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BNDES amplia crédito preparando-se para o 'pós-crise'
Fábio Zambeli
Da Associação Paulista de Jornais
02/08/2009 | 07:41
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Na esteira das previsões de retomada do crescimento da economia, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) reduziu as taxas de juros a patamares próximos de zero para financiar a ampliação da capacidade produtiva da indústria e os investimentos em infraestrutura e inovação.

O objetivo é fazer frente ao provável aumento da demanda por produtos e serviços e conter a pressão inflacionária no segundo semestre deste ano e em 2010, tranquilizando os mercados. É o que revela o presidente do banco, Luciano Coutinho, em entrevista exclusiva à APJ (Associação Paulista de Jornais). Para o economista, guindado ao comando de uma das vitrines do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o cenário macroeconômico exige ousadia na concessão de recursos para longo e curto prazos.

"O grande esforço do aumento do crédito que impediu que a economia brasileira tivesse entrado numa recessão viciosa se deveu aos bancos públicos brasileiros. E o BNDES se orgulha de ter sido um dos esteios desta atuação, respondendo por um terço deste esforço de sustentação do crédito", disse.

As linhas ofertadas pelo principal banco público de fomento do País são operadas a índices de 3,5% a 4,5% ao ano, o que, descontada a inflação do período (próxima de 4%), leva o crédito ao ‘juro real zero', na matemática do governo.

"É fundamental para criar capacidade de oferta de bens e serviços, antecipadamente, de tal maneira que quando a demanda crescer, a oferta já tenha crescido, e com isso, o risco de criar gargalos de inflação seja controlado", acrescentou.

Após injetar R$ 25 bilhões na Petrobras, ele admite as dificuldades para que o banco contemple as pequenas e médias empresas, embora credite ao segmento uma crescente participação nos desembolsos - hoje, 24% do montante liberado.

"O BNDES tem certa dificuldade de chegar às pequenas empresas, mas o cartão tem estimulado. Temos hoje presença das micro, pequenas e médias empresas no orçamento do banco. Hoje, representam 23%, 24% do orçamento total, o que é muito relevante."

Coutinho promete socorrer setores da cadeia produtiva combalidos pela escassez de crédito internacional, notadamente as empresas exportadoras. A fórmula prevê a integração dos polos fabris paulistas com os parques tecnológicos em fase de estruturação.

ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE JORNAIS - Como o BNDES tem atuado par inibir os efeitos da crise econômica no setor produtivo?
LUCIANO COUTINHO - Ele tem atuado de maneira incisiva desde o início da crise, em setembro de 2008, com a quebra do Lehmann Brothers. Em várias frentes. Buscamos acelerar os investimentos em infraestrutura, especialmente em energia, saneamento, logística, transportes. Os desembolsos do banco nestes setores aumentou significativamente. Desde o último trimestre do ano passado e no primeiro semestre deste ano.

APJ - Esse esforço inclui a Petrobras?
COUTINHO - A ação do banco também foi importante na área de petróleo e gás. Apoiamos o processo de investimentos da Petrobras. Asseguramos financiamento de longo prazo a ela, o que deu tranquilidade à companhia para acelerar seu programa de investimentos.

APJ - E o crédito para exportação?
COUTINHO - O BNDES promoveu uma série de ações para mitigar os efeitos da crise às empresas que haviam sido afetadas por perdas cambiais. Atuamos em conjunto com os bancos privados, induzindo-os a refinanciar os débitos destas empresas e, em seguida, ajudar a reestruturação destas companhias, muitas delas competitivas e importantes para a economia do País e que não poderiam quebrar sem graves prejuízos para a sociedade brasileira.

APJ - A ação do banco chegou às pequenas empresas?
COUTINHO - O banco se engajou para reduzir os efeitos da crise sobre as pequenas. Uma ação mais rápida se deu por meio do cartão BNDES, cujos limites foram ampliados de R$ 250 mil para R$ 500 mil. Os prazos foram ampliados, a taxa de juros reduziu-se. Desta forma, os desembolsos do cartão BNDES subiram mais de 200%, o que tem beneficiado mais de 200 mil pequenas empresas nos últimos meses.

APJ - O que falta para o banco atingir de forma objetiva e rápida o micro e o pequeno empresário?
COUTINHO - O BNDES tem certa dificuldade de chegar às pequenas empresas, mas o cartão tem estimulado isso. E mostra que, através de produtos inovadores, consegue atingir as pequenas. Temos hoje a presença das micro, pequenas e médias empresas no orçamento do BNDES, o que representam 23%, 24% do orçamento total do banco. Isso é muito relevante.

APJ - O senhor diria que a necessidade de projetos mais qualificados seria o principal entrave?
COUTINHO - No caso do cartão, o crédito é aberto automaticamente. O que existe é uma lista de fornecedores que permite à empresa utilizar o cartão como capital de giro para comprar insumos, máquinas e equipamentos. Agora, tem outro papel importante, que é a Linha Finame, que dá a possibilidade de financiar máquinas, equipamentos, ônibus, caminhões. Está acessível a qualquer pequeno empresário. Neste caso, não existe processo demorado. É um ato comercial de compra que é liquidado e transacionado num prazo muito curto. É claro que um projeto de investimento que pressupõe uma unidade fabril nova, num terreno novo, vai exigir uma avaliação da capacidade de pagamento, da consistência do projeto. E isso, naturalmente, leva algum tempo. Dependendo, porém, da modalidade, não é verdadeira a afirmação de que é demorado o processo no BNDES. Temos trabalhado com muito afinco para reduzir o prazo médio de aprovação dos projetos que são diretamente apoiados pelo BNDES. Este prazo hoje é de seis meses, em média. Trabalhamos intensamente num projeto de mudança da plataforma de informática do banco que reduzirá ainda mais esse tempo.

