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‘Eu me Lembro’ vence Festival de Brasília
01/12/2005 | 08:38
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Mais do que barba, cabelo e bigode, o que se viu foi a vitória mais acachapante de um filme no Festival de Brasília, desde que A Hora da Estrela, de Suzana Amaral, que recebeu 11 troféus de 13, em 1985, 20 anos atrás. Eu me Lembro, de Edgard Navarro, não chegou a tanto, mas também não ficou muito atrás, ganhando os troféus Candango de melhor filme, diretor, roteiro, atriz protagonista, ator e atriz coadjuvante. Isso entre os prêmios do júri oficial, porque faturou também o da crítica.

Depois dessa avalanche, pouco sobrou para os outros. O documentário À Margem do Concreto, de Evaldo Mocarzel, ficou com o prêmio especial do júri e som (Miriam Biderman, Ricardo Reis e Ana Chiarini), além do júri popular. Veneno da Madrugada, o badalado filme de Ruy Guerra, tido como um dos favoritos, teve de se contentar com dois prêmios técnicos, fotografia para Walter Carvalho, e direção de arte para Marcos Flaksman. Já o concorrente local, o polêmico A Concepção, levou apenas os Candangos de montagem (do andreense Paulo Sacramento e de José Eduardo Belmonte) e trilha sonora (Zé Pedro Gollo).

A cerimônia de premiação, que ocorreu no Teatro Nacional seguia de forma serena. Quando, porém, os prêmios começaram a se concentrar sobre Eu me Lembro, Edgard Navarro foi perdendo o prumo. A tal ponto que, quando convocado a receber o troféu de diretor, urrou como animal ferido: “Vocês querem me matar?!” Não era uma pergunta, nem sequer um desabafo. Era uma afirmação, que todos temeram ver confirmada quando em seguida ele tropeçou e caiu do palco, bem em cima do fotógrafo do Grupo Estado, Dida Sampaio. Navarro não se levantava e houve quem receasse pelo pior. Mas era só emoção em excesso e, do incidente, sobrou um pé torcido, que não o deixou dormir durante a noite. Foi socorrido, noite alta, por sua conterrânea, Dona Lúcia, mãe de Glauber Rocha. Navarro seguiu rumo ao aeroporto em cadeira de rodas, para regressar a Salvador.

Outro momento comovente para a platéia se deu quando o ator baiano Fernando Neves (que faz o pai do narrador em Eu me Lembro) subiu ao palco para receber seu troféu de coadjuvante. Com a voz embargada disse que aquele era o primeiro prêmio recebido em uma carreira de 50 anos. A platéia o aplaudiu de pé. “Eu já estava quase entrando para o Guiness por essa falta de prêmios e vocês vieram me atrapalhar.”, disse.

Memorialístico, Eu me Lembro pode ser considerado uma espécie de Amarcord baiano. Em conversa com a reportagem, Navarro assumiu a influência direta de Fellini, com o qual dialoga abertamente em vários momentos do filme.

Eu me Lembro refaz uma vida, mas também o percurso de toda uma geração que anda agora pela faixa dos 50 anos. Da infância, atormentada entre a repressão religiosa e os apelos da sexualidade nascente, à juventude cortada por um golpe militar, e que finalmente tentou encontrar nas drogas e no desbunde uma saída desesperada para o seu próprio sufoco. O filme traça retrato marcante da classe média branca e da presença dos negros no tecido orgânico da sociedade baiana. Evoca a música da época, os jingles, os modos de falar, os cacoetes. Vai do ridículo ao sublime sem pudor. Pode ser irregular aqui e ali, mas é inspirado o tempo todo.



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