Diadema abriga a única unidade de semiliberdade da Fundação Casa, antiga Febem, para atender os adolescentes infratores no Grande ABC. Com capacidade para 20 vagas, o espaço era ocupado até sexta-feira por 18 jovens que cometeram ato infracional leve. Deste total, apenas oito são da região - sete do próprio município e um de Santo André. Os outros dez são importados de cidades da Baixada Santista, Litoral Norte e interior do Estado.
Para a Fundação Casa, um dos motivos do baixo quórum da aplicação desta medida socioeducativa na região é a "falta de demanda". Por outro lado, o Grande ABC possui 363 adolescentes privados de liberdade (veja quadro nesta página). Diadema ocupa o segundo lugar de infratores internados na Capital. Até o dia 24, eram 102.
A falta de demanda também foi o motivo alegado para o fechamento da unidade de semiliberdade de São Carlos, no interior paulista, exatamente há 22 dias. O local, segundo a instituição estadual, mantinha apenas seis internos - para 20 vagas.
"Não há demanda do Grande ABC para a semiliberdade", afirma a assistente social Josefa Cristina Bizerra Balmant, diretora da unidade de Diadema e funcionária da Fundação Casa. A equipe do Diário esteve em visita ao local na quinta-feira. Além dos oito jovens do Grande ABC, vieram de fora mais dez - quatro de São Vicente, três de Santos, dois de Bertioga e um de Registro.
Outra justificativa dada pela diretora é que o encaminhamento do adolescente em conflito com a lei depende da postura do Judiciário. "Alguns juízes encaminham o jovem diretamente para medidas em meio aberto (liberdade assistida ou prestação de serviço à comunidade)", argumenta.
E, por fim, a decisão de encaminhar para o cumprimento em semiliberdade está diretamente relacionada ao ato infracional cometido. Em comparação à internação convencional, essa medida é usada para adolescentes que cometeram infrações mais leves. Os técnicos da área dizem ser mais fácil, a partir do perfil dos jovens, trabalhar a sua recuperação na semiliberdade.
No Estado, hoje são 7.502 adolescentes privados de liberdade. Apenas 525 cumprem a medida em semi, o que representa 7%. O custo médio mensal do adolescente nesse regime é de R$ 3 mil por mês.
DIFERENCIADO
A semiliberdade tem sistema diferenciado, conforme o estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Os jovens seguem para a unidade, de um modo geral, para dormir à noite, além de fazer as refeições diárias. Desde atividades de ensino formal e cursos de formação profissional até ações culturais e esportivas são feitas fora. Inclusive os adolescentes são incentivados a trabalhar, de acordo com a idade, na condição de aprendiz.
Existe rotina para a arrumação e a faxina dos dormitórios, todos os dias pela manhã, antes de deixarem a casa para as atividades. Nos fins de semana, os jovens de bom comportamento e com frequência escolar podem ir para a casa e dormir com os familiares.
Após decisão judicial, o jovem infrator pode chegar à unidade para cumprimento da medida direto da delegacia policial, via Vara da Infância e Juventude, de unidades de internação provisória ou internação, ou mesmo transferido de outra semi.
Em Diadema, a unidade é gerida pela instituição estadual em parceria com a Associação Cultural Comunitária Dom Décio Pereira, que recebe do Estado o valor mensal em torno de R$ 62 mil. Cada jovem pode usar roupas próprias - a unidade oferece os utensílios de cama e banho.
Jogador, professor e DJ fazem parte do sonho
Eles se recusam a falar sobre o ato infracional praticado para estarem ali em cumprimento de medida socioeducativa na Fundação Casa. No entanto, no discorrer da entrevista, se abrem nos relatos de vidas e traçam sonhos para quando cumprirem a medida de semiliberdade em Diadema. Entre os projetos, estão ser jogador de futebol profissional, professor de Educação Física e DJ.
Respectivamente, são eles: Guilherme, 16 anos, Wesley, 17, e David, 17, (nomes fictícios). Os dois primeiros moram em Diadema. O terceiro em São Vicente, no Litoral Sul. Tímidos, a princípio, os adolescentes fazem o ensino formal e cursos profissionalizantes.
