O Sítio do Pica-Pau Amarelo, obra-prima do escritor Monteiro Lobato (1882-1948), volta a ser exibido em julho na Rede Globo, emissora que, desta vez, terá controle total e exclusivo sobre os personagens infantis do autor durante dez anos. Isso significa que a emissora tem plenos poderes para, por exemplo, negociar licenciamento para uso da marca. Porém, quando estiver no ar, o Sítio conviverá com uma briga nada infantil na Justiça sobre direitos autorais envolvendo os herdeiros de Lobato e a Editora Brasiliense, detentora exclusiva da publicação de seus livros.

Quando o novo Sítio estrear na TV, os personagens Emília e companhia poderão aparecer em brinquedos, roupas infantis, discos, CD-ROM, quadrinhos, internet etc. A Globo só não tem direitos sobre a obra literária, responsabilidade da Brasiliense desde 1946, de acordo com um contrato assinado com o próprio autor.

No entanto, a herança cultural de Lobato, na vida real, não navega em águas claras como na fantasia. A família, representada pela Monteiro Lobato Licenciamentos, briga na Justiça em oito processos movidos contra a Editora Brasiliense, o principal deles para rescisão desse contrato. Segundo Jorge Kornbluh, diretor da Monteiro Lobato Licenciamentos, grandes editoras brasileiras teriam interesse em publicar os títulos do principal autor infantil do Brasil que estariam com vendas “medíocres” e cuja obra estaria “mal cuidada”.

A Brasiliense nega. “Medíocre foi a atitude deles de embargar na Justiça a distribuição dos livros”, diz Edson Amaral Boucault Ávilla, advogado da editora, referindo-se a Reinações de Narizinho no Reino das Águas Claras, lançado em 1998 (leia texto nesta página). Kornbluh é casado com Joyce Campos Kornbluh, neta de Lobato. Os outros familiares representados pela empresa são o neto Rodrigo Monteiro Lobato e sua ex-mulher, Marlene de Lintz.

A família assinou contrato com as Organizações Globo em 23 de julho de 1999, cedendo à empresa o controle sobre os direitos de licenciamento de produtos no varejo, sob responsabilidade da Globo Marcas. Mas até DVD, longa-metragem e parque temático a Globo poderá negociar com terceiros.

À família cabe autorizar ou não esses produtos. O mesmo havia sido feito, em menor escala, entre 1979 e 1989, quando o Sítio foi exibido na emissora pela primeira vez. “Se, no amadorismo, os direitos autorais resultantes das vendas comerciais eram satisfatórios, com profissionalismo, imagina só!”, diz Kornbluh.

A Globo não detém, ainda, os direitos para produção teatral, que até o fim deste ano pertencem com exclusividade a Cínthia Abravanel, filha de Silvio Santos, que produziu no Teatro Imprensa, em São Paulo (do Grupo Silvio Santos), No Reino das Águas Claras. Após o fim do contrato, a família de Lobato pretende renovar com Cínthia, mas essa negociação já será feita com a Globo.

Esse poderio global só não é total em função do contrato que Lobato fez com a Brasiliense, cedendo à editora os direitos sobre sua obra literária em português para o Brasil. A família de Lobato processou a editora, alegando que a publicação de Reinações em 1998 continha alterações no título, na edição e nas ilustrações feitas sem consulta aos herdeiros. Uma perícia do Instituto de Criminalística de São Paulo foi favorável à Brasiliense. A família está disposta a recorrer, se for necessário, até a última instância, o STF (Superior Tribunal Federal). A Brasiliense também. “A editora defenderá seus direitos, pois nossas obrigações contratuais estão sendo atendidas”, afirma Ávilla. Ao que tudo indica, a situação promete uma longa batalha judicial que nem a magia do pirlimpimpim levaria para a terra do faz-de-conta.