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Santo André recupera obra de Burle Marx
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
27/06/2006 | 08:12
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“Antes tarde do que nunca”, exclamou Haruyoshi Ono ao ser informado pelo Diário sobre pormenores do projeto de restauração da maior tapeçaria criada por Roberto Burle Marx (1909-1994), em 1969, e fixada no nono andar da Prefeitura de Santo André, no Salão Nobre. Ono, 63 anos, é arquiteto e dirige o escritório de paisagismo Burle Marx & Cia, fundado em 1955 no Rio, onde trabalha desde 1965, primeiro como estagiário, depois como sócio de Burle Marx. Esteve em Santo André em 1970 quando o paisagista fixou a tapeçaria de 26 m de largura por 3,3 m de altura, e deve retornar à cidade nesta quarta, para rever a peça 36 anos depois, no hoje Salão de Eventos Roberto Burle Marx.

Esta visita poderia ter ocorrido antes, há dois anos, se a Prefeitura não houvesse perdido o prazo em 2004 para inscrever o projeto de restauro aprovado pelo Fundo Nacional da Cultura do MinC (Ministério da Cultura). O Diário publicou desde 2001 várias reportagens sobre o caso. A tapeçaria sofre processo de deterioração pela sujeira, pelo abaulamento (tecido enruga com o peso) e por dezenas de pregos colocados sem critério sobre a obra. Desta vez, com os prazos respeitados, o MinC financia R$ 106.734,47 mil com contrapartida da Prefeitura de R$ 32.683,44 mil.

A empresa responsável pelo projeto é De Vera Artes, da restauradora Florence Maria White De Vera, 60 anos, que se aposentou como restauradora do MAC (Museu de Arte Contemporânea da USP) e atua desde 1983 em restaurações para instituições como Museu Lasar Segall, MAM (Museu de Arte Moderna) e Palácio dos Bandeirantes.

Nesta quarta, um coquetel no Salão Nobre apresentará os restauradores e o projeto para convidados. O salão será aberto para visitas monitoradas de estudantes durante a restauração prevista para durar cerca de seis meses. Ao término, o espaço permanecerá aberto ao público. Os trabalhos começam nesta sexta-feira, dia 1º de julho, no próprio Salão Nobre, onde já se encontra uma mesa feita exclusivamente para este trabalho, com dois cilindros giratórios. O maior será usado no restauro; o menor, para acomodar a tapeçaria durante o processo.

Uma certeza: pregos nunca mais. Um chassi especial será construído para receber o suporte da tapeçaria, que será fixado por meio de velcro industrial. Mas esta é a fase final da obra. Nos próximos cem dias, ou três meses e meio, Florence e equipe se dedicarão à limpeza, remoção de pregos e suturas no tecido. “O que mais me chamou a atenção foi o acúmulo de sujeira pelos anos de exposição, que causou opacidade das cores”, diz. Para ela, a fase mais complicada da restauração é a limpeza completa. “Há uma limitação de produtos que podemos usar. Faremos testes com ela no chão para saber o que poderemos aplicar. Ainda não manuseei a peça, só olhei para ela”.

A restauração dos danos causados pelos pregos não será problema, segundo a restauradora, mas os fios serão diferentes. “A sutura é trabalhosa e lenta, mas o trabalho é mecânico e repetitivo, não muito complicado. Usaremos fios específicos para restauro, mas não do mesmo tipo da tecelagem que Burle Marx usou”.

A restauração é “uma boa notícia”, disse Ono, pois a tapeçaria nunca passou por esse processo. Ele estava com Burle Marx quando o arquiteto Rino Levi contratou o escritório para fazer a tapeçaria e o paisagismo da Praça IV Centenário, além do tríptico no saguão do Teatro Municipal, obras que também requerem atenção. “Lembro que eu fiz a maquete do tríptico e vi a peça sendo desenformada. Lembro também que a vi colocada quando eu e Burle Marx fizemos a cenografia de uma peça teatral encenada aí no Municipal. Só vi a tapeçaria quando ela foi emprestada pela Prefeitura em 1972 (única vez que ela desceu da parede onde se encontra) para duas exposições retrospectivas de Burle Marx, em Lisboa e em Paris. Depois, nunca mais”.

O Salão Nobre foi criado para ser o gabinete do prefeito quando o prédio atual foi inaugurado em 8 de abril de 1969, mas nunca foi utilizado como tal. Na administração Newton Brandão (1969-1973) o gabinete foi transferido para o primeiro andar, onde se encontra até hoje. Para o espaço, foi deslocado o Departamento de Informática, que lá ficou até dezembro de 2000, quando o prefeito Celso Daniel (1997-2000) reformou o salão para abrigar eventos.

Os pregos na tapeçaria teriam sido colocados em momentos distintos entre a inauguração do edifício e a reforma do salão. Conta-se que neste período houve até quem sugerisse que a tapeçaria fosse cortada e dividida entre as secretarias. Insensatez que não vingou, felizmente.




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