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O escondido Pico do Papagaio
Cláudia Fernandes
Do Diário do Grande ABC
10/08/2006 | 08:58
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O carro de passeio quase não subia a estrada de terra. O caminho íngreme dava a impressão de que não conseguiríamos chegar ao estacionamento, onde combinamos encontrar com o dono da pousada. Após dez quilômetros, enfim, chegamos. O estacionamento nada mais era que um ponto plano ao lado da estrada, com a indicação de uma placa de madeira. Estávamos a 1,8 mil metros do nível do mar, onde celular é objeto praticamente obsoleto – vez pega, vez não. Lá do alto, as montanhas pareciam uma pintura. Verdes-claros e escuros separados como água e óleo na imensidão das montanhas e florestas da Mata Atlântica. Estávamos na serra que dá acesso ao Pico do Papagaio, a 2,1 mil metros de altitude, no município de Aiuruoca (casa do Papagaio), escondido no mapa do Sul de Minas Gerais.

O que nós, turistas, víamos do tal estacionamento era apenas um breve aperitivo do que estava por vir. Deixaríamos o carro ali e partiríamos de traslado num Toyota Bandeirante velho, mas potente, do dono da pousada, mais três quilômetros acima. É o que faz o turista que não tem carro com tração quatro por quatro. Com carro de passeio, é impossível chegar ao topo da serra onde fica a pousada. Com o Bandeirante já é difícil enfrentar os buracos e pedras no meio do trajeto. Mas vale a pena.

O passeio é para quem gosta de caminhar muito. E mais. Para quem sabe apreciar a natureza. Após horas de andanças (intercaladas de rapel, para os mais aventureiros), chega-se a locais paradisíacos. No inverno, o tempo é imprevisível. Se o turista tiver a sorte de pegar muito sol, poderá ver do topo do Pico do Papagaio ou do Santuário (ou Campos do Senhor) ou do Recanto dos Pedros a imensidão do mundo.

Um dia, uma família com três irmãos Pedros teve essa imensidão a seus pés. As terras ficaram esquecidas, sem o devido valor que mereciam. E os netos dos Pedros venderam parte desse paraíso, onde o ar de tão puro torna os fungos das árvores vermelhos, no lugar do verde. Aprendi na viagem que este é o sinal de que o índice de poluição naquele local é zero.

No decorrer das trilhas, muitas cachoeiras com água cristalina, onde se pode encher as moringas. Água leve de se beber. Diferente da água potável da cidade.

Pouco ou quase nenhum animal se vê no meio do caminho. Ou porque não é possível viver em local tão frio (a sensação térmica pode chegar a perto de zero grau no inverno), ou, talvez, porque os animais migram para outros pontos nesta época de estiagem, quando os frutos são escassos. Ao passar pelo meio da mata, escutamos pássaros, nada mais. Mesmo assim, os nativos dizem que há onças no meio da floresta. O máximo que vimos foram muitos formigueiros, as resistentes casas de cupins e alguns pássaros, cisternas para ser mais precisa. Nada mais.

Nos dias em que a névoa toma conta da paisagem, a falsa pintura não se torna menos bela. Caminha-se no meio da neblina. É como um passeio no céu. Furando nuvens. No topo da montanha, com ou sem névoa, sente-se a sensação inenarrável, mas que tento aqui descrever o mínimo. Sensação de que todo o resto é pouco perto da grandiosidade do mundo que se apresenta aos nossos pés, pertinho do céu.

Abaixo, um mar de montanhas com pontos brancos, cachoeiras que de longe parecem estáticas, imóveis, pontos no infinito verde. Assim como parecem pontos as poucas construções no meio do mato. Homens corajosos e afortunados quase donos da imensidão da natureza que entra pela janela de suas casas.

Num determinado trecho do passeio à prainha, uma casa localizada em frente a uma cachoeira. O proprietário do humilde imóvel não poderia ter escolhido local mais deslumbrante para morar. Dormir ao som tranqüilizante da água corrente, incessante. Calmante natural.

É na prainha que está uma das atrações mais interessantes para quem vai à serra do Pico do Papagaio. Piscinas de água limpíssima rodeiam pedras incrustadas no meio de montanhas. Na beira da prainha, areia clara e grossa, como na orla do mar. Mesmo no frio, não dá para deixar de ser atraído pela água límpida, mas gélida. Ao entrar, o corpo pica com o choque térmico que se dá. De olhos abertos dentro da água, vê-se das maiores às menores pedras coloridas, como um mosaico. É como se o homem tivesse traçado ali uma obra de arte, disposto as pedras de forma harmoniosa para a vista humana. Arte da natureza.

