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Bispos celebram missa para grupo de pataxós
Do Diário do Grande ABC
30/04/2000 | 19:18
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A maioria dos 330 bispos que se encontram em Porto Seguro, na Bahia, participando de sua 38ª Assembléia Geral, interrompeu as reunioes de estudo e reflexao para passar o domingo com as comunidades eclesiais da cidade e de grande parte da chamada Costa do Descobrimento.

Alguns foram até o Monte Pascoal (distante cerca de 170 km), local onde Pedro Alvares Cabral teria desembarcado, mas dois - dom Mauro Montagnolli e Gílio Felício, respectivamente bispo de Ilhéus (BA) e bispo-auxiliar de Salvador - preferiram ir mais perto. Foram até Coroa Vermelha (15 km de Porto Seguro) - onde, 500 anos atrás, frei Henrique Coimbra rezou a primeira missa do Brasil - e ali, numa oca modernizada, em meio ao recém-construído Centro Cultural Pataxó, os dois bispos celebraram a eucaristia para um grupo de pataxós, que mostraram estar já bem catequisados.

A celebraçao, transmitida para todo o Brasil por meio da TV Cançao Nova, começou com a entrada dos dois bispos e do padre Jelson Dias da Silva, coordenador-geral das comemoraçoes religiosas dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, precedidos por duas alas de pataxós que se dirigiram até o altar, instalado ao fundo da oca e coberto de tábua, o mesmo material com que os índios fazem suas tangas e se apresentaram neste domingo. Dezesseis pataxós entre homens e mulheres, adultos e jovens, tronco nu e descalços, rostos pintados, alguns com borduna e flecha, foram a nota marcante da missa. Já na entrada e depois, durante vários momentos da celebraçao, cantaram e dançaram, fizeram ouvir até seus gritos, deram o abraço da paz também aos poucos brancos presentes e participaram da comunhao com visível piedade.

Em seus cânticos, os pataxós invocaram a Deus também com o nome que lhes é familiar: Tupa. O canto do Glória, que se canta nas igrejas católicas, foi incluído na cerimônia, mas com outra letra, melodia e ritmo típicos dos índios: ``Deus no Céu e os índios na Terra! Quem é que pode mais? É Deus no Céu'. E, antes da leitura do Evangelho, invocaram o duplo nome de Deus: ``Viva Deus e viva o nosso Pai Tupa, viva hoje e amanha'. As folhas na quais estava o texto tinham sido levadas por uma jovem pataxó até o altar numa gamela de madeira, utensílio muito usado pelos indígenas. Três índios (dois rapazes e uma jovem) fizeram também as leituras e rezaram o salmo que antecedem o Evangelho.

O Ofertório foi outro momento muito rico de simbologia. Os mesmos pataxós, que faziam suas coreografias e prestavam guarda de honra diante do altar, levaram às maos dos celebrantes nao apenas o vinho e as hóstias (em vasos de madeira), mas também água, para as abluçoes, e uma porçao de terra em outra gamela. Para os índios, a Terra é um elemento tao sagrado que, por respeito a ela, andam descalços. ``Para os índios'- explicou o padre Joelson - ``o Deus no Céu é o mesmo Deus na Terra'. Ainda no Ofertório, uma índia levou também até o altar um bebê inteiramente nu, que dom Gílio acolheu em suas maos e um belo sorriso. Depois, o bispo, aparentemente sem saber o que fazer, ergueu o indiozinho ao alto e, descendo do supedâneo do altar, caminhou pelo meio da pequena e encantada assembléia enquanto o apresentava aos fiéis.

Além do que foi dado ver, a cerimônia valeu ainda pelo que foi dito. Em sua homilia, dom Gílio disse que era uma alegria muito grande para ele estar participando da festa. ``Nós, que estamos estamos aqui, todos desejamos ser felizes, mas a liturgia nos diz hoje que a felicidade nao virá se faltar uma coisa: a fé', frisou o bispo. E, numa referência velada às injustiças e todos os sofrimentos por que passaram e passam os índios, disse ainda: "Jesus Cristo também foi injustiçado, mas é cheio de amor e misericórdia; em vez de vingança, ele só quer e anuncia a paz e o Espírito Santo'.

Na hora das preces comunitárias, um índio subiu também ao altar para pedir por seu povo, que, disse, "está angustiado'. Sua prece foi para que ``a terra possa ser compartilhada' e os indígenas vejam respeitadas sua cultura, língua e valores adquiridos ao longo dos séculos. Outro índio, no fim da cerimônia, foi diante da assembléia para agradecer e dizer que está "em busca de dias melhores para os povos indígenas'.




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