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Há 30 anos, Paço de S.Bernardo recebia nome de Tancredo Neves

Evento promovido em 20 de agosto de 1985 teve presença de Aécio Neves; ato reuniu 3.000 e marcou luta do Grande ABC pela democracia

Por Ademir Medici
Roberto Silva
Do Diário do Grande ABC
20/08/2015 | 07:01
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Montagem/DGABC


“As novas gerações não podem permitir que regimes autoritários floresçam novamente no Brasil.” Foi com esse discurso que o prefeito de São Bernardo Aron Galante (então PMDB) nominou oficialmente o Paço de Presidente Tancredo Neves, em 20 de agosto de 1985, há exatos 30 anos, por meio do decreto 8.103. Era comemoração do 432º aniversário da cidade.

A homenagem ocorreu “pelos ideais de democracia” do político mineiro, que havia adoecido em 14 de março do mesmo ano, véspera de sua posse como comandante do País, após 21 anos de ditadura, e morrido de infecção generalizada em 21 de abril.

Ainda hoje está preservada a coluna do prédio da Prefeitura, revestida de mármore, que recebeu as inscrições da data e da nomenclatura do edifício. À época de seu descerramento, a família Neves foi representada por Aécio Neves da Cunha e Andréa Neves, netos de Tancredo.
‘Aecinho’, como era conhecido, tinha 25 anos e era diretor da Caixa Econômica Federal, nomeado logo após a morte do avô, de quem, até então, era secretário particular.

Mas até 1985, a obra política de ‘Aecinho’ era ter nascido neto do presidente falecido, que na verdade não tinha sido presidente, como relatou o repórter do Diário à época Nelson Tucci. Apesar do certo anonimato, ele era a estrela da festa. Quando Aécio apontou no palanque, foi ovacionado pela pequena multidão de 3.000 pessoas que acompanhavam o evento – além dos discursos políticos, houve apresentações musicais. Jovens histéricas se espremiam nas grades, como se fosse um show do Menudo. Os gritos eram de “lindo, lindo, lindo” e “é o Aécio, oba!”.

Para Tucci, no entanto, tratava-se de claque organizada pela Prefeitura. “Ninguém sabia direito quem ele era. Tinha comprometimento com a família dele, até então. Nem ele sabia direito porque era tratado de maneira tão importante naquele dia. Hoje ele é preparado”, relembra hoje o jornalista de 60 anos.

O neto de Tancredo distribuiu autógrafos, todos com largo sorriso no rosto. E, ao chegar sua vez de falar ao microfone, estava visivelmente emocionado. “Tenho certeza que São Bernardo vai ficar para sempre em nosso coração. Hoje vamos embora, mas isso não se apagará de nossa memória.
Amamos vocês”, discorreu, em discurso lido. “A Nova República ainda é uma longa estrada a percorrer, uma tarefa inacabada, que representa o resgate de nossa dignidade e liberdade (…) Não tenho dúvidas que, inspirados no ideal de Tancredo Neves, haveremos de fazer desde Brasil uma grande Nação”, enfatizou.

Em concorrida entrevista coletiva a repórteres de todo o País que acompanharam o evento – inclusive Carlos Nascimento, empunhando latinha da TV Globo aos 30 anos –, Aécio falou sobre a possibilidade de concorrer à Constituinte. Se for para atender ao chamamento dos jovens e estes amigos de Tancredo, sempre defendendo os interesses de Minas Gerais, me candidatarei”, frisou, em resposta bem ao estilo de político.

No ano seguinte, Aécio foi eleito deputado federal pelo PMDB. Filou-se no PSDB em 1989, partido pelo qual foi reeleito em 1990, 1994 e 1998. Depois disso foi presidente da Câmara Federal, governador de Minas Gerais, senador e candidato à Presidência da República pelo ninho tucano.

SEM INAUGURAÇÃO
Não houve inauguração do prédio do Paço naquele 1969. Em setembro começa a ocupação do edifício construído pela administração do prefeito Hygino Baptista de Lima (1964-1969), mas o primeiro a sentar na cadeira número um da Prefeitura foi Aldino Pinotti (1969-1973), adversário do antecessor. Por isso nenhuma placa foi colocada no local e não houve qualquer festa de inauguração.

Comercial de TV reconstruiu a história da ‘democra’... cia

Para divulgar o evento que daria o nome de Presidente Tancredo Neves ao Paço, o prefeito Aron Galante não economizou. Mandou fazer um comercial para ser veiculado na televisão. Custou 500 milhões de cruzeiros. Hoje seriam R$ 1,15 milhão. O gasto foi considerado abusivo pelos vereadores da época, que criticaram a iniciativa.
Caro ou barato, fato é que o clipe recontou uma página importante da redemocratização do País. No vídeo, 1.000 crianças da rede infantil de ensino escreveram com os próprios corpos a palavra “DEMOCRACIA” no mosaico português da Praça Samuel Sabatini.

