Especialistas criticam atuação da Anhanguera Educacional
e apontam uma desestabilização do ensino no Grande ABC
A monopolização do Ensino Superior que está sendo desenhada no Grande ABC pela Anhanguera Educacional - que adquiriu UniABC, Uniban, UniA, Faculdade Anchieta e Faenac - é criticada por especialistas da área de Educação, que apontam para uma desestabilização do sistema educacional. Com mensalidades baixas, essas instituições entram no mercado com grande potencial de concorrência, levando unidades tradicionais a sérias dificuldades financeiras.
Somente neste ano, a Anhanguera demitiu cerca de 300 professores na região, sendo metade da UniABC. Todos mestres e doutores, segundo o Sindicato dos Professores do ABC. Na Uniban da Capital foram 400 demissões e na unidade de Guarulhos mais 96. A instituição é hoje o segundo maior grupo de Ensino Superior do mundo em número de alunos, atrás apenas da norte-americana Apollo Group. No total, são 400 mil estudantes.
"Infelizmente, este está se tornando padrão no ensino particular brasileiro. Para conseguir chegar a mensalidades mais baixas recorrem à demissão dos professores com alta graduação e o aumento de aulas de ensino a distância", afirma o professor de políticas educacionais da Universidade de São Paulo Romualdo Portela de Oliveira.
De acordo com o especialista, grupos como a Anhanguera têm ações na Bolsa de Valores e conseguem captar grandes recursos para compra de universidades em dificuldades financeiras. A crescente demanda de jovens que concluem o Ensino Médio e não têm possibilidades financeiras para ingressar em faculdades tradicionais, cujas mensalidades são mais altas, é absorvida por essas instituições.
"Essa parcela da população tem baixo poder aquisitivo e escolhe os cursos prioritariamente pelo preço oferecido. No entanto, a qualidade do ensino é correspondente ao valor pago", determina Oliveira.
Para o pesquisador de políticas públicas de Educação superior na América Latina, também da USP, Afrânio Catani, esses grupos de ensino não estão preocupados com o nível do curso oferecido aos estudantes. "É uma atitude predadória, para eliminar a concorrência. O salário dos professores é o custo mais alto que têm e, portanto, são substituídos por profissionais menos qualificados. É mais fácil nivelar por baixo", dispara.
Outra consequência direta apontada pelos especialistas é quanto ao fato de que o diploma dessas universidades perde o valor no mercado de trabalho. "Os empregadores não são bobos, sabem o que acontece no mundo universitário. Em áreas em que há excesso de profissionais, aqueles formados nessas instituições serão preteridos e não conseguirão emprego", afirma Oliveira.
A tendência indicada pelos pesquisadores é de que o cenário fique mais complicado nos próximos anos. Muitas das universidades têm indicado graves problemas financeiros e podem ser engolidas pelo agressivo mercado educacional.
Para o professor dos cursos de Letras e Tecnólogo em Gestão de RH da UniABC Sérgio Simka, demitido na semana passada, a oferta de trabalho em universidades da região restringiu-se muito com a entrada da Anhanguera Educacional no mercado. "Não temos para onde correr. A Anhanguera tem comprado muitas instituições. Está cada vez mais difícil exercer nossa profissão", lamenta.
Alunos reclamam de prejuízo e da má qualidade das aulas
Prejuízo. Este é o saldo da passagem do estudante de Arquitetura Pedro Torres, 19 anos, pela UniABC. Com contrato assinado com Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior e bolsa do ProUni, ele pagava mensalidade de R$ 180. "Quando a universidade foi vendida até tentei continuar. Mas os professores estavam muito desmotivados e senti a qualidade indo por água abaixo", revela.
Sem motivação para prosseguir no curso, Torres trancou a matrícula e transferiu-se para outra universidade, na Capital. "Agora terei de desembolsar R$ 1.244,80 por mês, mais R$ 300 de transporte", reclama. Para o estudante, a nova gestão da Anhanguera Educacional deteriorou o ensino na UniABC. "Sem nossos mestres será praticamente um ‘Telecurso 2000', com aulas via EAD", dispara.
Opinião semelhante tem a aluna de Psicologia da UniA Cristina Leandro, 32. "A carga horária das aulas diminuiu muito. Pertenço à última turma da gestão passada e tivemos de brigar para continuar a ter aulas presenciais. O restante dos alunos tem aulas apenas até quarta-feira. Quinta e sexta-feira as aulas são a distância."
Colega de sala de Cristina, a estudante Beatriz do Amaral Correa, 23, diz que a mensalidade tem aumentado muito. "Em cada semestre é reajustado o valor em cerca de R$ 30, mas a qualidade não acompanha. Se tivesse de fazer outra faculdade, não escolheria a Anhanguera."
RESPOSTA
Procurada, a Anhanguera Educacional limitou-se a informar que "o desligamento de profissionais do corpo docente acontece em função do planejamento de carga horária do próximo semestre e faz parte de um movimento natural das instituições de ensino a cada encerramento de semestre" e que a atualização do corpo docente "é necessária para adaptar os currículos das novas unidades ao padrão de qualidade dos cursos da Anhanguera", conclui.
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