David, aliás, se encantou com o curso de DJ que faz na Sedesc (Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania), ligada à Prefeitura de São Bernardo. E fala sobre o que mudou em sua vida depois de ter chegado à unidade de Diadema. "Antes eu só queria ficar na rua. Agora, eu sou mais família", revela o torcedor do Santos, que há uma semana desce e sobe a Serra sozinho.
A socióloga Josefa Cristina Bizerra Balmant, diretora da unidade de Diadema, explica que, antes, um veículo da Fundação Criança levava e buscava os meninos moradores no Litoral. "Como o David demonstrou responsabilidade e pontualidade nas chegadas aos domingos à noite na casa, ele ganhou esse privilégio de viajar de ônibus", conta.
Bem mais calado, Guilherme quer mesmo ser jogador de futebol. Corintiano, o diademense lembra dos tempos que treinava em escola perto de sua casa. Meio-campista, um educador da instituição disse que o garoto "é bom de bola". Enquanto isso, Guilherme diverte-se nos fins de semana com a grande família: pai, mãe, mais quatro irmãos e "um monte" de sobrinhos, que o fazem perder a conta.
Ao contrário de Guilherme e David, Wesley resolve ultrapassar a barreira e revela a razão de estar ali. "Senhora, tráfico de drogas", aponta. Aliás, é o ato infracional que mais cresceu no Estado de São Paulo, principalmente na medida de internação - 39,8 %.
Sem rodeio, engata a terceira e deslancha a falar. "Antes nunca quis saber de trabalhar. Hoje procuro um emprego", conta o também corintiano, que passou na semana passada por duas entrevistas - de uma delas aguardava resposta para uma vaga em lava-rápido.
Sobre a mudança de comportamento no cumprimento da medida socioeducativa, Wesley é curto e direto. "Não queria escutar ninguém. Hoje, ouço e tenho uma relação muito melhor com minha família", afirma, ao ressaltar que viu morrer entre cinco e seis colegas no mundo das drogas.
Cada jovem permanece até seis meses no regime de semiliberdade. Há uma avaliação trimestral de cada um deles, que é repassada ao Judiciário, que decide o destino do infrator. Os três entrevistados estão com relatórios conclusivos nas mãos dos juízes.
Estado quer prédio de internação no local
Às margens do Km 13 da Rodovia dos Imigrantes, a unidade de semiliberdade de Diadema está com os dias contados. A presidente da Fundação Casa, Berenice Gianella, confirmou ao Diário que o terreno de cerca de 9.700 metros quadrados será utilizado para a construção de prédio para internação, com capacidade para 56 jovens - 40 internos e 16 provisórios.
A estrutura não será suficiente para acolher à demanda. O município tem hoje 102 infratores em unidades na Capital, ou seja, distantes de seus familiares.
A área pertence ao Estado e foi incorporada ao patrimônio da Fundação Casa. "Diadema não tem terreno disponível, por isso transferiremos a semiliberdade para outro imóvel na cidade e construiremos uma unidade de internação", afirma Berenice.
"As obras em Diadema serão iniciadas no segundo semestre", anunciou o vice-presidente da Fundação Casa, Antonio Claudio Piteri, durante tumultuada reunião para discutir as duas unidades de internação em Santo André.
A diretora da semi, Josefa Cristina Bizerra Balmant, também aguarda pelas definições. "Se tivermos de deixar o local, teremos de encontrar imóvel compatível com as nossas necessidades", afirma.
A Prefeitura de Diadema informou que a "unidade de internação da Fundação Casa em Diadema será no terreno do governo do Estado".
CLUBE DA TURMA
Antes da instalação da semiliberdade, o local, repleto de vegetação, foi sede do Clube da Turma de Diadema, programa que atendia cerca de 280 crianças e adolescentes, entre 7 e 17 anos. O trabalho era mantido pela Obra Social São Francisco Xavier, em convênio firmado com a Secretaria de Estado de Assistência Social, sob gestão da Prefeitura.
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