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Beatriz Segall encena 'Histórias Roubadas' em abril
Do Diário do Grande ABC
23/02/2000 | 16:13
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Sobre a mesa da sala do apartamento da atriz Beatriz Segall uma maquete destoa da decoraçao: em madeira, reproduz uma sala de estar repleta de livros. Criada pelo arquiteto Paulo Segall, filho da atriz, trata-se de um esboço de cenário para o espetáculo "Histórias Roubadas", peça do americano Donald Margulies que estréia em abril no Teatro Renaissance, em Sao Paulo.

Sob direçao de Marcos Caruso, Beatriz interpreta Ruth Steiner, uma mulher de meia-idade, solteira, escritora de prestígio e professora universitária que vive recolhida em sua casa por opçao, na companhia de seus livros. A jovem atriz carioca Rita Elmôr - que o público paulistano teve a oportunidade de conhecer recentemente no monólogo "Que Mistérios Tem Clarice" - fará o papel da jovem aluna Lisa Morrison, uma admiradora e aspirante a escritora. A peça acompanha a relaçao entre elas por um período de seis anos.

Aos 44 anos, o autor é professor da Universidade de Yale teve mais de uma peça encenada com sucesso na Broadway. "Histórias Roubadas" é seu primeiro texto a sair das fronteiras dos Estados Unidos. "A peça está em cartaz em Londres e será encenada em breve em países como Japao, Israel , Bélgica, Holanda, França e Alemanha", afirma Beatriz.

Também produtora do espetáculo, Beatriz acumula em sua carreira nao poucos sucessos a partir de peças criadas originalmente em língua inglesa, mas garante nao possuir um agente em Nova York para "descobrir" textos. "Tenho a sorte do tamanho de um bonde de ter um amigo muito especial, Werner Weyrauch, um apaixonado por teatro, que sempre assiste a espetáculos no exterior", diz. "Ele foi o responsável pela recomendaçao dos textos de vários espetáculos que fiz, entre eles "Lilian Hellman", do americano William Luce, e "Três Mulheres Altas", de Edward Albee".

Desta vez seu amigo havia recomendado dois textos pelos quais ficou fascinada. "Mas o outro tinha seis personagens e atualmente isso significa uma multidao no palco", comenta a atriz que levou um ano até conseguir o apoio de três patrocinadores: Grupo Votorantim, Bradesco e Telefônica. "O teatro está completamente abandonado", desabafa. Segundo ela, a lei Rouanet interessa pouco aos patrocinadores e o fato de existir uma lei assim nao isenta o poder público de suas obrigaçoes com o teatro.

Descaso - "No mundo inteiro o teatro é apoiado pelo poder público, até nos Estados Unidos; só o teatro da Broadway vive de bilheteria, mas nao se trata de um teatro americano e sim de um teatro internacional, sustentado por turistas", comenta. "No Brasil nao é possível mais montar um espetáculo com o retorno da bilheteria, como antigamente e eu considero o descaso do poder público - federal, estadual e municipal - com o teatro uma vergonha nacional", diz.

Na posiçao de quem produz a maioria de seus espetáculos - até porque desapareceu do teatro a figura do produtor/empresário - a atriz chama a atençao para o fato de o patrocínio servir apenas para produzir a peça. Esse apoio permite a realizaçao da montagem ou seja a criaçao de cenários e figurinos, a contrataçao de iluminadores e figurinistas: a equipe de criaçao. Porém as despesas nao terminam com a estréia.

"Sai caro manter em temporada um espetáculo: o elenco deve ganhar um salário digno, há ainda o pagamento da equipe técnica, do aluguel da casa e, principalmente, a divulgaçao, o item mais caro do orçamento", diz. "Afinal vivemos numa grande metrópole e nao dá mais para atrair o público espalhando uns cartazes pela cidade", argumenta. "Imagino que parte do público, ao ler ou ouvir isso, vá até perguntar: e se nao tiver teatro, que falta faz?"

