Quando a gente é criança, parece que o carro é uma máquina muito complicada e que vai demorar séculos para passar para o banco da frente e assumir a direção. Mas nem demora tanto tempo assim, vai!

Quem tem 17 anos - no Brasil, só é possível guiar a partir de 18 anos -, com certeza, está pensando se vai ou não tirar a Carteira Nacional de Habilitação e assumir todas as responsabilidades e liberdades que vêm junto no porta-malas.

Há quatro meses com a permissão no bolso, Douglas Kenji Otsuka, 19 anos, de Santo André, diz estar curtindo a possibilidade de ir e vir quando quer. "Ainda não tenho meu carro, mas uso o do meu pai. Não preciso mais ligar para alguém me buscar ou ficar dependendo de carona. É uma beleza."

O garoto demorou um pouquinho para entrar na autoescola porque só podia fazer aulas aos sábados. "O curso teórico é muito chato e cansativo. Também não gostei da prova prática porque fui reprovado na primeira vez. Estava nervoso." Douglas não sabia dirigir porque o pai não deixou que ele aprendesse antes. "Foi melhor assim. Quem já sabe não consegue eliminar alguns vícios de direção e se complica."

Aliás, o nervosismo no teste prático atrapalha tanto que alguns desistem. Larissa Lima, 20, de São Paulo, acaba de ser reprovada . "O trajeto e o que se tem de fazer não são complicados, mas fiquei tão descontrolada que nem sei o que errei. Para mim, isso não avalia o quanto se sabe dirigir, mas o auto-controle de cada um."

Larissa está dando um tempo para marcar a segunda tentativa, mas sem pressa. "Não tenho carro e uso transporte público, mas acho importante saber dirigir, além de ser muito mais confortável e cômodo."

Salomão Rabnovich, diretor do Centro de Psicologia Aplicada ao Trânsito, endossa a opinião de Larissa. "A prova prática não avalia nada, é uma piada. O condutor tem de estimular o cérebro e treinar bastante. Precisa de tempo para isso. Dirigir não é complicado, é complexo. Qualquer um pode."

Regulamentação - O Código de Trânsito Brasileiro, que regula e controla tudo, dedica um artigo inteiro, o 140, para a primeira carta (ou permissão para dirigir). Nessa fase, é concedida a permissão provisória; a permanente vem se o condutor não cometer infração grave ou gravíssima ou ser reincidente em infração média. A renovação é feita a cada cinco anos.

Na expectativa de ser liberada
A três meses de completar 18 anos, Ana Cláudia Fernandes, de Santo André, já pensa em tirar a habilitação. "Sei que mudaram algumas coisas, como a exigência de aulas à noite." Em 17 de maio deste ano entrou em vigor a portaria 347 do Departamento Nacional de Trânsito, que obriga o candidato a fazer, pelo menos, 20% das aulas no período noturno.

Quem quer tirar carteira deve comparecer a um Centro de Formação de Condutores (CFC), a antiga autoescola. Primeiro, vai fazer exames de aptidão física, psicotécnico, 45 horas/aula teóricas e prova teórica no Detran. Após essa etapa, faz 20 aulas práticas, no mínimo, em que se aprende o básico, e realiza a prova prática de condução, na companhia do fiscal.

"Tenho medo de ficar nervosa e ser reprovada", diz Ana, que teme a baliza, mas reconhece que é preciso rigor. "Motorista precisa ter consciência de que pode machucar os outros."

Mesmo sabendo, não deve dirigir
Alguns garotos não aguentam esperar até 18 anos para pegar o carro, como C.A, 21, de Santo André. "Meus pais sempre dirigiram bem. Quando tinha 12, meu pai morreu e minha mãe me ensinou. Peguei o carro pela primeira vez com 15", conta o garoto, que jura que nunca abusou. "Dava voltas no quarteirão e ia comprar coisas no mercado, sempre aos domingos ou no Interior, onde é mais tranquilo."

A paixão era tanta que aos 16, experimentou moto. "Até hoje, tenho uma. Quando completei 18, fiz a prova e passei." Ele conta que, uma vez, foi parado pela polícia, mas como era perto da casa dele não aconteceu nada. "Se a pessoa aprende a dirigir com alguém preparado, não tem problema treinar em áreas vazias. Tudo para não machucar ninguém."

Dirigir sem habilitação é crime. Quando se trata de menor de 18 anos, o punido é seu responsável ou proprietário do veículo, com detenção de seis meses a um ano ou multa.

Adolescente representa perigo?
Pesquisa da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo mostra que 40% das ocorrências envolvem adolescentes - principalmente nas madrugadas de fim de semana. "Não que o jovem não tenha capacidade - pelo contrário - mas está na fase de provar a liberdade, de expansão social e de experimentação de álcool. A combinação é perigosa", explica Eduardo Biavati, sociólogo e autor do livro Rota de Colisão.

De acordo com o sociólogo, o motorista com carta recente não tem as ‘manhas' do trânsito nem noção da responsabilidade de conduzir um veículo. "Ele não aprende nem 1% do que precisa na autoescola. Além de ensinar as regras, deveriam mostrar os riscos na prática." Na Europa e Austrália, o jovem passa pela habilitação graduada, em que é acompanhado por alguns anos depois da carteira. "Não basta correr e ter reflexo. O bom motorista sabe o que fazer quando está sozinho", acrescenta Salomão Rabnovich.

Como é nos outros países?
A maioria dos estados norte-americanos permite que o adolescente dirija com 16 anos, e Dakota do Sul chega a autorizar com 14. Prova disso é Justin Bieber, 16. O cantor acaba de se motorizar e já foi visto com uma Lamborghini branca, presente do rapper Sean P-Diddy.

Diferentemente do Brasil, as autoescolas dos Estados Unidos não têm carro para treinar. Cada aluno aprende a dirigir no seu próprio veículo. No Japão, além das aulas práticas e teóricas, é preciso fazer simulação (em uma espécie de game) antes de sair às ruas.

Não é só carro
No Brasil, só é permitido pilotar moto a partir de 18 anos; no Japão, é 16. E aqui a idade mínima para conduzir ônibus e caminhão é 21 anos.

Para navegar uma embarcação, inclusive jet ski, a Marinha do Brasil exige que a pessoa esteja habilitada. Para isso, deve ter 18 anos e fazer curso na categoria arrais amador. O Código de Trânsito Brasileiro não específica se o condutor de bicicleta motorizada precisa ter habilitação.