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Gagos querem ser
ouvidos e respeitados
Marcela Munhoz
Do Diário do Grande ABC
13/03/2011 | 07:07
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Nunca se discutiu tanto - pelo menos não tão seriamente - sobre gagueira. Depois da participação de Diego no Big Brother Brasil e do sucesso do protagonista do filme O Discurso do Rei (vencedor de quatro Oscar: melhor filme, ator, diretor e roteiro original), o assunto é este. Já passou da hora de compreender o que é a gagueira - que atinge mais de 70 milhões de pessoas no mundo, sendo 2 milhões só no Brasil - e ajudar o gago a viver melhor.

Diferentemente do que muitos pensam, está cada vez mais certo que o transtorno não tem causas psicológicas, por mais que estresse, fortes emoções, nervosismo, pressão e situações constrangedoras possam piorar o quadro. É um problema neurobiológico, que provoca dificuldade de transmissão.

É que nem sempre o cérebro acerta o tempo correto que as palavras devem percorrer para sair do pensamento e chegar à garganta, boca e língua, e então serem pronunciadas. Assim, a gagueira é considerada distúrbio de fluência involuntário; ou seja, não se tem controle sobre isso. A pessoa acaba repetindo e prolongando palavras e ainda tem bloqueios, com tempo de pausa entre uma sílaba e outra, uma palavra e outra.

As causas sempre foram misteriosas, mas - nos últimos anos - os especialistas estão desvendando que a carga genética tem influência. Acredita-se que mais de dois terços dos portadores têm parentes de primeiro e/ou segundo graus com gagueira ou dificuldades de fala e linguagem. Além disso, há mais meninos gagos do que meninas (cerca de quatro homens para uma mulher).

O distúrbio pode aparecer a partir de 2 ou 3 anos, quando começa-se a falar. Calcula-se que cinco em cada 100 crianças apresentem o distúrbio. Destas cinco, uma será gaga para a vida toda; as demais se recuperam naturalmente. É a chamada gagueira de desenvolvimento persistente e não há cura, e sim tratamento para amenizar.

Independentemente das causas e graus (vai de muito leve a muito severo), quem passa por isso precisa encarar o problema com seriedade e buscar tratamento para se expressar melhor. Os fonoaudiólogos são responsáveis por ensinar técnicas para aliviar a gagueira e mostrar ao paciente como e por que isso acontece. Compreender o distúrbio é a melhor solução.

 

Gagueira não tem graça, tem tratamento - Por mais que a causa não seja psicológica, a forma como o gago é tratado pelos outros e como encara o próprio distúrbio são essenciais para o tratamento. "Pesquisas provam que ele é propenso a sofrer bullying. Como não consegue se comunicar como quer, fica frustrado", explica Cristiane Canhetti de Oliveira, do Comitê de Fluência da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia e professora da Unesp de Marília.

Como há certa tensão muscular na hora de pronunciar as palavras, os gagos sentem-se desconfortáveis. Quanto mais nervoso fica, mais difícil. Alguns deixam, inclusive, de falar e se fecham no seu mundo, o que piora o quadro. Mas o pior de tudo são os tratamentos caseiros aos quais são submetidos. Encher bexiga, levar susto, tomar água na casca do ovo, falar com pedras na boca, ficar uma semana mudo, rolar no chão, fumar. Nada disso funciona.

O tratamento deve ser feito com fonoaudiólogos. Entre os métodos utilizados pelos profissionais estão ensinar a falar mais devagar, com mais pausas e de forma mais articulada. Também aprende-se a respirar melhor e, assim, prolongar as sílabas de cada palavra. Além disso, cada um desenvolve técnicas próprias para melhorar. Não há cura, mas a dificuldade pode ser bem reduzida.

 

Grande exemplo de superação - Muitos acabam se sentindo inferior e incapaz de realizar determinada tarefa. Até reis precisam superar esse obstáculo, como ocorre no filme O Discurso do Rei, em cartaz nos cinemas. Na trama - baseada na história real do rei George VI da Inglaterra -, o príncipe Albert precisa assumir o trono, mas antes tem de vencer os limites que a gagueira impõe. Para isso, recebe ajuda do fonoaudiólogo Lionel Logue.

"No momento em que, em vez de recusar a missão de ser rei, aceita sua limitação e tem a humildade de fazer o trabalho da forma como consegue, há um grande ato de coragem aí, e as pessoas se identificam com isso", diz o ator Colin Firth, que interpretou o protagonista.