Seis anos antes, mais precisamente em 23 de março de 1979, os metalúrgicos que lutavam contra o regime militar tentaram fazer a montagem em protesto, pois a sede do sindicato estava ocupada por soldados e o Estádio da Vila Euclides, interditado. Conseguiram montar apenas “DEMOCRA”. Foram repelidos pelas bombas de gás atiradas pela polícia. “A intenção é demonstrar que a democracia foi completada”, justificou Aron, na ocasião.

A foto da tentativa dos trabalhadores virou cartão-postal, idealizado pelo jornalista Édison Motta (que morreu dia 27 de julho), que era assessor do então prefeito Tito Costa (1977 a 1983), que gostou da sugestão e nomeou a imagem: “A democracia inacabada.” No verso do postal, a frase: “Na caligrafia do povo, a razão maior de uma luta comum.”

HOJE, UM PISCINÃO
A mensagem inundou São Bernardo, extrapolou fronteiras do Grande ABC, foi levada, mesmo que amassada, na mochila de repórteres e fotógrafos de muitas redações de São Paulo e outras cidades naqueles momentos de 1979 em que os metalúrgicos faziam a sua primeira greve geral, depois das greves da Scania, da Ford e da Fontoura do ano anterior. E, a partir de São Bernardo, começava a se escrever a história da Nova República brasileira.

O tempo passou. Os metalúrgicos chegam ao poder pelo seu líder maior, o já ex-metalúrgico. O edifício do Paço permanece. Mas o repórter-fotográfico que galgar o 18º andar não verá mais lá embaixo os desenhos formados pelos mosaicos mais escuros e mais claros. Decide-se por um imenso buraco apelidado de piscinão de combate às enchentes nestes tempos de estiagem.
Sobrevivem as cópias do cartão-postal. Ficam as histórias advindas daquela fotografia. E as lembranças dos metalúrgicos aposentados que sobreviveram. O vermelho do PT abre espaço ao verde-amarelo das passeatas contra o governo de Dilma Rousseff (PT).

Do nosso canto, gritamos baixinho: quem nos devolverá os mosaicos portugueses, as cerejeiras japonesas que Riuichi Matsumoto plantou, os espelhos d’água com seus jatos multicoloridos, o busto de Dom Pedro, os canteiros de rosas cultivados pelo prefeito Pinotti?
Pensando bem, a quem essas coisas interessam? Pinotti e Matsumoto já morreram mesmo, não é?

‘Homenagem foi oportunista’, diz jornalista do Diário à época

Nelson Tucci cobriu a solenidade que nomeou o Paço são-bernardense. Trinta anos depois, pontua suas impressões daquele início de tarde de agosto de 1985.

“Foi oportunismo dar o nome de Tancredo Neves. Foi um presidente que não foi empossado, era virtual. Era um momento de comoção nacional, por isso talvez tenham escolhido. Como político, era o que tinha de melhor. As fichas (para comandar a volta da democracia) estavam sendo colocadas nele. Depois de um tempo de sua morte, muitas ruas e avenidas pelo País e qualquer lojinha de 1,99 tinham seu nome”, analisa Tucci.

Na opinião do repórter, havia outras pessoas importantes que poderiam ter sido homenageadas, apesar de que naquele momento o político mineiro “capitalizava um naco de esperança, para o povo, que sofria há 21 anos com o regime militar”. “O Teotônio Vilela (senador alagoano que morreu em 1983) tinha ligação com o Tito Costa. Uma vez tirou o Lula de dentro do Paço para não ser preso pela polícia. Tinha compromisso com movimentos sociais do País e de São Bernardo. Sabia chegar na cidade sozinho, Tinha mais a ver.”

O jornalista completa: “Duvido que ele tenha voltado ao Paço depois daquele dia”.

Tito Costa, hoje com 92 anos, também é enfático ao discordar da deferência a Tancredo. “Foi uma bobagem histórica. Não era adequado. Mas não vou criticar agora”, discorreu, sem se estender.

Ato também foi marcado por disputa entre PMDB e PT

Havia um componente político importante na homenagem. O prefeito Aron Galante afirmava que São Bernardo teve relevância na conquista da democracia. Um assessor que não quis se identificar à época – e Nelson Tucci não recordou seu nome em conversa com a equipe de reportagem nesta semana – disse que a intenção também era “mostrar ao País que o município não é só greve e não existe somente o Lula; mas sim que o PMDB tem importância política decisiva no processo”.

Aron Galante lembra hoje, aos 83 anos, sem estar filiado a qualquer partido, o momento político da ocasião. “A bancada do PT na Câmara fazia oposição ao meu governo. Mas todos defendíamos a plena democracia. Era uma briga de todos, da sociedade. Tínhamos de simbolizar a liberdade”, recorda.

O jornalista Hildebrando Pafundi, que cobriu o evento pelo jornal O Estado de S. Paulo, afirma hoje que a festa de nomeação do edifício público foi um fato que marou o início da redemocratização. “Se as greves e as lutas de antes ficaram na história, aquele ato também pode ser considerado importante.”

O repórter do Diário Nelson Tucci corrobora. “Era importante marcar posição de que não era só o PT que estava na luta. Na verdade, o movimento começou com o PMDB.” 




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