todos os municípios. Acho que vai dar samba, rock etc.

Sueli – É importante essa integração, o investimento coletivo.

DIÁRIO – Como pode se dar a participação da população na gestão?

Sueli – Esse processo dos seminários é o start na relação com a participação democrática ampla. Neste primeiro momento estamos discutindo com os trabalhadores da cultura, mas em breve o processo se estenderá por meio da participação da população no fazer cultural. Independente da nossa prática, a população de Diadema tem essa formação. Ela estabelece uma relação muito interessante com os governos, de igual para igual. A participação popular em Diadema é uma marca e até um pouco diferente dos outros municípios.

Lisete – Por exemplo: a Fafá de Belém só veio por escolha da região Sul da cidade. Não foi exatamente uma definição da nossa parte. Claro que não dá para ser só assim, porque a vida é mais complexa.

DIÁRIO – O Teatro-Escola Plínio Marcos foi inaugurado sem camarins.

Sueli – Não há camarins, sistema de iluminação, de refrigeração. Existe meio teatro. Não tem condições de funcionamento. Além disso, a construção do equipamento foi tão acelerada que na semana seguinte à inauguração a rampa de acesso ao teatro tinha desmoronado.

Lisete – Está em análise pelo Secretário de Obras (Oswaldo Misso).

DIÁRIO – Seu nome, secretária, também esteve cotado para as secretarias de Cultura de São Paulo e de Campinas. Por que Diadema?

Lisete – Foi irresistível. O prefeito estabeleceu com muita clareza que educação, cultura, esportes e lazer seriam prioridade de governo. Você precisa de no mínimo seis anos para dizer que uma atividade foi semeada na cidade. Portanto, consolidar um projeto que tem a ousadia de unir educação, cultura, esportes e lazer – em São Paulo e em Campinas não tem isso – me fez decidir por Diadema. Além disso, trata-se de uma cidade com muita participação popular, o que acaba sendo irresistível para qualquer dirigente público. Você tem uma resposta sempre muito direta da população. É estimulante.

Sueli – Esse potencial de participação da população precisa ser destacado, essa qualidade da cidade. Porque mortinho não fala, vira número na estatística da criminalidade, da violência. Gente viva e que faz arte, que faz cultura, que faz cidadania de fato é que fala e que mostra a cidade, transforma a cidade numa cidade viva. Do prefeito ao servente, do empresário que nasceu na cidade até o motorista de ônibus, o varredor de rua contribuem para essa história de participação popular, da construção da cidadania.

DIÁRIO – O que é, na opinião das senhoras, cultura?

Sueli – É o acúmulo histórico da produção essencial do ser humano. Do ponto de vista do poder público, é a construção da cidadania de uma forma articulada entre os vários sujeitos da cidade. É, de fato, o acúmulo da história da humanidade nas suas várias manifestações. Lisete – É conhecer aquilo que já foi produzido pela humanidade em termos de ciência, de tecnologia, de arte, de literatura e saber que você contribui, que você muda, que você altera, que você enriquece.




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