APJ - O banco tem cumprido seu papel de financiar a produção diante de um cenário de escassez de crédito no sistema privado?
COUTINHO - O BNDES buscou oferecer, desde a crise, linhas de capital de giro, coisa que não fazia, pois não era parte de sua missão. Nossa linha tem sido bastante acionada, está crescendo fortemente. O BNDES, junto com os dois grandes bancos públicos brasileiros: o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, substituíram grande parte do crédito privado desde a crise. Se tomarmos o crédito antes da crise como igual a 100, hoje os bancos públicos estão em 122. Ou seja, aumentaram em 22% a oferta de crédito. E os bancos privados aumentaram de 100 para 103, portanto, o grande esforço do aumento do crédito que impediu que a economia brasileira tivesse entrado numa recessão viciosa se deveu aos bancos públicos brasileiros. E o BNDES se orgulha de ter sido um dos esteios desta atuação, respondendo por um terço do esforço de sustentação do crédito.

APJ - A intervenção do Estado tem sido decisiva, mas quando haverá a descompressão? Ou seja, quando o setor privado recuperará seu lugar como financiador da produção?
COUTINHO - Temos a esperança de que o setor privado se torne mais propenso a financiar. E de uma maneira mais cautelosa, com spreads mais baixos, o sistema empresarial brasileiro. Porque ele está deixando de cumprir um papel importante. Nós temos a expectativa de que isso se inverta. Porque a economia já cruzou a linha crítica. O mercado de trabalho foi mantido, a massa de salários não caiu. O emprego já voltou a crescer. Não existe, salvo a China, uma economia onde o emprego formal está crescendo e o Brasil já voltou a criar empregos. A taxa de desemprego está caindo. O mercado interno está se expandindo.

APJ - Quais indicadores sustentam esta avaliação?
COUTINHO - No primeiro semestre deste ano, por exemplo, a venda de automóveis ter recuperado e crescido um pouco em relação ao ano anterior. Poucos países têm demonstrado esta capacidade de resistência à crise. E o Brasil já mostrou. Quero louvar o papel muito firme desempenhado pelo ministro da Fazenda (Guido Mantega), que não se acovardou diante da crise. Ofereceu incentivos de redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), mesmo com a receita tributária caindo. O ministério reduziu tributos, adiou tributos e permitiu estimular o consumidor de eletrodoméstico, eletroeletrônicos, automóveis e outros produtos. A economia está recuperando o crescimento do consumo e é chegada a hora de acelerar os incentivos para o investimento. E isso foi objeto de um novo conjunto de medidas anunciado recentemente.

APJ - Quanto à taxa de juros, é possível crer na manutenção dela em um dígito no cenário pós-crise?
COUTINHO - Sua pergunta é boa. Me permite fazer um registro positivo quanto à atuação do Banco Central, que foi também corajoso e reduziu as taxas de juros. A taxa Selic está em 8,75%, a mais baixa dos últimos 20 anos, muito favorável. Temos toda a tranquilidade em imaginar que a taxa real de juros no Brasil pode encontrar um patamar muito mais baixo do que o do passado recente. No passado recente, o juro real brasileiro sempre esteve acima de 8, 9 ou 10%. Agora, estamos em torno de 4,5%. É possível? É possível estabilizar o juro num patamar real mais baixo, em torno do que se encontra hoje. Para isso, é preciso que a retomada do crescimento no segundo semestre de 2009 e em 2010, 2011, seja acompanhada da recuperação dos investimentos. É fundamental para criar capacidade de oferta de bens e serviços, antecipadamente, de tal maneira que quando a demanda crescer, a oferta já cresceu, e com isso, o risco de criar gargalos de inflação seja controlado.

APJ - A pressão inflacionária é a preocupação do mercado.
COUTINHO - Há um certo exagero dos mercados com relação aos riscos futuros de inflação. O mercado está temeroso e os juros de longo prazo estão mais alto do que deveriam, considerando todas as condições favoráveis que a economia brasileira tem. E por isso mesmo é que a equipe do governo decidiu que neste segundo semestre o momento é fundamental para acelerar decisões de investimento. E por esta razão, o BNDES oferece taxas de juros excepcionalmente baixas para toda a venda de máquinas e equipamentos em todo o território nacional.

APJ - Como tem sido o diálogo do BNDES com setores da cadeia produtiva nas vocações regionais, nos polos produtivos regionais do Estado?
COUTINHO - Temos tido diálogo frequente com as cadeias produtivas. Primeiro quero dizer que este conjunto de medidas traz um benefício grande para o Estado de São Paulo, que é o principal Estado manufatureiro brasileiro e é a principal base de serviços sofisticados do Brasil. Por exemplo, uma obra de infraestrutura é numa região remota, mas a produção dos equipamentos é feita em São Paulo. Toda esta política anticíclica é muito benéfica para o Estado. Mas, além disso, São Paulo é um exportador importante. E as cadeias exportadoras estão sofrendo muito mais. O crescimento brasileiro está sendo sustentado pelo nosso mercado interno, felizmente. Mas a exportação está prejudicada pela crise das grandes economias, especialmente a norte-americana e a europeia, que é uma crise longa, difícil. Portanto, as perspectivas da exportação não são tão positivas assim. Como temos cadeias exportadoras importantes temos que zelar por elas para que não se desestruturem.

APJ - Como tem sido esta conversa?
COUTINHO - As autopeças paulistas eram grandes exportadoras. O mercado interno está recuperando, mas a exportação não vai se recuperar. Como fazer para evitar que nossas autopeças pereçam ou se debilitem, como está acontecendo nos Estados Unidos? Das dez grandes autopeças americanas, nove estão em processo de falência. Não podemos permitir que isso aconteça aqui no Brasil.




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