O início das lendas e mistérios que fizeram de Santiago de Compostela uma das principais rotas de peregrinação do mundo remonta ao ano de 813, quando um bispo da região da Galícia chamado Teodomiro soube da aparição de uma estrela fixa no céu a iluminar o local onde supunha-se estarem enterrados os restos mortais do apóstolo Tiago, decaptado no ano 44, a mando de Herodes de Agripa, o rei da Judéia.

Embora não houvesse registros da presença do apóstolo por aquelas paragens da Espanha, o religioso mandou investigar e, ao fim das escavações, descobriu um jazigo de mármore com o nome do santo.

Desde então, Tiago transformou-se símbolo da resistência cristã contra o ataque de muçulmanos em território espanhol até que, em 997, os mouros atearam fogo na capela de pedra erguida em homenagem ao mártir.

Passados alguns anos, o rei Afonso III ergue novo templo no local, bem mais suntuoso que o anterior, e uma série de milagres atribuídos ao santo acabam por consolidar a região como importante foco de peregrinações, vindas de diferentes partes da Europa.

Foi assim que surgiram os diversos caminhos que, hoje, levam para o mesmo destino: a Catedral de Santiago de Compostela.

O mais famoso deles, e também o mais longo - eternizado no best-seller O Diário de Um Mago, de Paulo Coelho (leia reportagem na página 5) -, é o Caminho Francês, que costuma ser iniciado pelos peregrinos na cidade francesa de Saint-Jean-Pied-de-Port antes de adentrar a Espanha por Roncesvalles ou Carfrane. Mas também existem outros caminhos, como o do Norte, o da Prata (que passa pelo Sul da Espanha), o português, o inglês (que tem esse nome por ser o preferido dos andarilhos britânicos), as rotas marinhas e o Caminho Aragonês, que parte de Somport, a pouco mais de 900 quilômetros da catedral.

As formas de se chegar ao destino também variam: obtém o certificado de peregrino quem for a pé, a cavalo ou de bicicleta (desde que se ande, no mínimo, 100 quilômetros a pé ou 200 quilômetros pelos outros dois meios). Por isso, o ideal é que cada viajante opte pelo ponto de partida que lhe for mais conveniente, tendo como parâmetros o tempo disponível e o preparo físico.

Dicas no trajeto francês
1. Em Roncesvalles, vá direto ao prédio do Seminário Mayor de Santa Maria, onde é reservado um imenso quarto com beliches aos portadores da Credencial del Peregrino. Chegando lá, você pode descansar o resto da tarde; não esquecendo de, à noite, acompanhar a missa, com a solene Bênção dos Peregrinos seguindo antigos ritos medievais.

2. Na Vila de Muruzábal, entre Pamplona e Puente la Reina, não deixe de desviar-se um pouco da rota (20 minutos) para conhecer a igreja românica de Eunate, antiga possessão dos Cavaleiros Templários, um dos mais bonitos monumentos do caminho.

3. Em Puente la Reina é imperdível a Igreja de Santiago, também herança dos Cavaleiros do Templo de Salomão. Note a versão ibérica da cruz templária pintada nas paredes do templo.

4. Em Estella, suba uma colina (a cinco minutos do albergue) e aprecie a vista panorâmica da cidade a partir da Igreja de Santo Domingo.

5. Saindo de Estella, pare na Fuente del Vino, fonte com duas bicas. Em uma delas, água fresca; e na outra, puro vinho, e de graça!

6. No povoado de Azofra, pare para tomar café no bar e peça de presente a moeda cunhada pela vila em homenagem aos peregrinos. Depois, visite o campanário da Igreja Nossa Senhora de Los Angeles.

7. Em Santo Domingo de la Calzada, veja a gaiola com um galo e uma galinha vivos dentro do templo.

8. Na Vila de Villafranca Montes de Oca, no interior da Igreja de Santiago, aprecie uma pia de água benta original: uma imensa concha marinha trazida das Filipinas.

9. Vale hospedar-se em Viloria de Rioja no albergue de Acacio (brasileiro) e Orietta. O jantar é comunitário.

10. Se for pernoitar em Belorado, veja o pôr do sol a partir de um monte na parte Oeste da cidade, onde há ruínas de um antigo forte.