As piscinas naturais são uma das várias opções ao turista que visita a serra no verão. Nascentes que no frio secam, vertem água incansavelmente no calor e as cachoeiras ficam abundantes, propícias para o canyoning.

Público – A serra do Papagaio é um passeio para público seleto, que procura paz, que quer ficar longe de multidão e que respeita a natureza. Não se vê nas trilhas sujeira. Os visitantes levam o lixo embora. Carregam na bagagem, além de frutas, barrinhas de cereal e água, a consciência de que essa preciosidade precisa ser preservada. Na máquina fotográfica, apenas as imagens para recordar a amplidão de um mundo quase impossível de se descrever com palavras. Quem viveu ou vai viver, guardará para si.

Guia de viagem

Como chegar e o que fazer
Para quem parte de São Paulo em direção a Aiuruoca, a melhor opção é seguir pela rodovia Fernão Dias, sentido Caxambu (MG). São aproximadamente 380 km em uma estrada que, se não é um tapete como as rodovias privatizadas, como a Bandeirantes e a Castelo Branco, oferece razoáveis condições de tráfego após a duplicação e os trabalhos emergenciais de tapa-buraco realizados pelo DER.

Nesta rodovia, há poucas opções para quem deseja fazer um lanche ou utilizar banheiros limpos. Os postos de abastecimento, geralmente utilizados por caminhoneiros, são antigos e dispõem de acomodações precárias e mal-conservadas. Prefira levar um lanchinho de casa, como frutas, biscoitos e barras de cereais. Ao acessar a rodovia Vital Brasil, entre Pouso Alegre e Três Corações, aparecem algumas opções de compras de produtos típicos da região, como queijos, doces e frutas, além do artesanato.

Uma dica é uma parada pela cidade de Campanha, a caminho de Caxambu, conhecida pela fabricação de tapetes com a antiga técnica dos teares manuais. Mas um aviso: a cidade literalmente pára aos domingos e as lojas ficam fechadas. Esqueça o artesanato local. As barracas e lojas às margens da rodovia oferecem uma variedade incrível de artigos, todos de gosto duvidoso. Só pare se quiser comprar alguma coisa para sacanear alguém...

Antes de chegar em Aiuruoca, o caminho passa pelo trevo de Caxambu, tradicional estância hidromineral mineira, que viveu seu auge na década de 1950, com os hotéis-cassinos. Hoje, a cidade ostenta alguns grandes hotéis, como o Glória e o Grande Hotel, em visível decadência. Vale uma visita ao Parque das Águas, uma construção antiga no centro da cidade. Ao redor do parque, dezenas de lojas oferecem doces, queijos, pinga, licores e uma imensa variedade de bugigangas para quem precisa levar uma lembrancinha para as crianças que ficaram em casa.

Onde ficar
Para quem deseja uma opção de pousada mais tradicional, esqueça o Abrigo do Lado de Lá (leia reportagem ao lado). Em Aiuruoca, há pelo menos duas opções de acolhimento: a Pousada do Dudu, localizada no centro da cidade, oferece um bom café da manhã e dispõe de sauna. Tel.: (0xx35) 3344-1349). Outra opção é a Pousada e Restaurante Dois Irmãos, também no Centro (tel.: 0xx35 3344-1373).

Onde comer
Comer em Minas é algo sempre bom, mas surpreender-se é ainda melhor. O Restô Kiko e Kika está nessa categoria, das casas que surpreendem o visitante. Parta de Aiuruoca, sentido Alagoa, e siga até o km 1,8. A surpresa começa pelo local cercado por um rio e montanhas. Kika, a anfitriã, surpreende pela simpatia e criatividade no comando da cozinha. Não deixe de provar as trutas. A sugestão imperdível é a truta defumada com amoras. Mas vasculhe o cardápio e fique à vontade para escolher entre as diversas opções de entradas, saladas, pratos principais e sobremesas. Tel.: (0xx35) 3344-1453.

Em Aiuruoca, há ainda a Dona Azeitona Restaurante e Pizzas, que oferece pizzas, massas e lanches. Fica na Praça da Matriz.

Vizinho da Dona Azeitona é o Cantinho Mineiro, que serve pratos, porções e lanches. Tudo muito baratinho, para quem deseja gastar pouco e apenas matar a fome.




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