A resposta, segundo a atriz, varia de acordo com a formaçao de cada um e só nos países menos civilizados os políticos nao sabem a importância da representaçao. "É preciso investir em educaçao para que se entenda a importância do teatro - e nao só do teatro, mas da arte em geral - na formaçao de uma naçao, na construçao do imaginário coletivo".

Beatriz constata que nem mesmo essa parcela de responsabilidade vem sendo assumida pelo poder público. E ela critica até mesmo a liquidaçao no teatro por meio de campanhas que oferecem espetáculos grátis ou a preços simbólicos. "Essas campanhas lotam teatros num fim de semana ou dois, mas nao formam público; essas pessoas só vao voltar ao teatro quando novamente nao precisarem pagar", afirma.

"É preciso educar as pessoas para que compreendam a importância do teatro e também o fato de tratar-se de uma atividade profissional, da qual as pessoas vivem, pagam aluguel, sustentam família".

Indignaçao - Filha de professores - ela praticamente nasceu num colégio; seus pais eram donos de um dos mais prestigiados colégios do Rio e sua casa ficava no mesmo terreno -, Beatriz lamenta o fato de as peças de teatro nao mais serem lidas nas escolas. Mesmo os centros acadêmicos mudaram. "Antigamente os centros acadêmicos levavam estudantes ao teatro, hoje eles só querem pedir meia-entrada", diz.

"Por que o governo nao obriga os médicos a cobrar meia-consulta de estudantes ou os farmacêuticos a venderem remédios pela metade do preço?", revolta-se. "Porque é inconstitucional; ainda assim obriga o teatro a fazer isso sem dar nada em contrapartida, logo o teatro, uma arte já tao sacrificada". Toda essa justa indignaçao nao resulta em esmorecimento.

Desde que, em 1964, ao voltar de um curso de teatro na Universidade de Sorbonne, na França, aceitou substituir a atriz Henriette Morineau na peça "Andorra", sob direçao de José Celso Martinez Corrêa, no Teatro Oficina, Beatriz nunca mais abandonou os palcos.

Coragem - Nos últimos anos vem produzindo suas peças, mas aceitou, por exemplo, o convite do diretor Eduardo Tolentino para atuar em "O Tempo e os Conways", em 1986, quando a companhia ainda nao possuía os prêmios e o prestígio que tem hoje. "O Tapa é um grupo permanente inacreditavelmente corajoso e talentoso", comenta Beatriz, que voltou a integrar o elenco do Tapa na montagem de "No Fundo do Lago Escuro", de Domingos Oliveira, em 1997.

Sua expectativa com "Histórias Roubadas" é a melhor possível. "Quero colocar alguém para ouvir os comentários do público na saída do teatro, pois tenho certeza de que estarao discutindo qual das duas personagens tem razao", diz. Margulies já fez essa experiência. "Um dos maiores prazeres de ser um dramaturgo é observar o público após o espetáculo discutindo calorosamente sobre as virtudes e motivos de minhas personagens", escreveu o autor no programa da montagem londrina.

"'Histórias Roubadas' é uma peça sobre amor, entendimento, ética, respeito, sabedoria de vida, desencontro, ciúme, inveja, enfim todos aqueles sentimentos que todos nós temos e por isso interessa ao público dos 8 aos 80 anos", afirma Beatriz. A fronteira entre influência e plágio numa relaçao que envolve profunda admiraçao intelectual é o tema central da peça. Tema abordado pelo autor nao em linguagem de tese, mas de forma dramática, a partir do conflito que se estabelece na relaçao de amizade entre as duas mulheres.

A princípio, Margulies imaginou que o apelo de sua peça nao fosse além do público norte-americano. "Afinal é uma peça de Nova York que captura os ritmos particulares e as idiossincrasias dos habitantes desse lugar único", calculou. Mas mudou de idéia. "O sucesso internacional sugere que a peça é mais universal do que eu originalmente imaginava", concluiu Margulies.




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