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O primeiro dia de aula

Quantos desses você já teve? Pessoalmente vivenciei mais de uma dezena...

Carlos Ferrari
02/02/2016 | 07:00
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Quantos desses você já teve? Pessoalmente vivenciei mais de uma dezena, obviamente se contabilizar apenas essa experiência a partir de minha condição de aluno, visto que como professor, os anos já fizeram essa contabilidade se tornar bem mais numerosa.

O mestre Rubem Alves nos ensina em seu livro O Velho que Acordou o Menino que temos dois tipos de memórias: as sem vida própria e as com vida própria. Peço licença para tentar explicar. As primeiras são aquelas que, como ferramentas em uma caixa, analogia proposta pelo próprio autor, ficam inertes, guardadas e disponíveis para nosso uso quando necessário. Já as segundas chegam quando menos esperamos, nos invadem despertadas por um ou mais sentidos e, como por mágica, despertam sensações e sentimentos que trazem à tona lembranças como se fossem experiências vividas a minutos.

Hoje tive a oportunidade de acompanhar minha filha em seu primeiro dia na escola nova. Tal novidade eleva a níveis imensuráveis a ansiedade das crianças. Já nós, pais, sentimos despertar lembranças muito vivas que nos recordam e alertam sobre tantos sentimentos que conhecemos de longe, o que nos permite ajudar e orientar com total conhecimento de causa nossos pequenos, que agora experimentam pela primeira vez tamanha expectativa.

Procurei nas últimas semanas ler sobre o assunto, pesquisar na web material que abordasse a questão, seja dialogando com nós, pais, ou mesmo abordando o tema considerando o ponto de vista das crianças. Como era de se esperar, encontrei infindável volume de textos, vídeos, enfim, conteúdos para todo tipo de gosto e público. Me chamou a atenção especialmente pequenas histórias infantis que mostravam personagens com angústias e medos que, para minha filha, eram muito presentes. Tais exemplos, somados a um bom bate-papo em família, fizeram com que ela trabalhasse a preparação para o momento de maneira bem mais tranquila e planejada.

Chegado o dia, tivemos a oportunidade de acompanhá-la e participar de um momento de acolhida promovido por professores e pela direção da escola. Nos poucos minutos que aguardávamos, tive a sensação de viajar pelo tempo. As tais memórias de vida própria, a mim apresentadas pelo livro de Rubem Alves apenas em teoria, naquele momento de espera se mostravam presentes em sua plenitude. Chegavam por meio dos sons de crianças conversando e brincando pelo pátio, pelo cheiro único de escola, algo inexplicável que, imagino, muitos bons especialistas na arte de replicar aromas teriam dificuldades infinitas de copiar. Chegavam ainda trazidas pelo soar disciplinador do sinal anunciando o início dos trabalhos, e pelo vento leve que soprava tranquilo como se dissesse para todos ali que o dia estava pronto para ser o primeiro de muitos primeiros dias de aulas.

Volto para casa, sento para escrever minha coluna semanal, que esta semana teria por tema a Educação enquanto grande elemento para promoção da inclusão. Logo, me pego novamente emocionado e convicto que tais momentos que eu acabara de experimentar mereciam ser contados e compartilhados.

Decido por mudar a cara do texto, o tema da coluna, e como um jovem aluno, ouso caminhar por uma nova trilha. Espero contribuir com tantos outros pais e filhos, que se depararem diante da proximidade de um primeiro dia de aula. Também imagino que daqui a algum tempo minha filha, hoje com 5 anos, poderá ler esse texto e, quem, sabe continuar a escrita com mais olhares e memórias.

Me despeço voltando ao Velho que Acordou o Menino. Em determinado momento, Rubem Alves nos traz uma bela e sábia afirmação de Caeiro: “As crianças são de novo nascidas a cada momento para a eterna novidade do mundo.”

* Carlos Ferrari é presidente da Avape (Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência), faz parte da diretoria executiva da ONCB (Organização Nacional de Cegos do Brasil) e é atual integrante do CNS (Conselho Nacional de Saúde). 




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