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Com personagens loucos, 'Os Idiotas' critica a sociedade
Do Diário do Grande ABC
17/06/1999 | 14:35
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Bess, a sublime personagem de Emily Watson na obra-prima de Lars Von Trier, era considerada uma louquinha mansa pela comunidade de Ondas do Destino. O diretor buscava suas referências no mestre da cinematografia dinamarquesa, Carl Theodor Dreyer, para contar a história de amor e redençao de uma mulher que se apaixona por um homem estranho ao mundo conservador em que ela vive. Bess tenta atingir a elevaçao espiritual por meio da degradaçao física. Ela talvez esteja na origem do novo filme de Von Trier, Os Idiotas, que estréia nesta sexta-feira. Os personagens, desta vez, nao sao louquinhos, mas quase. Comportam-se como idiotas como forma de desafiar os códigos da sociedade estabelecida.

Trata-se de uma provocaçao de Von Trier, tanto maior porque a idiotice de seus personagens é revelada pelo olhar de uma estranha ao grupo. Novamente a idéia do forasteiro. Crueldade: a mulher usada e abusada pelos idiotas de mentira talvez seja uma idiota de verdade. É o que faz de Os Idiotas uma experiência quase insuportável. Mas você precisa ver este filme. Com sua obra precedente, Von Trier levou a extremos a sofisticaçao do cinema. Ondas do Destino é genial, mas Europa leva o esteticismo até o grau de um formalismo que tomba no vazio. Com Os Idiotas, Von Trier muda o rumo.

O filme foi feito no quadro do documento chamado Dogma 95, firmado por Von Trier e Thomas Vinterberg (de Festa de Família), entre outros diretores. O Dogma estabelece um decálogo para a realizaçao de filmes. Dez regras que retiram o cinema da vertente ilusionista para propor uma volta às origens. Domingos Oliveira acha que o Dogma talvez seja a soluçao para o cinema brasileiro. Peter Greenaway, com seu cinema baseado no artifício considera o movimento deplorável.

Tanto Os Idiotas quanto Festa de Família, com sua temática do incesto, sao filmes sobre uma sociedade enferma, que nao resolveu seus problemas afetivos e existenciais. Von Trier diz que o filme dele é, ao mesmo tempo, moderno e nostálgico. Ele acrescenta que, com Os Idiotas, assume a nostalgia pela Nouvelle Vague, o movimento que mudou o cinema francês por volta de 1960. Como a Nouvelle Vague, acha que o Dogma, e Os Idiotas, em particular, busca novos rumos para a sobrevivência do cinema.

Escrito em quatro dias, rodado em 30, finalizado em três meses, Os Idiotas nega o artifício do cinema ao mesmo tempo que o assume. Tem uma cena de sexo explícito, mas o ato que o diretor mostra em detalhe é fake, no sentido de que nao envolveu seus atores. Foi feita com atores de filmes pornográficos e inserida na montagem. É um efeito e o Dogma tem entre as suas regras aquela que diz que nenhum efeito é admitido. O diretor afirma que usou o recurso para evitar o constrangimento de seus atores.

Outro artifício: Von Trier admite que a precariedade técnica de Os Idiotas é apenas aparente. Ele trabalhou duro com os diretores de fotografia Kristoffer Nyholm, Jesper Jargil e Casper Holm, chegando a manipular pessoalmente a câmera para obter aquele efeito de granulaçao da imagem. O resultado é uma experiência rara, um filme que pode até irritar, mas sob hipótese alguma deixa o espectador indiferente.




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