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Casarao de 189 anos é restaurado em Iperó (SP)
Do Diário do Grande ABC
05/02/2000 | 16:18
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Um ano depois que as obras de restauraçao tiveram início, está pronta para ser reutilizada a antiga Casa da Administraçao da Real Fábrica de Ferro, construída em 1811, na Fazenda Ipanema, em Iperó (SP).

Funcionários da empreiteira contratada pela Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) terminaram esta semana a pintura do prédio e cuidam, agora, do paisagismo externo. A reforma, praticamente uma reconstruçao, pois o casarao de 189 anos estava em ruínas, custou R$ 1,2 milhao, mas deu ao prédio mais um século de existência, segundo o mestre-de-obras Ricardo Fernando de Souza. "Se for bem cuidado, dura até mais."

A empresa bancou R$ 750 mil, a título de compensaçao ambiental pela passagem do gasoduto nas terras da fazenda, que pertence ao Ibama desde que a área toda foi transformada na Floresta Nacional de Ipanema (Flona), em 1992. O Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) investiu os R$ 450 mil restantes. "Foi um custo pequeno, se comparado ao valor arquitetônico e, principalmente, histórico desse monumento", afirma a administradora da Flona, Ofélia Gil Willmersdorff.

O casarao vai abrigar um museu virtual sobre a história da siderurgia, a ser patrocinado pela empresa Cosipa, um museu ambiental e de mineralogia, e um museu histórico. O pátio atijolado dos fundos será convertido em teatro de arena.

As salas do torreao - a parte assobradada do edifício - serao decoradas com móveis de época. Segundo a administradora, a mobília original, usada pela família imperial nos períodos em que se hospedou na fazenda, está no museu de Petrópolis, no Rio. Faz parte do acervo uma sala de banho completa, trazida pelo Conde d'Eu da França para o imperador. Como a direçao do museu nao concordou em ceder esses móveis, serao feitas réplicas, segundo Ofélia. O casarao restaurado deve incrementar o turismo na fazenda, que recebeu em média 150 visitantes por dia, no ano passado. A principal atraçao é o conjunto arquitetônico remanescente da primeira siderúrgica brasileira.

Sao prédios como o Fábrica de Armas Brancas, que funcionou de 1811 a 1895, produzindo canhoes e armamentos usados na Guerra do Paraguai, a Casa da Guarda e a Oficina de Refino, e fornos, como as fornalhas tipo colméia e os alto-fornos de Mursa. Para o funcionamento da fábrica, o engenheiro sueco Carl Gustav Hedberg barrou as águas do Rio Ipanema, construindo a primeira represa brasileira.

A presença de técnicos austríacos, suecos e alemaes levou à construçao do primeiro cemitério protestante do país, do qual restam o pórtico e dezenas de lápides. No sopé do Morro de Araçoiaba podem ser vistas as ruínas dos fornos rudimentares construídos por Afonso Sardinha no século 16, nas primeiras tentativas de fundir o ferro em solo americano.

Quase todo o conjunto arquitetônico precisa ser restaurado, segundo Ofélia. "Temos um plano de restauraçao, em parceria com os Ministério do Meio Ambiente e da Cultura, o governo do Estado e empresas." O projeto deverá ser anunciado este mês pelo ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, em visita que fará à fazenda.

Além da parte histórica, o local conta com trilhas, lago para pesca e centros de convivência e lazer. O Ibama desenvolve estudos e projetos de recuperaçao da fauna e flora, com a reproduçao, em viveiros, de árvores nativas da regiao.

Trajetória - Quando as paredes de taipa e o telhado da Casa da Administraçao ruíram, em 1998, quase dois séculos de história pareciam perdidos. O casarao, de 1.330 metros quadrados, edificado pelo engenheiro Hedberg por encomenda de D. Joao VI, foi berço de Francisco Adolfo de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro. Em quatro ocasioes, a partir de 1846, abrigou o imperador D. Pedro II e sua família.

Sua arquitetura, em estilo colonial, com influências européias, era ao mesmo tempo opulenta e despojada. O torreao, edificado às pressas para hospedar o jovem monarca D. Pedro II, ganhou requintes de luxo na escadaria de peroba trabalhada, no forro e na mobília.

O principal desafio, segundo o mestre-de-obras Ricardo Fernando de Souza, foi aproveitar ao máximo os materiais originais, sem comprometer a solidez do edifício. "A estrutura do prédio, assentado sobre alicerces de pedras com argamassa, estava comprometida."

As paredes internas, de pau-a-pique, tiveram de ser trabalhadas centímetro a centímetro. "Extraímos as partes deterioradas desse material e recobrimos a trama de varas, de argila misturada ao estrume de gado, com uma argamassa consistente, feita com terra de barrancos da própria fazenda."

Cerca de 60% do madeiramento do telhado, forro, assoalho e janelas foram reaproveitados. Todo o material foi submetido a tratamento contra o cupim. "Onde houve necessidade de troca ou enxerto, usamos madeira da mesma espécie", explica Souza.

Um dos trabalhos mais delicados foi a recomposiçao dos alicerces, no subsolo do prédio. Os muros de arrimo foram construídos sobre uma grande laje de pedra e havia infiltraçoes. "Tivemos de escorar a estrutura do prédio para fazer o reforço dessas bases." Grande parte das telhas foi reaproveitada, após lavadas com jato e tratadas contra infiltraçao.

Um dos trabalhos mais minuciosos foi descobrir as cores originais do prédio. "Removemos seis ou sete camadas de tintas, até chegarmos às originais." Mesmo com todas essas intervençoes o casarao manteve inalteradas as características arquitetônicas e a originalidade. "Se fosse uma pessoa, diria que passou por tratamento de beleza e rejuvenescimento."




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