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Aumenta déficit comercial do setor eletroeletrônico
Do Diário do Grande ABC
17/04/2000 | 16:09
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O setor eletroeletrônico, que exibiu um número auspicioso de aumento das suas exportaçoes em 1999 (10%) e no primeiro bimestre deste ano (69%), vive uma situaçao muito peculiar. As importaçoes crescem numa proporçao muito maior à das exportaçoes. O esforço de recuperaçao das vendas externas anula-se quase que totalmente, um efeito perverso provocado pela recuperaçao da economia no plano interno. É que, para produzir os bens de consumo de alta tecnologia, como telefones celulares e computadores, o setor tem de importar mais componentes, o grupo campeao de compras lá fora.

Um mergulho nos dados tabulados pela Associaçao Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) mostra como isso acontece. Em 1999, o setor exportou mais 10% no período acumulado de janeiro a dezembro, somando US$ 3,2 bilhoes (contra US$ 2,9 bilhoes no ano anterior), o maior valor registrado em toda a década de 90, e mais 69% em janeiro e fevereiro deste ano (US$ 590 milhoes). Mesmo com queda das importaçoes em 1999 de US$ 1 bilhao, o saldo fechou negativo em US$, 6,6 bilhoes. No primeiro bimestre deste ano, as importaçoes somaram US$ 1,538 bilhao, mais 12,4% sobre o mesmo período do ano passado.

É uma conta simples, o valor das importaçoes é maior que o das exportaçoes, além do volume ser também muito maior. Qualquer crescimento das importaçoes é sobre US$ mais de 9 bilhoes, enquanto que o sobre as exportaçoes é proporcionalmente muito menor, em torno de US$ 3,5 bilhoes.

Mas o setor tenta melhorar seu desempenho. O ritmo das vendas ao exterior manteve-se em recuperaçao no primeiro bimestre deste ano. As vendas de fevereiro, entao, foram formidáveis: o setor obteve US$ 335 milhoes, 74% mais que em fevereiro de 1999, resultado só inferior (em vendas mensais) a dezembro de 1999, quando exportou US$ 349 milhoes.

Acontece que quando a economia se recupera e as vendas crescem no mercado interno, a expansao das importaçoes supera o esforço exportador. É o caso do mesmo bimestre e do mês de fevereiro em particular. As importaçoes acumuladas nos dois meses cresceram 12,4% e chegam a mais de duas vezes o resultado das exportaçoes. O pior é que alguns bens, como microcomputadores, têm pouco valor agregado nacional. "Um computador tem em torno de 30% de agregaçao nacional", diz um analista do setor.

Apenas um dos grupos de importados supera toda a exportaçao do bimestre: componentes, que alcançaram US$ 872,9 milhoes. As importaçoes subiram em fevereiro 23% contra fevereiro de 1999, sendo que em janeiro havia aumentado apenas 3% em relaçao ao mesmo mês do ano passado. Somente em semicondutores, componentes para telecomunicaçoes e para informática foram US$ 531 milhoes de importaçoes no bimestre.

No balanço do comércio exterior do setor, os dez produtos mais exportados representam 65% do total, sendo que 38% estao nas vendas de telefones celulares, motocompressores herméticos e rádios de veículos. Já os dez produtos mais importados significam 62% das compras lá fora e chegam a US$ 950 7 milhoes acumulados neste ano. Os três campeoes, semicondutores componentes para telecomunicaçoes e para informática, representam 35% do total importado pelo setor.

O déficit do setor no bimestre ficou em US$ 948 milhoes, 7% abaixo do ocorrido no mesmo período de 1999, que bateu em US$ 1 bilhao. E a queda é explicada só pelo expressivo aumento das exportaçoes.

O setor é deficitário tradicionalmente. Nos três últimos anos, importou US$ 32,482 bilhoes e exportou US$ 8,966 bilhoes, no mesmo período. Um saldo negativo de US$ 23,516 bilhoes em três anos. Apenas em 1999, com o câmbio favorecido e a retomada das exportaçoes, o déficit do setor foi de US$ 6,7 bilhoes, 16% menor que em 1998, que bateu em US$ 8,0 bilhoes e de 1997, que foi de US$ 8,7 bilhoes.

A expansao dos negócios neste primeiro semestre, constatada pelos indicadores de produçao e de vendas no comércio recoloca a questao. O faturamento real do comércio varejista de bens duráveis (aparelhos eletroeletrônicos, principalmente) na regiao metropolitana de Sao Paulo, subiu 15,66% no primeiro trimestre deste ano, segundo dados da Federaçao do Comércio do Estado de Sao Paulo. E o volume de vendas físicas saltou 12,57%. Em março, também houve um aumento de 24,06% nas vendas de equipamentos e utensílios de cine, foto, som, óticas e CDs, todos com boa dose de importaçao.

Os empresários do setor analisam a situaçao como se estivessem diante de um impasse. Do jeito que está, dificilmente o País sairá dessa dependência, dizem. Acham que o governo tem primeiro que decidir se o país quer ter uma indústria de ponta, de alta tecnologia. Se quiser, terá de adotar fórmulas para atrair grandes empresas de tecnologia a se instalarem no Brasil. Criar condiçoes para investimentos internos em nichos que nao interessem aos grandes produtores mundiais.

No caso de computadores, por exemplo, dizem, há pouquíssimos produtores mundiais de CPUs e memórias, que teriam de ter vantagens para se instalarem no Brasil. Nichos como os de alguns componentes para a indústria de telecomunicaçoes poderiam ser criados a partir de estímulos internos. "Na Asia há uma política bastante agressiva, existem acordos feitos entre quatro paredes, para escapar da vigilância de organismos internacionais como a OMC, nos quais sao dados incentivos 'selvagens' para atrair indústrias de tecnologia de ponta. É a realidade", diz um observador do setor.

No Brasil, poderiam ser estimulados alguns investimentos em nichos de tecnologia própria, que podem nao interessar a grandes empresas internacionais. Por exemplo, diz o analista, o Centro Tecnológico de Informática (CTI), de Campinas, desenvolveu com tecnologia própria o display de cristal líquido (visores de calculadoras e agendas eletrônicas) que normalmente sao importados. O que falta? Alguém investir, e produzir. Nesse caso, o difícil é superar as diferenças de condiçoes de investimentos no Brasil e de outros países. "Para se tomar um empréstimo na carteira da Finame, do BNDES, diz o analista, paga-se no Brasil, até 18%. Lá fora, um investidor de empresa de tecnologia de ponta tem vantagens incomparáveis".

Essas soluçoes sao de prazo mais longo. Dependem de decisao política, financiamento e de empreendedores. Até lá, o setor deverá continuar colecionando déficits comerciais, pois todos os esforços para alavancar as exportaçoes nao superam as necessidades de importaçao. A nao ser que as importaçoes sejam contidas pelo câmbio, o mesmo que poderá estimular ainda mais as exportaçoes.




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