11. Em San Juan de Ortega, descubra o ‘milagre da luz' que ocorre nos equinócios, e conheça o padre José Alonso. Participe da ceia dos peregrinos no refeitório do monastério (que acolhe os viajantes em dois quartos) com a famosa sopa de alho oferecida pelo sacerdote.

12. Em Carrión de los Condes, conheça a Igreja de Santa Maria del Camino, albergue desde o século 9.

13. Na cidade de Burgos, não deixe de conhecer o centro histórico com uma das maiores catedrais góticas da Europa, onde dizem que os cabelos da escultura de Jesus crescem.

14. Em Frómista, visite uma das mais perfeitas igrejas do estilo românico: San Martín. Quase 20 quilômetros depois, em Villacázar de Sirga, conheça a igreja românico-gótica de Santa Maria, obra dos Templários.

15. Em Sahagún aprecie as igrejas de influência mourisca recobertas de ladrilhos, em especial a de San Tirso.

16. Em Bercianos del Camino, é tradição dos peregrinos reunirem-se para jantar e ver o pôr do sol. O albergue é velho, limpo e com excelente hospitalidade!

17. Em León, há dois albergues. O preferido é o Convento de Santa Maria del Carbajal, onde peregrinos são chamados pelas freiras ao cair da tarde para participarem de uma cerimônia com cânticos devocionais. Ainda em León, conheça a Capela Sixtina, com belíssimos afrescos do século 12, no museu da Basílica de San Isidoro. Também visite a catedral, marco do estilo gótico.

18. Depois de Astorga, faça ligeiro desvio da rota entrando no povoado de Murias de Rechivaldo para conhecer o povoado de Castrillo de Polvazares, todo em pedra.

19. É tradição secular dos peregrinos, ao passarem pela Cruz de Ferro, entre as vilas de Foncebadón e Manjarin, pegar pedra no início de sua caminhada e acrescentar ao grande monte, marcando sua passagem. Ritual antigo e carregado de simbologia.

20. Em Manjarin, imagine uma cidade medieval abandonada no alto da montanha e só uma casa de pé (logicamente, o albergue de peregrinos). Apesar de desconfortável, vale dormir lá. Você ouvirá ótimas histórias e poderá participar de um ritual templário.

21. Em Molinaseca, se for verão, aproveite as piscinas naturais do povoado. Passear pelos inúmeros bares e restaurantes da vila é obrigatório.

22. Em Villafranca del Bierzo, fique atento. Há dois albergues: um da prefeitura e outro (Refúgio Ave Fênix) de Jesus Jato, senhor que há mais de 30 anos acolhe peregrinos em sua própria casa. À noite, ele faz um ritual no refeitório, queima ervas e álcool em vasilha de cerâmica e prepara a fortíssima bebida Orujo.

23. Em Vega de Valcarce, fique no Albergue Nossa Senhora Aparecida, do brasileiro Itabyra do Carmo Cunha. Lá se respira ar carioca pelos quatros cantos, graças à música, ao artesanato e à gastronomia.

24. Desbrave Cebreiro, com casas de pedra seguindo a tradição celta. Assista à missa na única igreja do povoado e descubra o Santo Graal dos Peregrinos.

25. Em Melide, procure uma pulpería e deguste a especialidade local: polvos e vinhos.

26. No Monte do Gozo, a cinco quilômetros da Catedral de Santiago, é tradição secular descer o morro cantando. Se você estiver em grupo, o primeiro a avistar a catedral é tido como rei.

27. Na Catedral, procure descobrir com os que lá trabalham quando haverá a cerimônia do botafumeiro, realizada 20 minutos antes das missas principais para grupos de turistas (que pagam por isto) ou ao fim da missa das 12h. Também não deixe de tocar a coluna do Pórtico da Glória, dar uma abraço na estátua do apóstolo no altar-mor e visitar a singela cripta com os ossos do Santo.

28. Ainda em Santiago, pela manhã, vá a Finisterre. Depois de visitar o povoado, tomar banho de praia e se empanturrar de mariscos, percorra quatro quilômetros até o Cabo de Finisterre (imensa península que parece que será engolida pelo Oceano Atlântico). É tradição os peregrinos queimarem, ao pôr do sol, algumas roupas usadas durante a caminhada.