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Histórias que o motoboy conta
Danilo Angrimani
Do Diário do Grande ABC
03/04/2005 | 20:33
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Vida de motoboy é dura. Não é mole andar a 100 km/h no meio de uma fila interminável de carros. De vez em quando, dar uns chutes no retrovisor daquele carro que atrapalha. Sem falar nos tombos, nas fechadas que se leva. Essa é a história que todo mundo sabe. O que o pessoal nem imagina é que motoboy entregador de pizza tem seus momentos de encantamento. Às vezes, eles chegam aos céus e nem precisam capotar a moto para isso.

William Alves, o Alemão, 32 anos, casado, duas filhas, acorda às 4h e não tem hora para largar o batente. Ele é motoboy durante o dia e entregador de pizza à noite. Uma vida dura, sujeita a quedas e trovoadas. Alemão mora em Ribeirão Pires. Ele trabalha na pizzaria San Genaro, na Vila Santa Luzia, nas proximidades da Estrada do Sapopemba.

Um dia, Alemão foi fazer uma entrega em um condomínio. Parou a moto. Tocou campainha na casa e ficou esperando. Quando a porta foi aberta, ele achou que tinha morrido e chegado ao Paraíso. Uma mulher de baby-doll transparente, descalça, tão necessitada de uma pizza, apareceu ali na entrada.

Alemão não sabia se entregava a redonda, se pegava o troco, ou dava a volta e saía correndo para preservar a fidelidade matrimonial. A situação piorou quando a cliente pediu para ele cortar a pizza. Certamente, ela estava com algum problema no braço e não poderia fazer muita força. Alemão fez o que foi solicitado e saiu em disparada. "A gente está trabalhando, não pode ficar marcando", ele afirma, pecando por excesso de zelo, diriam os cínicos.

Outro entregador de pizza conta uma história parecida. Fernando Coghetto Andozia, 26 anos, morador de São Caetano, é um motoboy diferenciado. Durante o dia, trabalha de paletó e gravata, entregando correspondências de bancos para clientes chiques. À noite, de terça a quinta-feira, ele faz entregas de calabresas, mussarelas e congêneres para a Pizzaria Artesanale Cuore.

Enquanto o telefone não toca, um dos donos da Cuore, Antonio José Ramos, o Zezé, 57 anos, tira do forno uma redonda de mussarela coberta de alho crocante. O cheiro é uma tentação. Conversa vai, pizza vem, e o motoboy Fernando, casado, uma filha, conta a sua história: "Eu trabalhava para um restaurante no bairro Jardins, em São Paulo. Um dia, me chamaram para uma entrega e percebi que os outros motoboys ficaram animados. Não sabia o que era. Quando subi no flat, fui recebido por uma mulher, que vestia uma lingerie amarelinha, transparente. Ela era linda. Fiquei sem fala na hora. Comecei a gaguejar. Tomei um susto. Quando voltei para o restaurante, os outros motoboys estavam rindo. Todos tinham passado pela mesma experiência".

Ao sair com sua caixa de isopor, que mede em média 35 cm x 35 cm, o entregador de pizza nunca sabe o que vai aparecer pela frente. O Alemão, de Ribeirão Pires, conta que chegou ao endereço de uma entrega e encontrou o cliente na porta da casa. "A pizza", disse Alemão ao entregar a mercadoria (quatro pizzas e quatro refrigerantes). "Espera um pouco que eu vou pegar o cheque", disse o sujeito, bem vestido, barbeado, insuspeito.

Alemão ficou esperando 10 minutos, 15, meia hora. Tocou a campainha. Bateu palmas. Gritou. Nada. Até que apareceu o vizinho: "Não mora ninguém aí, rapaz. Pára de fazer barulho". Era o famoso golpe da pizza. O ladrão de redondas usa uma casa vazia. Apanha a entrega e desaparece sorrateiramente.

Fernando, o motoboy de São Caetano, vive levando susto. Outra noite, sob um calor africano, ele foi fazer uma entrega e o cliente o recebeu só de cueca. A vingança não tardou e nem falhou. Os motoboys passaram a chamar o freguês de "Cuecão".




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