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Retomada da economia depende dos EUA, diz economista
Antonio Rogério Cazzali
Do Diário do Grande ABC
23/02/2002 | 18:01
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  A retomada da economia mundial depende de sinais favoráveis na economia norte-americana, o que deverá ocorrer dentro dos próximos meses. A estimativa é do coordenador do curso de Graduação em Economia da FEA/USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo), Manuel Enriquez Garcia. Em entrevista concedida ao Diário, Garcia explicou aspectos da economia globalizada, suas vantagens e riscos. Segundo ele, o sistema é uma necessidade dos tempos modernos e pode trazer desenvolvimento aos países, desde que estes estimulem a exportação de seus produtos e serviços, com o fortalecimento das empresas quanto à competitividade e qualidade.

Garcia alertou que dentro de um contexto globalizado, as exportações reduzidas poderão trazer sérios problemas aos países que não aceitarem esta sistemática inevitável de participação conjunta. Analisando outros países, o professor enumerou ainda alguns pontos que contribuíram para a estagnação nos últimos anos da economia alemã, que, a partir de 1989, teve de arcar com o saldo negativo do lado oriental.

Garcia disse ainda que o Japão, por sua vez, teve de injetar dinheiro em seus bancos para que estes não quebrassem nos últimos anos, abalados por negócios em países em crise como Malásia, Indonésia e Filipinas. O professor criticou também a precariedade da economia cubana, a crise argentina, e destacou ainda detalhes sobre a dependência dos países da América do Sul das outras economias mais estáveis. Além disso, ele elencou pontos que deverão ser seguidos pelo próximo presidente do Brasil para que a economia nacional se fortaleça e ganhe maior projeção no cenário mundial.

DIÁRIO – O que o sr. tem a dizer sobre a crise na economia globalizada?
MANUEL ENRIQUEZ GARCIA – Vivemos uma crise mundial na economia porque a economia dos Estados Unidos está em crise. O país cresceu pouco no ano passado. E, se ele cresce pouco, as principais economias européias também crescem na mesma proporção e o impacto atinge todo o resto do mundo. Na gestão do Bill Clinton, os Estados Unidos tiveram avanços significativos. Porém, já no último ano de sua gestão a economia norte-americana se portou mais tímida. Apesar disso, tudo indica que ela comece a dar sinais de retomada nos próximos meses. Alguns até arriscam que isto ocorrerá em agosto ou setembro.

DIÁRIO – Mas a quebra da gigante do ramo energético norte-americano, a Enron, não dá mostras de que a tendência é que a situação fique pior ainda nos Estados Unidos e, conseqüentemente, no mundo ?
GARCIA – Não, embora a Enron seja uma empresa enorme, ela não sintetiza a real situação da economia norte-americana. Se, como dizem, a falência dessa empresa já era sinalizada na década de 70, das duas uma: ou os auditores não conseguiram detectá-la ou seus dirigentes conseguiram mascarar bem a situação. Mas, voltando à pergunta, a economia norte-americana é mais do que isso. Os sinais fortes de que a retomada está próxima são: inflação sob controle, petróleo com o preço equilibrado (preço do barril abaixo dos US$ 22) e baixa dos juros, o que deverá estimular o consumo.

DIÁRIO – Por que vivemos esta crise na economia mundial?
GARCIA – Isso faz parte do capitalismo. É cíclico. Há os períodos de prosperidade e aqueles mais problemáticos.

DIÁRIO – Qual é o termômetro da economia norte-americana?
GARCIA – Como em qualquer economia, é o consumo. Se as pessoas compram menos, as empresas produzem menos e daí vem a queda da economia, o desemprego, e o impacto é sentido por outros países. Por outro lado, quando a população começa a consumir mais, há mais produção, exportações, importações, empregos etc. A expectativa é de que nos próximos meses, com o aquecimento da economia norte-americana, as outras nações também sintam esse crescimento.

DIÁRIO – Na economia globalizada, essa dianteira na retomada da economia mundial não poderia vir, por exemplo, da Europa?
GARCIA – Não. É impossível tirar os Estados Unidos do centro das atenções quando o assunto é economia mundial. Um país responsável por 25% ou 30% do Produto Interno Bruto (PIB) de todo o mundo, não pode ficar como coadjuvante. A economia européia aguarda ansiosa esta retomada norte-americana para também dirigir suas ações.

