Apesar de listar direitos e deveres dos ciclistas, o Código de Trânsito Brasileiro não sai do papel quando o assunto é a proteção aos condutores de bicicletas. O artigo 201 da lei, sancionada em 1997 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), determina que os motoristas mantenham distância lateral mínima de 1,5 metro ao ultrapassar as bicicletas.
No entanto, na prática os ciclistas correm riscos ao transitar pelas ruas do Grande ABC dividindo o mesmo espaço com carros, ônibus e caminhões. Nos últimos dois anos, nenhum motorista foi multado por desrespeitar a distância mínima em Santo André, São Bernardo, São Caetano, Mauá e Ribeirão Pires. Diadema e Rio Grande da Serra não informaram se houve autuações no biênio.
Para o advogado Marcos Pantaleão, da comissão de Direito do Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, o problema da lei é a dificuldade para a comprovação das infrações. "Como o agente de trânsito, ao olhar o veículo, vai saber se está a 1,5 m ou 1,3 m? É complicado fazer esse tipo de autuação. Por outro lado, muitas vezes é o próprio ciclista quem infringe a lei."
O código determina que as bicicletas devem ser equipadas com campainha, sinalização noturna e retrovisor. A maioria, porém, não dispõe desses itens. O ciclista só pode transitar na lateral da via, no mesmo sentido de circulação dos demais veículos.
Na avaliação do advogado, a melhor forma de conscientizar os motoristas é a criação de campanhas educativas. "A multa não vai resolver o problema, até porque muitos desconhecem essa lei."
O engenheiro Dario Rais Lopes, ex-secretário estadual de Transportes, acrescentou a dificuldade para o cumprimento da legislação. "Um carro off-road tem 1,8 m de largura. Se for somar com o 1,5 m de distância, dá 3,3 m, que é a medida da faixa. Ou seja, o motorista irá invadir a pista lateral", acrescenta o professor da Universidade Mackenzie.
Usuários cobram investimento e respeito
Ciclistas ouvidos pela equipe do Diário avaliaram que faltam investimentos do poder público em alternativas que valorizem o transporte sobre duas rodas. Atualmente, a região tem apenas 3,5 quilômetros de ciclovias e 2,7 quilômetros de ciclofaixas. A Prefeitura de Mauá pretende inaugurar nas próximas semanas faixa exclusiva para bikes na Avenida Washington Luís.
"Falta espaço para as biclicletas. Temos que dividir espaço com moto, carro e caminhão", comentou o diretor da Ascobike (Associação dos Condutores de Bicicletas), José Ronaldo Lemos. A associação coordena o bicicletário da estação ferroviária de Mauá, por onde passam 2.000 ciclistas diariamente.
O pintor Antônio Prado, 56 anos, anda 12 quilômetros por dia para ir de casa ao trabalho, em São Bernardo. Ciclista há 30 anos, ele lembrou os cuidados que devem ser tomados. "Tem que ficar muito atento com os carros. O pessoal não respeita."
O ajudante Moacir Silva, 39, já foi atropelado duas vezes enquanto guiava o veículo. "O desrespeito foi tão grande que o carro nem parou para prestar socorro."
Motoristas desconhecem a legislação
Criado em 1997, o Código de Trânsito Brasileiro ainda tem diversos artigos desconhecidos pela população. O trecho que obriga a manutenção de distância lateral mínima de 1,5 m entre veículos automotores e bicicletas nas ultrapassagens é apenas um exemplo.
O assunto veio à tona na semana passada, quando o empresário Antônio Bertucci, 68 anos, presidente do Conselho Administrativo da Lorenzetti foi atropelado por um ônibus na Zona Oeste da Capital enquanto conduzia uma bicicleta.
"O pessoal não respeita, não. Eu mesmo desconhecia essa obrigatoriedade", admitiu o corretor de imóveis Marcos Araújo, 46. Apesar de não ter se envolvido em acidentes com bikes, Araújo afirmou já ter visto diversos atropelamentos de ciclistas na região.
O aposentado Glademir Giovanoni, 65, revelou que também desconhecia a lei, mas disse que respeita os condutores de bicicletas ‘na medida do possível'. "Tem muito ciclista que é folgado também, que joga a bicicleta contra o carro. Mas, no geral, a situação é pior para as bicicletas", avaliou. Giovanoni concorda que é difícil obrigar o cumprimento da lei.
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