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Maior seca em 80 anos, confirma pesquisador
Wilson Marini
Para o Diário do Grande ABC
30/04/2015 | 07:00
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No século 17, o historiador e religioso inglês Thomas Fuller (1608-1661) escreveu que “enquanto o poço não seca, não sabemos dar valor à água”. O povo consagrou o provérbio que diz o mesmo com outras palavras: “Só percebemos o valor da água depois que a fonte seca”. Entre outubro de 2013 e fevereiro deste ano, o Estado de São Paulo assistiu à pior seca já registrada desde que começaram os registros meteorológicos no Sudeste brasileiro, há mais de 80 anos, segundo atesta o climatologista Carlos Nobre, diretor do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. De outubro de 2013 a março de 2014, choveu cerca de 50% do que deveria ter chovido nesses seis meses. E de outubro de 2014 ao fim de março de 2015 choveu 75% do que seria esperado. Os dados foram publicados na última edição do Jornal da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), sob o título ‘A era dos extremos’. Esta conclusão sobre a escassez hídrica no Estado não surpreende porque já havia sido divulgada em meados de 2014. Mas à época havia a expectativa de que pudesse ocorrer reversão da tendência na estação chuvosa do verão, o que acabou não acontecendo na proporção desejável. Assim, com a computação dos dados de ocorrência de chuvas o final do último verão, em março de 2015, pode-se analisar o período com equidistância e dessa forma ter uma noção ainda mais ampliada da intensidade da seca no Estado.

Fenômeno raro
“Uma seca como essa que afligiu São Paulo em 2014 é um fenômeno muito raro. Vamos supor que pudéssemos dizer que isso acontece, naturalmente, uma vez a cada 100 anos”, diz Nobre. “O que a mudança climática faz, e fará mais ainda no futuro, é diminuir esse período de recorrência. Não sabemos qual a diminuição ainda, precisamos estudar muito. Mas podemos dizer que eventos dessa natureza, que eram muito raros, vão acontecer com mais frequência, nos extremos com menos ou com mais chuvas”. Segundo o pesquisador, é isso que mudança climática faz: havia uma certa variabilidade de fenômenos extremos muito raros, e de repente, por conta da mudança climática, começam a ficar mais frequentes. Apertem os cintos.

Ilhas de calor
A temperatura média global elevou-se em 0,8ºC desde a Revolução Industrial. Mas na cidade de São Paulo, nos últimos 70 anos, subiu entre 3ºC e 4ºC, em média. Tomando como exemplo um dia ensolarado de primavera, sem nuvens, a diferença entre a temperatura da periferia da Capital e a do centro pode chegar a 7ºC. Os responsáveis pelo contraste são o crescimento e adensamento da cidade, com eliminação de áreas verdes e a impermeabilização do solo nas últimas décadas. “À medida que a cidade vai se urbanizando, vai se concretando, há mais pavimentação e o desaparecimento da vegetação, esse efeito vai cobrindo uma área maior, vai crescendo como uma bola”, disse Nobre. Os dados podem servir de parâmetro para avaliação das ilhas de calor nas cidades médias do Interior, com 200 mil habitantes ou mais.

Calor em alta
De acordo com os cenários do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), se nada for feito para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, as temperaturas médias globais poderão chegar no ano de 2100 de 3ºC a 4ºC acima dos níveis pré-industriais. No Estado de São Paulo, haveria elevação de até 3,5ºC. O impacto no Brasil Central seria de 4ºC a 5ºC e na Amazônia entre 5ºC e 6ºC. No melhor cenário, caso sejam tomadas medidas para impedir a subida de mais 2ºC na temperatura média global, a temperatura no Estado subiria na ordem de “apenas” 2ºC. “Mas como já subiu 0,8ºC, nós temos ainda, nesse cenário benigno, 1,2ºC para chegar nesse marco simbólico de 2ºC”, raciocina Nobre. “Para isso, temos que chegar a emissões de gases de efeito estufa negativas em 2100. Quer dizer, tirar o dióxido de carbono (CO2) da atmosfera”. Será possível?

Mudança no ritmo
O pesquisador afirma que não é possível prever como será o próximo verão em São Paulo, se seco ou chuvoso, muito menos os de anos seguintes. “Cientificamente, não há previsibilidade, com alto grau de acerto, para além de poucos dias”. Para o Estado e a região Sudeste como um todo, os cenários de longo prazo do IPCC indicam pequena modificação no volume de chuvas, mas apenas isso, de forma um tanto vaga. “Alguns cenários mostram tendência à pequena diminuição das chuvas. Outros, uma pequena elevação. O Sudeste é uma região de transição”, explica. “Mas não se prevê uma mudança climática com maior volume de chuvas, a longo prazo. Então, não vai virar um deserto. O que muda é a natureza das chuvas. Deve-se gerar maior número de dias com pancadas fortes de chuvas e, igualmente, maior número consecutivo de dias secos”. 




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