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Balé não é só
coisa de menina
Juliana Ravelli
Do Diário do Grande ABC
14/03/2010 | 08:17
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Não foi à toa que o francês Maurice Bejart - um dos mais importantes coreógrafos do século 20 - disse: "A dança é homem". Afinal, pesquisadores afirmam que a maioria das danças de diversas etnias na África, Ásia e América sempre era voltada para o sexo masculino. Outro homem, o rei da França Luís XVI, foi responsável pelo principal impulso para o desenvolvimento do balé clássico ao criar, em 1661, a Real Academia de Dança.

Desde então, a participação masculina é essencial para a evolução dessa arte. Aliás, o que seria das bailarinas sem eles? Mas dedicar-se ao balé não é fácil. Engana-se quem imagina que os passos são delicados. Da mesma forma que as meninas, os rapazes que desejam se profissionalizar passam horas intermináveis nas salas de aula em busca da técnica perfeita. Suor, dores e machucados fazem parte da rotina.

E para o bailarino não basta apenas dançar bem, é preciso ainda ser bom partner (parceiro, em francês). "Tem de priorizar a bailarina, cuidar dela. Bons partners são raros. Sempre vai ter emprego para eles", afirma Erinaldo Conrado, professor de pas de deux (dança do casal) do Kleine Szene Estúdio de Dança, em Santo André.

DESAFIOS
As dificuldades não ficam restritas à execução de passos. Em geral, meninos começam mais tarde do que as meninas porque nem sempre contam com o apoio da família ou têm coragem para encarar o preconceito.

Caio Fernandes, 20 anos, iniciou o clássico aos 16 e teve de persistir muito para convencer os pais de que seguiria a carreira artística. "Queriam que eu fizesse faculdade para ter emprego com carteira registrada", diz. Ele enfrentou tudo com determinação e no ano passado saiu de casa, em Guarulhos, para viver em Santo André. Pela manhã, trabalha na secretaria da escola em que faz balé. Às 14h30, inicia a maratona de aulas e ensaios, que só acabam no fim da noite. "Tudo vale a pena", garante.

Mesmo com o apoio dos pais, Darcio Wilson Gonzales, 17, começou o balé aos 15. No entanto, isso não o impede de trabalhar duro em busca de seu sonho. "Não me vejo fazendo outra coisa. Se aparecer uma oportunidade no Exterior, vou embora. Se não der, tento entrar numa companhia no Brasil."

PRECONCEITO
Humberto Ramazzina dos Reis, 12, passeava com o avô quando parou para ver uma aula de balé. Interessou-se e pediu aos pais para conhecer. Na época, tinha apenas 6 anos. No colégio, todo mundo sabe que ele adora dançar, e já teve de ouvir poucas e boas de quem não tem noção do que é ser bailarino. "Já me chamaram de gay e veadinho, mas nem ligo", diz o garoto, que já participou de duas óperas no Teatro Municipal de São Paulo.


Musicais oferecem boas oportunidades

Conseguir espaço no mercado de trabalho brasileiro ainda é tarefa árdua para bailarinos. No entanto, as oportunidades estão aumentando nos últimos anos graças ao crescimento dos musicais. Para se ter ideia, em São Paulo há quatro superproduções em cartaz - O Rei e Eu (Teatro Alfa), Hair Spray (Teatro Bradesco), Cats (Teatro Abril) e O Despertar da Primavera (Teatro Sérgio Cardoso). Segundo a coreógrafa Fernanda Chamma, o balé clássico é essencial para quem deseja disputar uma vaga nesses espetáculos, pois os passos desse estilo são pedidos na maioria das audições. Mas só isso não basta. É preciso investir em aulas de canto e teatro musical. Quem se destaca pode ter retorno financeiro rápido. Os grandes musicais pagam bons salários, que chegam a R$ 5.000.

"Aula de clássico deve ser feita sempre. Dá limpeza de movimento, consciência corporal e muita disciplina", afirma Fernanda. A atriz Claudia Raia e seu elenco, por exemplo, não iniciam uma apresentação de Pernas Pro Ar sem antes terem feito aula de balé. Fernanda, que participou da montagem de Hair Spray, explica que bailarinos têm mais facilidade para aprender coreografias. Apesar das boas perspectivas, ela alerta: "Não basta ser ótimo bailarino, cantor e ator. O mercado está interessado em bons profissionais, que cumpram horário e tenham responsabilidade".


