Os brasileiros pagam uma das maiores tarifas de energia elétrica no mundo, apesar de o País ter um dos menores custos de produção. Partindo desse princípio, a indústria paulista buscou explicações para essa distorção. O resultado dos estudos aponta para os elevados custos de amortização dos investimentos do setor que, embora já pagos pelos consumidores, continuam sendo embutidos em suas contas. Os reflexos são sentidos pelos pontos domiciliares, comerciais e industriais que consomem energia elétrica. Na indústria, interfere nos custos de produção e na competitividade no mundo cada vez mais globalizado.
A forma de rever o modelo é promover novos leilões para que as mesmas companhias que hoje operam o setor energético, ou outras que venham a vencer as licitações, passem a cobrar preço justo pela energia fornecida ao consumidor. Embora o benefício seja possível somente a partir de 2014, quando começarão a vencer 65% dos atuais contratos de concessão das usinas hidrelétricas renovados nos anos 1990, debate nacional sobre o assunto acaba de ser aberto em São Paulo pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.
Inicialmente, a entidade entrou no Tribunal de Contas da União com representação para assegurar que o Ministério de Minas e Energia e a Agência Nacional de Energia Elétrica promovam novos leilões de concessão, em vez de simplesmente prorrogar os atuais contratos. O seu presidente, Paulo Skaf, expôs os argumentos nesse sentido em audiência pública. Skaf defendeu que, com os leilões, será possível baixar a conta de luz "de 15 a 20% para todo mundo, linearmente".
Segue a íntegra da entrevista:
APJ - Por que o sr. defende os leilões?
Paulo Skaf - Uma conta que já foi paga por todos os consumidores brasileiros não pode continuar sendo paga. As usinas foram construídas na década de 1960. Em 1993, receberam US$ 27 bilhões como compensação por prejuízos. Atualizado, esse valor hoje é de R$ 144 bilhões. Em 1995, como prêmio de consolação, ganharam prorrogação por mais 20 anos. Não têm nenhum direito à amortização nesse momento. No caso da transmissão e da distribuição, teriam sim alguns direitos em relação a investimentos feitos.
APJ - Feito o manifesto, qual será o próximo passo?
Skaf - O próximo passo é contarmos com o envolvimento da sociedade. O Brasil produz a energia mais barata do mundo e cobra do consumidor o terceiro preço mais caro do mundo. Esse é um tema que interessa a todos. Todo mundo paga uma conta de luz, e paga caro. No entanto, poucos estão a par de que o grande custo do preço da hidroeletricidade é a amortização. Fazendo-se leilões para novas concessões, haverá uma grande redução na tarifa. É uma oportunidade de baixar o preço da conta de luz de todo mundo. Sem falar que, com isso, estaremos cumprindo a lei. A rigor, não deveríamos nem estar discutindo isso, porque a lei determina que sejam feitos novos leilões. E a Constituição no seu artigo 37 determina que concessões públicas deverão ser feitas somente através de leilões públicos, com transparência, dando condições iguais a todos os interessados. Seja pela legislação em vigor, seja pelo princípio constitucional, não deveria haver nenhuma dúvida.
APJ - Quais são os aliados da Fiesp nessa campanha?
Skaf - Todos os setores industriais são aliados, não só os eletrointensivos. Mas não só os setores industriais. Todo mundo que paga uma conta de luz. Aliados nossos são todos os que ficam a par da história. Na medida em que as pessoas ficam a par do que está acontecendo e do que poderá acontecer, passam a ser aliados e logicamente todos passam a defender o certo. E o certo é cumprir a lei e respeitar o consumidor.
APJ - E os adversários da tese dos leilões, quais são?
Skaf - Os governos, seja por causa das estatais, seja pela arrecadação de impostos, a princípio esquecem de defender o que seria correto, o cumprimento da lei, e defendem as estatais e meia dúzia de empresas, e o seu interesse de cobrar mais impostos da sociedade. Alguns governos estaduais e a Eletrobras gostariam muito de prorrogar e deixar as coisas como estão. Mas, quando se defende uma conta de energia a preço justo, isso beneficia também as prefeituras e os governos, porque eles também gastam luz. Os governos de um lado têm interesse nas estatais, e de outro são consumidores de energia também. Os hospitais têm interesse, os hotéis, as residências, as indústrias, todos os que pagam conta de luz. Qualquer um que tenha conhecimento disso não teria razão nenhuma de não defender os leilões, por ser o certo e o melhor para o consumidor. Os que defendem a prorrogação querem mudar a lei, mudar a regra do jogo para postergar de forma que prejudique todos os consumidores brasileiros.
APJ - Esse assunto não aflorou na campanha eleitoral. Por quê?
