Especialistas do Observatório de Paris pedem desesperados à imprensa, que "faça alguma coisa". Eles explicam que estao sendo metralhados por ``ligaçoes telefônicas perguntando sobre o verdadeiro início do Terceiro Milênio'. ``Por favor, expliquem que isso acontece dentro de um ano', insistiram.

Qualquer criança capaz de contar até dez sabe que a enumeraçao das cifras de uma dezena nao começa no ``zero' e sim no ``um'. Consequentemente, o ano 2000 será o último dos anos 90, que nao começaram em 1990 e sim em 1991.

``Tudo isso nao tem nada a ver', argumenta, por outro lado, um matemático, alegando que ``o início de um caminho começa no quilômetro zero, e, da mesma maneira, acontece com a origem do tempo, que é t = 0. O primeiro ano de uma Era é, portanto, o Ano Zero. Do contrário, se passaria diretamente do ano -1 para o ano 1, o que implicaria uma descontinuidade no tempo.

Esta colocaçao é pertinente exceto pelo fato de que o Ano Zero jamais figurou em nosso calendário. Em 532 a Igreja decidiu contar os anos a partir de 1º de janeiro, em seguida ao nascimento de Jesus Cristo. Em 440 se decidiu que a data de nascimento de Cristo seria 25 de dezembro do calendário romano. De maneira que o ano 754 do calendário juliano (o velho calendário romano reformado por Júlio César) se converteu, retrospectivamente, no ano 1 do novo calendário.

Ninguém estabeleceu jamais com certeza a data do suposto nascimento do personagem que é venerado como o filho de Deus pelos cristaos. Alguns acham que foram alguns anos antes, e outros alguns anos depois. Alguns astrônomos, inclusive, tentaram determinar essa data calculando a passagem da ``estrela dos Reis Magos'.

Alguns acham que a estrela em questao seria um cometa, talvez o Halley, que passa perto da Terra a cada 76 anos. Outros defendem a teoria de um fenômeno mais complicado: uma conjunçao de Júpiter e Saturno, tendo como fundo a constelaçao de Peixes, fenômeno que ocorre a cada 800 anos.

Mas deixando de lado este tipo de especulaçao, o certo é que o calendário juliano tinha um desajuste crescente em relaçao ao tempo ``real'. Por isso, em 1582, o Papa Gregório XIII decidiu reformá-lo. O calendário gregoriano apagou dez dias, passando de 4 para 15 de outubro.

Sua adoçao nao se generalizou de repente ou sem dificuldades. Os países protestantes demoraram em adotar o novo calendário. Em 1752, na Inglaterra, a decisao causou distúrbios, já que o povo achou que o tempo lhes havia sido roubado. Na ex-URSS, onde a tradiçao ortodoxa persistiu, apesar do regime comunista, o calendário só foi adotado em 1923, o que fez com que a Revoluçao de Outubro de 1917 tivesse acontecido em novembro nos novos calendários.

E a tudo isso deve ser acrescido os outros calendários de outros povos e outras religioes. Se o mundo tivesse adotado o calendário chinês, o ano 2000 corresponderia a 4697, enquanto que o calendário judeu nos situa em 5761 e o calendário muçulmano em 1420.

Historicamente arbitrário, matematicamente errôneo, 1º de janeiro do ano 2000 é apenas um limiar simbólico.