Economia Titulo
Caldeiraria Sao Caetano marcou desenvolvimento da cidade
Walter Wiegratz
Da Redaçao
03/07/1999 | 18:41
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Sukadolnik, esse complicado nome de origem austríaca, começou a ecoar no Brasil por volta de 1900, quando uma família de tradiçao na área de curtume chegou ao país e foi trabalhar nas lavouras de café, na regiao de Mococa, no interior do Estado. Coincidentemente, a fazenda onde a família se instalou tinha um curtume, que passou a ser administrado por Joao Sukadolnik.

Pedro Sukadolnik era o caçula da segunda geraçao de nove filhos homens do seu Joao. Fundador da Caldeiraria Sao Caetano, que leva o nome da cidade que a viu nascer, Pedro tem 78 anos de vida e uma árdua trajetória que marcou a ferro fundido e a suor de vapor o crescimento da regiao. Atualmente, ele refugia-se na cidade interiorana de Mococa, onde o ritmo pacato e bem menos virulento que o do Grande ABC lhe permite curtir a velhice de maneira prazerosa.

Em uma das poucas vindas a Sao Caetano, há cerca de dez dias, ele recebeu o Diário para uma conversa na sede da empresa. Ao seu lado, estava o filho José Ricardo, trazendo à tona as recordaçoes que teimavam em fugir da memória do pai.

"Já nao me lembro das coisas com vivacidade, e também perdi boa parte da audiçao devido ao barulho intenso da caldeiraria", reclama.

Infância - Em uma ou outra lembrança entrecortada da infância do menino que tinha a nobre funçao de retirar o leite das vacas todas as manhas, levando-o ainda quente para as mesas da fazenda, seu Pedro recorda as vezes que roubou os fuzis dos atentos soldados que militavam na Revoluçao de 1932. "Mococa fica próxima à divisa de Sao Paulo com Minas Gerais, e as tropas de ambos os lados estavam em constante movimentaçao na regiao. Um dia daqueles eu resolvi pegar uns fuzis dos soldados e levei quatro para casa. Quando cheguei lá, meu pai me mandou levar tudo de volta. Foi uma situaçao muito engraçada devolvê-los para os soldados", conta seu Pedro, aos risos. "Seria bom voltar àqueles tempos, inclusive na idade."

Naqueles anos, o jovem Pedro já ensaiava em uma escola profissionalizante de Mococa os primeiros passos daquela que seria a sua profissao de quase toda a vida, a do artífice de caldeiraria. Por volta de 1936, ele deixa a regiao de Mococa e vem estudar na capital. Um dos colegas de entao é o publicitário Alex Periscinoto. Nos anos 40, Pedro Sukadolnik trabalhou na área de caldeiraria da Cyclop e da Metalúrgica Matarazzo, enquanto o pai trabalhava em um curtume no bairro paulistano do Jaçana. Em 1941, ele casava-se com Aleida, com quem teve dois filhos: José Ricardo e Marcos Antônio.

Em 1943, ainda na Cyclop, Sukadolnik foi incumbido da missao de montar equipamentos em uma fábrica de alumínio, na cidade de Saramenha, em Minas Gerais, onde ficou por cerca de três anos. De lá ele foi para o Rio de Janeiro, trabalhar em uma fábrica de vagoes.

De empregado a dono de caldeiraria - Em 1946, estava de volta a Sao Caetano. Dois anos depois, na rua Rio Grande do Sul, comprava a primeira máquina de solda. A sua caldeiraria estava no embriao. O ingresso no ramo como empresário se deu por sugestao de um amigo. Afinal, os serviços do seu Sukadolnik eram conhecidos e recomendados por muitas empresas pelo Estado afora. "A caldeiraria é um ramo que funciona como se fosse a mae das demais indústrias, uma vez que faz todo tipo de máquina que irá ocupá-las", explica Pedro Sukadolnik. A empreitada era oportuna, porque o Brasil de entao carecia de indústrias que pudessem auxiliar as demais a empreender o seu processo produtivo. "Eu era moleque ainda, mas tinha a lembrança de como o trabalho do meu pai era sofrido - faltava de tudo, era muito precário. Ele tinha de cuidar da parte financeira, contábil e administrativa", recorda o filho José Ricardo.

Bem-humorado, o filho do seu Pedro lembra também do apelido do pai, que era chamado pelos funcionários de Minhoca. "Eles o apelidaram dessa forma por causa de uma calça marrom que ele usava com freqüência. Nos dias em que ele resolvia ficar na fábrica para acompanhar a produçao, os funcionários falavam: "Hoje temos de trabalhar pesado porque o Minhoca está na empresa".