DIÁRIO – O que o sr. pensa sobre a Alemanha? Ela é a responsável pelo enfraquecimento do Euro?
GARCIA – A Alemanha é o “coração” da economia européia, mas ela não vem bem. O país cresceu somente 0,6% no ano passado e a expectativa é de este número suba para 0,75% no encerramento deste ano. Uma estimativa baixa para uma nação acostumada a crescer pelo menos 2% ao ano. É claro que uma retomada norte-americana ajudará a Alemanha, que contribuirá para o crescimento de toda a Europa. A Alemanha vive esta situação porque incorporou a Alemanha Oriental, socialista, que estava paupérrima. Então, o lado ocidental teve de refrear seu crescimento para que todos os alemães tivessem o mesmo padrão de vida dos que viviam do lado capitalista. Dentro deste contexto, o euro sofreu (e sofre) forte influência do marco alemão. Outros pontos que demonstram a situação enfraquecida da Alemanha nos últimos anos é seu déficit fiscal e o desemprego. Na Alemanha, a população é de 82 milhões de habitantes e o índice do desemprego (dados de dezembro de 2001) é de 9,6% da população economicamente ativa, ou seja, quase 4 milhões de desempregados.

DIÁRIO – E a economia do Japão, como vai?
GARCIA – Na economia mundial, o Japão não apresenta crescimento significativo há uns 8 ou 9 anos. Porém, o problema do Japão é que o país teve problemas no setor bancário nos últimos anos. Os bancos japoneses emprestaram capital para a Coréia, Malásia, Filipinas, Indonésia etc, e, como estes países quebraram, o Japão teve de injetar dinheiro internamente para que seus bancos não quebrassem. Ação que evitou realmente que eles quebrassem. Entretanto, isso comprometeu seu crescimento.

DIÁRIO – A economia globalizada é sinal de maturidade ou existiriam outros modelos mais viáveis para a economia no mundo ?
GARCIA – A globalização da economia é importantíssima, porque, por exemplo, nos permite comprar um produto de um país A, que contém partes feitas nos países B, C, D etc. A economia dos países gira. Este modelo está sintonizado com nosso tempo. Ele, se bem dirigido, estimula o crescimento. Agora, a economia globalizada pode ser problemática se o país não exportar seus produtos e serviços. Os países devem se esforçar, dentro da globalização, para exportar seus produtos. Deve haver o estímulo para que as empresas de um país sejam competitivas lá fora. Vejamos o exemplo da China. Ela exporta camisas, um setor no qual é muito forte. Suas camisas têm um custo de produção de US$ 1,5. Então, esse produto chega com preço bom nos outros países e o consumo se efetiva, derrubando os concorrentes internos e outros de países que disputam o mercado. Agora, o Brasil, que precisa estimular sobremaneira suas exportações, já se destaca em alguns campos. A siderurgia brasileira é altamente competitiva lá fora. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), depois de privatizada, se expandiu muito. O setor de alumínio no Brasil também exporta bem. A Petrobrás é outro exemplo de sucesso na exportação.

DIÁRIO – Numa hipótese, talvez absurda, um país quebrado como a Argentina não poderia fechar todas as suas fronteiras e fazer algo semelhante ao que fez Cuba, numa tentativa de acertar as coisas internamente?
GARCIA – Isso seria um absurdo. Uma loucura. A pobreza em Cuba é muito grande. A miséria é total. Há prédios, por exemplo, cujas paredes não são pintadas há 50 anos. Se houvesse uma maneira mais fácil de deixar Cuba, a população iria embora. Não dá para se levar em conta a “economia” de um país que paga por mês a um médico, a um advogado, a um engenheiro, US$ 40. Trabalhadores menos especializados recebem cerca de US$ 15/mês. Aquilo não é modelo. É o fim de algo que nunca existiu. Apesar desse quadro caótico, não posso deixar de destacar que eles conseguem fazer coisas fabulosas nas áreas da saúde, da educação. Mas a economia de um país é algo mais abrangente.




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