Skaf - Por falta de conhecimento, de informação. Se não estivéssemos mexendo nesse assunto agora, não estaríamos discutindo. A sensação que eu tenho é que havia um acordo para prorrogar, e aos mesmos preços. Me lembro de declarações do Mauro Arce (presidente da Cesp) de que seria muito difícil mexer. Havia mais ou menos um tipo de entendimento para prorrogar e manter os preços ou fazer um descontinho e ainda as manchetes ficarem bonitas: olha, as concessões foram prorrogadas e conseguiu-se reduzir o preço.
APJ - Qual seria o impacto na indústria paulista com tarifa mais justa de energia?
Skaf - Ontem (quarta-feira) eu estava com o presidente de uma empresa multinacional eletrointensiva do setor de alumínio e ele dizia que o preço da energia elétrica estava tão distorcido no Brasil que a empresa dele produz 70% do consumo e compra 30%, e isso está inviável. Não há mais condições de manter investimentos no Brasil. Não há mais competitividade. Isso não é um problema da indústria, é um problema do Brasil. É a competitividade brasileira que está em jogo. Essa batalha não é só da indústria.
APJ - Há tempo hábil de ser rever a questão até 2014/2015?
Skaf - Total. Os que defendem a prorrogação, os interessados diretos, as empresas que têm geração, transmissão, e que querem continuar, começaram com o argumento de que não havia mais tempo para fazer leilão. Faltam quatro anos. O argumento era tão fraco que rebatemos e ninguém falou mais nisso. Ou se fala a verdade, ou não se fala a verdade. O argumento foi tão usado, por que não está se falando mais? Porque quem estava falando, estava enganado. Assim como se fala que poderá prejudicar a qualidade do serviço. Ora, o que estamos tendo aí é problemas de falta de qualidade no serviço. Com os novos leilões e novas possibilidades e eventualmente novas empresas, só pode melhorar, não prejudicar. Vieram também com argumento falso de que seria privatizar o sistema energético, isso não é verdade. Ninguém está falando em pôr em leilão companhias, mas pegar uma determinada usina, que foi construída, que o vencimento da concessão vai terminar e a lei determina que os bens voltem para a União e seja feito um novo leilão. E que a própria empresa concessionária poderá participar e ganhar, ou uma outra, aquela que der o menor preço e em melhores condições. Cesp, Cemig, Chesf e outras teriam todo o direito de entrar no leilão e com toda chance de ganhar um novo período de concessão, mas a preço que beneficie o consumidor.
APJ - Como anda a saúde do setor energético?
Skaf - É supercompetitivo porque 80% da matriz é hidroeletricidade, é a forma mais barata possível de gerar energia. O pesado de uma hidrelétrica é o investimento, é preciso amortizar o investimento, mas depois disso... Imagine se nós agora fôssemos um grupo investidor, que contas faríamos? A usina já está pronta. Não precisa investimento. Uma hidrelétrica que tem 10 turbinas, você não vai colocar a décima primeira, não existe isso. Quem pega uma concessão, no minuto seguinte aquela água que está passando na turbina está virando faturamento. Não tem que investir nada, está pronta, tem que operar e manter. O que se quer é continuar cobrando amortização que não vai existir.
Economia será de R$ 30 bilhões por ano
O custo de energia elétrica no Brasil engloba o seu valor, o custo de operação, a remuneração do capital investido, os impostos e encargos setoriais e a amortização dos investimentos das empresas concessionárias. Atualmente, o preço médio da energia é de R$ 90,98 por megawatt-hora. No entanto, o custo médio de produção é de apenas R$ 6,80 por MWh, segundo a Fiesp.
Nos leilões mais recentes de concessão o preço da energia gerada, descontada a amortização dos investimentos, é de R$ 20,69 por MWh.
A Fiesp defende que a diferença embute altíssimos custos de amortização e que as usinas já tiveram seu investimento amortizado. Em alguns casos, estão na mão dos mesmos concessionários há mais de 50 anos. "O que está em jogo na discussão do vencimento das concessões do setor elétrico é a exclusão da amortização já recuperada dos investimentos no preço final da energia elétrica paga pelos consumidores", diz estudo da entidade. Com preço justo de energia, a economia seria de R$ 30 bilhões por ano.
Concessionários querem a prorrogação dos contratos
Os atuais concessionários querem que a lei seja modificada e que os contratos sejam prorrogados. Representantes das entidades que reúnem as empresas de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica defendem a prorrogação dos atuais contratos de concessão. Eles reclamam de "insegurança jurídica" e apresentam pesquisas segundo as quais 75% da população aprova a qualidade do serviço de fornecimento de energia elétrica.
Para os concessionários, o fato de o preço ser um dos mais caros do mundo se deve aos impostos e encargos. Segundo as entidades, para a maioria das usinas a remuneração projetada não foi alcançada e não há flexibilidade para baixar os preços das tarifas.
A presidente da comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado Federal, Lúcia Vânia (PSDB-GO), lamentou que o governo ainda não tenha definido o que pretende fazer ou ao menos sinalizado quais serão as suas diretrizes. Essa indefinição está "gerando angústia" entre os concessionários, diz ela.
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