O diretor Tom Hopper procurou retratar o que é real: gagueira não tem cura. "Teria sido um erro dar ao filme um final clássico de Hollywood. A gagueira permaneceu e ele lutou o tempo todo com ela."

Na opinião da onoaudióloga Eliane Regina Carrasco, o filme é fantástico porque mostra a pessoa que gagueja superando os próprios limites. "Ele chegou a achar que era incompetente para a função e, no entanto, foi excelente rei. Mostra que, mesmo com a gagueira, pode-se fazer o que quiser e conquistar os sonhos."

 

Cantar, rezar, decorar: outra parte do cérebro - Não dá para imaginar, mas alguns atores e cantores são gagos, como Saulo Roston, vencedor do programa Ídolos. "Já tiraram sarro de mim, mas nunca tive problemas com a gagueira. Se você tem uma dificuldade e encara como algo grande, ela fica maior", afirma.

Mas, por que ele não gagueja enquanto canta? A explicação é simples: a fala é formada no hemisfério esquerdo do cérebro,enquanto os atos de cantar, interpretar, rezar, decorar são realizados do lado direito. Esse hemisfério é o das consideradas falas automáticas, onde ficam as habilidades artísticas.

"A pessoa não precisa pensar para falar. A boca é utilizada para diferentes atividades, como comer, cantar e falar. São movimentos e habilidades diferentes", explica a fonoaudióloga Anelise Junqueira Bohnen, diretora educacional do Instituto Brasileiro de Fluência.

 

O que não fazer - Já perdeu a paciência, continuou a palavra ou, pior, imitou quem gagueja? Percebeu o quanto isso é horrível para quem tem distúrbio? Confira o que não fazer:

Nunca complete a palavra. Deixe-o terminar de falar sozinho

Não peça para ficar calmo nem respirar fundo antes de falar. Isso só o deixa ainda

mais nervoso

Não desvie o olhar. A sensação é que você perdeu o interesse

Não imite nem faça brincadeiras com quem gagueja

Tenha paciência

 

Mitos - Ainda há muita desinformação e preconceito.

Gagos são menos inteligentes? Não tem nada a ver. Não é a falta de inteligência que causa a gagueira, nem a gagueira que deixa a pessoa menos inteligente.

Pode-se ficar gago por imitação? Ninguém fica gago por conviver com outro gago. O distúrbio é físico e já nasce com a pessoa.

Sustos podem causar ou acabar com a gagueira? Nem uma coisa nem outra. Gagueira não é soluço, não passa.

Nervosismo, ansiedade, insegurança, estresse, timidez e baixa autoestima causam gagueira? Fatores psicológicos não causam, embora possam agravar o quadro.

Quem gagueja pensa mais rápido do que fala? Todos pensam mais rápido do que falam. Isso não é exclusivo dos gagos.

Toda criança gaga será adulto gago?As crianças tratadas adequadamente tão logo o distúrbio se manifeste (dentro do prazo de oito a dez semanas) têm de 98% a 100% de chances de livrarem-se da gagueira. "Hoje, não se admite que uma criança que gagueja torne-se um adulto gago", diz a fonoaudióloga Anelise Bohnen.

 

E mais - Há disponível um aparelho (parecido com o usado por portadores de deficiência auditiva) chamado SpeechEasy. O sistema - provoca o chamado ‘efeito coro' - e faz com que o gago possa ouvir a própria voz com leve atraso e alteração de frequência. "Todo gago que fala junto com outra pessoa, tende a não gaguejar", explica a fonoaudióloga Eliane Regina Carrasco, presidente da Ong Abragagueira (Associação Brasileira de Gagueira).

Na novela Morde & Assopra, que estreia dia 21 na Globo, o ator Paulo Vilhena interpreta o paleontólogo Cristiano, que tem distúrbio de fala.

A TV e cinema já tiveram muitos gagos famosos, como o porco Gaguinho, Jimmy Vulmer, de South Park, o professor Quirrel, de Harry Potter. Entre outros famosos estão Isaac Newton, Lewis Carroll, Charles Darwin, Winston Churchil, Marylin Monroe, Bruce Willis, Julia Roberts, Machado de Assis , José Saramago, Murilo Benício e Malvino Salvador.

Quer saber mais? Acesse Instituto Brasileiro de Fluência (www.gagueira.org.br) e Associação Brasileira de Gagueira (www.abragagueira.org.br). Os dois também organizam grupos de apoio, com encontros entre pessoas que gaguejam, para troca de informações e vivências pessoais. As reuniões são gratuitas.




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