Em 1951, Sukadolnik construía a caldeira que iria equipar a fábrica de fósforos Fiat Lux, em Piraí do Sul, no interior do Estado. Na verdade, a referida caldeira só saiu do papel na empresa porque o engenheiro inglês que tocava a construçao da fábrica teve de voltar para a Europa, deixando nas maos do seu Pedro a tarefa de levantar a parafernália. "Ao voltar, o engenheiro mostrou-se surpreso com a qualidade do serviço, admitindo que nao sairia tao perfeito se ficasse sob sua responsabilidade. Tratava-se de um trabalho de responsabilidade, mas fico satisfeito em saber que a caldeira que o meu pai fez há tanto tempo funciona até hoje com perfeiçao", comenta o filho.

Negócio em franca expansao - A Caldeiraria Sao Caetano Ltda. passaria a ser uma sociedade anônima nos idos de 1950, quando Sukadolnik vendeu 40% da empresa para o grupo da Açucareira Corona. A parceria fez o negócio deslanchar, uma vez que foram surgindo negócios de porte, como a imunizaçao de madeira para a rede ferroviária e a fabricaçao de vagoes tanques para a Fepasa e a RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.). Foi nessa época que a caldeiraria mudou de endereço, passando a um terreno próprio na rua Piratininga, também em Sao Caetano.

Nesse meio tempo, Sukadolnik fez equipamentos para a Agroquímica Braido, do amigo Walter Braido. Aliás, foi por sugestao do pai de Walter, o seu Joao Nicolau Braido, que Sukadolnik partiu para a empreitada de fabricaçao de cola industrial (para madeira) e gelatina comestível, que utilizava a matéria-prima (raspa de couro) de um curtume que ficava na cidade de Mococa, no interior paulista. O parceiro de mais essa empreitada era Gabriel Mayer.

Como o negócio se mostrava promissor e demandava recursos de que Sukadolnik e o sócio nao dispunham, eles acabaram por ceder ao assédio da companhia alema DGF, que adquiriu 70% da empresa. Na época, a empresa se chamava Fábrica de Cola Santo Antônio. Hoje, é conhecida no mercado como Sargel. "Meu pai se mostrou muito hábil em cuidar dessa verdadeira encrenca que era tocar três negócios distintos ao mesmo tempo", comenta o filho José Ricardo, reconhecendo ser o curtume e a fábrica de gelatina os "negócios do coraçao" do pai.

Difícil despedida de Sao Caetano - Com um claro pesar nas palavras, Sukadolnik conta que há cerca de 23 anos recebeu uma proposta irrecusável para que a caldeiraria abandonasse o Grande ABC rumo à cidade de Mococa. "Os incentivos fiscais foram tentadores e nao pudemos resistir. Fomos uma das primeiras empresas da regiao a nos beneficiar das benesses oferecidas no interior", conta o filho. O sindicalismo voltado para a emergente indústria automobilística que nos anos 70 fazia escola pelo seu caráter contestador e de pressao foi um dos outros motivos que provocaram a debandada da caldeiraria.

Para Mococa, a Caldeiraria Sao Caetano levou o nome, nada mais, instalando-se em uma área doada de 150 mil m², com 24 mil m² de área construída, enquanto o terreno de 2,5 mil m² em Sao Caetano era alugado. Por aqui ficaram somente as áreas financeira, comercial e de engenharia de projetos da empresa, o cérebro do negócio.

Perguntado se a eclosao da indústria automobilística no Grande ABC impulsionou o seu ramo de atuaçao, Sukadolnik surpreende com sua franqueza. "Nao ajudou nao, pelo contrário. Fui prejudicado porque as montadoras acabaram levando muitos dos meus melhores funcionários. Ficou mais difícil arrumar bons caldeireiros", conta o velho Sukadolnik.

O seu Pedro disse que já enfrentou muitas crises ao longo de sua vida de empreendedor. "Eu sempre caminhava na contramao das crises, sempre lutei e nunca pensei em desistir." Para os dias atuais, ele afirma que o maior desafio de todo e qualquer empresário é a árdua carga tributária a que o governo submete as empresas e a produçao. "O empresário de hoje sofre para se manter de pé." Sukadolnik afirma que ainda hoje o grande ABC é uma regiao de muitas oportunidades, mas, ao mesmo tempo, difícil para ganhar dinheiro. "Desde a minha época, e ainda hoje, qualquer pessoa que queira abrir um negócio novo tem logo uns quatro ou cinco para segui-lo como se fosse um foguete. Esse é o maior desafio e a maior qualidade do Grande ABC."




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