Economia Titulo Direito do consumidor
Deficit de qualidade e informação
Carlos Thadeu de Oliveira*
04/03/2016 | 07:20
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Os serviços no Brasil são caros e de má qualidade, mas isso é decorrente de escolha pelo lucro imediato e expansão acelerada de vendas em detrimento da assistência pós-venda, da fidelização pela qualidade e da boa informação ao consumidor. Primeiramente, é importante abordar a questão da qualidade dos serviços, públicos e privados no Brasil. Muito embora os preços de serviços no Brasil estejam já próximos daqueles praticados na Europa, Ásia e Estados Unidos, ainda não dispomos da qualidade que está presente nessas localidades. Em relação aos produtos, já é sabido que os custos daqui são superiores e, igualmente ao que ocorre nos serviços, o que nos é oferecido não é de qualidade superior que justifique a disparidade de valor.

Isso não ocorre apenas nos serviços privados, mas também nos públicos. Essa foi uma das razões das manifestações que afloraram em junho de 2015 por todo o País. Não há nenhum país em que os serviços privados sejam de qualidade sem que os serviços públicos estejam em patamar semelhante. Mas, quando o padrão de referência de qualidade mínima desaparece, a tendência é que tanto os serviços públicos quanto os privados percam nesse quesito. No caso das manifestações, vale lembrar que vários dos serviços que foram objeto de queixas dos brasileiros – notadamente o de transporte coletivo – são prestados por empresas privadas, mas são públicos e concedidos, ou mesmo de interesse público, como a educação privada. O que quer dizer que, na maior parte dos casos, o papel do Estado para a manutenção da qualidade, seja porque ele presta serviço semelhante, seja porque pode e deve fiscalizar e exigir o cumprimento de parâmetros e metas na prestação dos serviços, é essencial. Infelizmente, não é isso que observamos no País.

Não raro, o Estado não consegue fiscalizar de maneira eficaz a prestação desses serviços que são oferecidos em regime de concessão e mesmo aqueles que não são dessa natureza, mas estão sob regulamentação de algum órgão federal, estadual ou mesmo municipal. O caso mais evidente é o das agências reguladoras e das autarquias que têm sob sua tutela atividades como serviços financeiros, telecomunicações – incluindo aí os telefones celular e fixo, a internet e a TV por assinatura – e assistência à saúde, para ficar apenas em três exemplos. Os órgãos federais encarregados de zelar pela boa prestação desses serviços pecam por, pelo menos, duas razões. A primeira, é que eles estão bastante suscetíveis a influências do próprio setor regulado, muitas vezes, até, com a presença de pessoas ocupando cargos de direção e que estiveram recentemente nas empresas reguladas. É o que chamamos de ‘captura’ da entidade reguladora pelo ente regulado. A segunda razão é que, na maior parte das vezes, as agências pautam sua atividade regulatória e fiscalizadora por regras específicas do setor, esquecendo-se dos direitos do consumidor. Os objetivos perseguidos pelas agências são dados pela dinâmica do próprio setor regulado e não visam, necessariamente, a melhoria da qualidade dos serviços ao consumidor e ao cidadão. Exemplo disso é quando o Banco Central se esquiva de punir e corrigir a má prática recorrente de bancos em relação ao consumidor, alegando que seu papel é apenas ‘zelar pela higidez do sistema financeiro’. Caberia perguntar, então, por que razão o Banco Central mantém índice de reclamações atualizado mensalmente em seu site. Se não é para agir, para que serve? Afinal, ele é a autoridade monetária. Mas não é apenas o Banco Central que age assim.

Inúmeras pesquisas do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) fotografam em diversos momentos algumas práticas dos prestadores desses serviços em relação ao consumidor. O interessante é que fazemos nossas pesquisas e testes sempre na perspectiva de consumidor comum, o que significa que sondamos aspectos básicos na oferta e prestação de serviços. E contratamos os serviços como qualquer um. Contra o argumento recorrente das empresas de que as irregularidades que encontramos podem ser resultados de acidentes ou equívocos pontuais, nós sempre dizemos que encontramos os mesmos problemas a cada vez que testamos os serviços, e isso ao longo de 28 anos de atividades do Idec.

Assim, há mais de uma década constatamos que os bancos não entregam contratos nem especificam os pacotes de serviços, não informam corretamente sobre taxas reais e outros valores quando alguém contrata empréstimo, impõem a venda casada de seguros e outros serviços, cobram tarifas diferentes das pactuadas inicialmente com seus clientes, enviam cartões de crédito sem solicitação do consumidor e por aí afora. A mesma coisa pode ser dita das empresas de telefonia e de serviços de telecomunicações e entretenimento. Os planos ilimitados nunca são exatamente isso, os valores atraentes são sempre ‘promocionais’ e duplicam em pouco tempo, as taxas por serviços adicionais são surpreendentemente altas e os pacotes são alterados segundo o desejo e conveniência das empresas – isso é bastante comum nos serviços de TV por assinatura. Para não falar na baixa qualidade propriamente dos serviços – a lentidão e a irregularidade da telefonia e da internet – e da omissão e inépcia na assistência pós-venda.

No setor de saúde suplementar – os planos de saúde – o padrão de qualidade é igualmente sofrível. Quando não se pode pagar plano de elevadíssimo padrão, o que verificamos em 90% dos casos é a negativa de cobertura diante da necessidade de tratamento, internação ou cirurgia, a exclusão de profissional, hospital ou laboratório da lista dos credenciados e, finalmente, os aumentos muitas vezes superiores à inflação, que nos chegam todos os anos e a cada vez que ultrapassamos determinada idade. São milhões de conflitos de consumo, mas ainda subdimensionados, porque nem sempre que temos um problema, passamos ao ato de reclamar. 

* Gerente técnico do Idec (Instituto Brasileiro de Direito ao Consumidor)




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