Trockadero satiriza balé

O Ballet Trockadero de Monte Carlo é a única companhia de dança no mundo em que homens usam sapatilhas de ponta - aquelas que mulheres utilizam para ficar sobre os dedos dos pés. Aliás, as garotas não têm vez no grupo cômico, que nasceu nos Estados Unidos, na década de 1970.

Os caras se revezam em papéis femininos e masculinos e transformam os clássicos do balé em grandes sátiras. Além das pontas, usam tutu (como são chamados os figurinos), perucas e maquiagem carregada. E engana-se quem pensa que eles só brincam no palco. Apesar das gracinhas, dançam bem de verdade. Em agosto, se apresentarão em São Paulo.

 

MITOS DO SÉCULO 20
Você nunca deve ter ouvido o nome deles, mas alguns fizeram história. Confira:

Vaslav Nijinski (1889-1950) foi bailarino e coreógrafo russo, considerado gênio da dança. Seus saltos impressionavam a plateia pela dificuldade. Teve vida conturbada, aos 29 anos foi acometido por doença mental. Morreu numa clínica psiquiátrica.

O russo Rudolf (Rudi) Nureyev (1938-1993) começou o balé aos 17 anos. Isso não o impediu de se transformar em mito. Em 1961, exilou-se na Europa, onde conheceu a bailarina Margot Fonteyn. Ela estava se aposentando aos 43 anos, mas prorrogou a carreira por 15 anos; era 20 anos mais velha. Rudi morreu de Aids.

Mikhail Baryshnikov (1948) nasceu na Letônia, mas exilou-se no Canadá em 1974 e depois naturalizou-se norte-americano. É um dos nomes mais populares da dança clássica, reconhecido pelo talento artístico e técnico. Além de estrela do American Ballet Theater, fez dois filmes importantes e participou de séries na TV.


Do Brasil para os palcos do mundo

O amazonense Marcelo Gomes, 30 anos, e o carioca Thiago Soares, 28, deixaram o Brasil e se transformaram em estrelas internacionais. Eles ocupam o posto mais importante em duas renomadíssimas companhias de balé do mundo. Marcelo é primeiro bailarino do American Ballet Theater, de Nova York. Thiago é primeiro bailarino do Royal Ballet, de Londres.

Marcelo começou a dançar com 5 anos. Na época, assistiu a uma única aula e já disse à professora: "Eu consigo fazer esses passos". Daí não parou mais. "Saí daqui aos 13. Foi muito difícil, ir embora sem falar inglês, deixar a família e amigos. Não esperava que minha carreira fosse estourar", diz.

Thiago começou no street dance, não pensava em se profissionalizar no clássico. Fez jazz e dança moderna antes de se dedicar inteiramente ao balé. Na época tinha 16 anos. Em pouco tempo, integrava a companhia do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Marcelo e Thiago sempre arrumam um jeitinho de dançar no Brasil e matar a saudade. Em dezembro, estiveram aqui para apresentar O Quebra-Nozes, em produções diferentes.

Talento supera as adversidades

O carioca Irlan Santos, 19 anos, driblou muitas dificuldades, aproveitou o talento e as oportunidades e transformou um futuro aparentemente sem perspectivas em vitórias. O garoto, que vivia na favela do Complexo do Alemão, integra hoje a companhia 2 do American Ballet Theater, uma das principais do mundo. Irlan também é uma das estrelas do documentário Only When I Dance (Só Quando Eu Danço), da diretora inglesa Beadie Finzi. Em 2009, o longa foi a sensação do Festival de Cinema de Tribeca, em Nova York. Foi chamado pelo jornal New York Times de ‘Billy Elliot da vida real'.

"Irlan é maravilhoso. Sabia o que queria e acreditava nas pessoas que o cercavam. Seu talento é indiscutível. Nasceu para a dança", afirma Mariza Estrella, diretora do Centro de Dança Rio, onde ele estudava desde os 11 anos. No início, queria sapateado. Só depois se encantou pelo balé.

Em pouco tempo, já era premiado. Em 2005, ficou em primeiro lugar no Youth America Grand Prix, de Nova York. Em 2008, venceu o importantíssimo Grand Prix de Lausanne, na Suíça.




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