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Deixa eu dizer
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
05/04/2011 | 07:37
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Divulgação


"Deixa, deixa, deixa, eu dizer o que penso desta vida, preciso demais desabafar...". Os versos que a maior parte do Brasil conhece através da música Desabafo, de Marcelo D2, cadenciam muito mais do que o desejo de expressar-se contra as agruras do mundo.

Para Cláudya Oliveira, intérprete da canção original, "Deixa Eu Dizer" (Ivan Lins/Ronaldo Monteiro de Souza), eles representam a oportunidade de voltar à tona e contar tudo que foi relegado com o passar do tempo. "Essa canção foi a forma de eu voltar para a nova geração, a que ouviu falar na cantora Cláudya en passant", conta a artista, que soma 44 anos de carreira, quase duas dezenas de discos e alguns sucessos que ficaram colados aos anos 1970.

Para Cláudya, não é sem sentido que a canção, parte de disco homônimo de 1973, ressurja agora. "A gente precisa desabafar tanta coisa, esse vazio cultural que estamos sofrendo. Essa música surgiu por conta da repressão do regime militar, mas serve para tanta coisa, desde relacionamento afetivo mal resolvido à crítica social. Essa música será sempre moderna."

A voz de ouro de Cláudya surgiu em período-chave da música brasileira. Eram meados de 1960, a bossa nova já tinha posto fim ao samba-canção e, como movimento, já não tinha voz para competir com o que viria a se chamar MPB, a mescla de um punhado de ritmos, timbres e gêneros, todos abrigados em uma mesma denominação.

"Fui uma das primeiras cantoras a virar a página da música moderna brasileira. Tinha um felling que vinha do jazz. Quando gravei "Jesus Cristo" (disco que tinha o hit homônimo de Roberto e Eramos Carlos), me inspirei na Aretha Franklin, tanto na voz quanto nos arranjos, senti que o trabalho poderia ter um boom maior com essa pegada", diz Cláudya.

FORA DA MÍDIA
Elis Regina, que na mesma época era a principal representante deste novo gênero musical, teve um entrevero com Cláudya. Caso que, segundo a última intérprete, teve mais efeito em sua vida do que na carreira da gaúcha morta em 1982.

"Eu tinha 17 anos, era recém-surgida como cantora. O Ronaldo Boscolli me convidou para fazer um show que se chamava "Quem Tem Medo de Elis Regina?" Meu pai e eu não aceitamos, mas a história foi parar no ouvido de Elis, que apresentava "O Fino da Bossa", na Record. Um dia, em que eu era convidada do programa, ela me perguntou na frente de todo mundo, ao vivo, se eu tinha medo dela. Não sabia o que fazer, mas respondi e cantei. Fui vaiada por todo mundo durante cinco minutos."

A partir daí, a carreira da jovem garota, que era anunciada como promessa de maior cantora do País, sofreu um revés. "A imprensa inteira comprou uma briga que nunca existiu, me chamou de aproveitadora. As portas do Brasil inteiro se fecharam para mim. Fui banida do meio musical e tive de morar no Japão durante seis meses para deixar a poeira baixar."

É clássica a história que conta que o motivo da briga teria sido porque a jovem cantora empurrou Elis em um fosso durante as gravações do programa. O caso, segundo Cláudya, não aconteceu. "Essa história é um absurdo. Quem leu o livro da Elis, acha que foi isso que ocorreu, mas não ficou sabendo que é algo que não passa de invenção, que denigre minha imagem, tanto a de ser humano quanto a de profissional. Às vezes a gente sofre pelo nosso talento. A Elis tinha que ser o máximo sempre."

Fato é que Cláudya passou muito tempo longe. Entre trabalhos em pequenas gravadoras, alguns sucessos nos festivais de música dos anos 1970 e a explosão como a intérprete de "EvitaF, no musical sobre a líder política argentina lançado em 1983, ficou cada dia mais distante da imagem com a qual foi lançado no início da carreira.

MINHA VOZ
Hoje, a intérprete conta que a sua voz está no melhor momento. "Eu tive o privilégio de ter a voz que tenho, mas passei muito tempo tentando aprimorá-la, estudando a melhor forma de colocá-la na sonoridade do nosso idioma. O português é uma língua difícil para cantar, fecha na garganta. Passei anos em casa tentando adequar a voz à fonética brasileira, à sonoridade do nosso País. Hoje, o complemento é a emoção, que corre solta ao lado da técnica. Agora, o exercício de cantar é puro prazer, sem esquecer o coração. A técnica já está fotografada na memória há anos."

RETORNO
Para os próximos meses, Cláudya trará novo trabalho, disco em que cantará canções menos conhecidas de Caetano Veloso. "Ele é uma pessoa que tem grande brilho na mídia, além de ser um grande pensador do seu tempo. É muito importante para voltar com um grande assunto, gancho e repercussão."

O CD será gravado pela Joia Moderna, gravadora recém-lançada do DJ Zé Pedro, que promete o resgate de grandes nomes, principalmente femininos, da música brasileira. Entra no repertório "Menino Deus", "As Várias Pontas de Uma Estrela" e "Senhor do Tempo", entre outras.




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