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Livro: 'Amsterdam' tem o requinte do humor negro
Mônica Santos
Da Redaçao
15/01/2000 | 17:46
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Ian McEwan, um dos grandes nomes da nova geraçao de escritores britânicos, tem mais um título chegando às livrarias brasileiras. Em Amsterdam (Rocco, 184 páginas, R$ 19), o autor, que também escreveu O Inocente - adaptado para o cinema com direçao do inglês John Schlesinger e estrelado por Anthony Hopkins e Isabella Rosselini - apresenta um romance que se desenvolve na fronteira entre o thriller, o suspense e o que se convencionou chamar de humor negro.

Tudo começa no cenário macabro de um crematório londrino. O morto é - ou melhor, foi - a bela, talentosa e sexualmente dadivosa Molly Lane. Entre os presentes, encontram-se vários ex-amores, como Clive Linley, compositor erudito de maior sucesso na Inglaterra, que foi convidado para compor a Sinfonia do Milênio; Vernon Halliday, editor de um jornal conservador; Julian Garmony, chanceler e candidato ao cargo de Primeiro Ministro; além de George Lane, o milionário viúvo, que colocou Molly em uma redoma logo que ela foi tomada por uma doença degenerativa, impedindo-a de viver com os amigos e amantes os últimos momentos de sua vida.

Amsterdam, que rendeu a McEwan o Booker Prizer de melhor autor em 1998 (trata-se da mais importante premiaçao literária britânica), também pode ser visto como um instigante tratado sobre a amizade e o inexorável confronto com a morte. A idéia da trama, segundo o próprio autor, surgiu de uma conversa com um amigo psiquiatra sobre as terríveis conseqüências do mal de Alzheimer. Se um deles fosse acometido pela doença, o outro seria amigo o suficiente para livrá-lo do fim humilhante, da demência progressiva?

É a partir deste questionamento, que dois dos amantes de Molly - Clive e Vernon - travam um pacto. Por serem grandes amigos, e testemunhas da felicidade um do outro nos tempos em que Molly era viva, eles se comprometem mutuamente a ajudar o outro a morrer caso um fosse acometido por uma doença fatal e mentalmente degenerativa, tal como aconteceu com a amante.

Apesar do polêmico pacto, McEwan nao usa seu romance para tratar da eutanásia ou defender outras teses. Ao contrário. A doença que acomete os protagonistas está distante dos prognósticos médicos, e mais próxima da ética, da essência do ser.

A ausência de Molly conduz Clive e Vernon à orfandade. O corpo existe, mas a possibilidade de a morte estar perto leva-os a enfrentar uma outra realidade: a decadência profissional. Clive nao consegue terminar a Sinfonia do Milênio, espécie de coroaçao de sua obra, enquanto Vernon enfrenta a queda de circulaçao do jornal, sua razao de viver.

Os acontecimentos, a partir de entao, promovem mudanças cruciais em suas vidas. As atitudes para escapar deste tipo de degeneraçao mental têm conseqüências desastrosas para ambos e, também, para a antiga amizade. Ao final, mesmo chocado, resta ao leitor um sorriso, fruto do mais sofisticado humor negro.

Colocar o ser humano no limite da ética nao é novidade na obra de McEwan. Ele fez o mesmo com personagens de outros livros. Em Amor para Sempre, por exemplo, surge um narrador que, para nao arriscar a vida, viu uma outra pessoa morrer. A dúvida, sobre ser culpado ou nao, influencia toda a história de vida do protagonista, inclusive seu relacionamento com a namorada.

O mesmo recurso - que faz o leitor se colocar na pele do personagem e viver até a última página todas as suas angústias - está em vários contos de Primeiro Amor, Ultimo Sacramento e Entre Lençóis. Em um deles, por exemplo, nao há como deixar de incorporar um estuprador, que vive isolado das pessoas consumindo a própria fraqueza de quem pode atacar e matar uma criança a qualquer momento.

E é desta maneira, levando a realidade às últimas conseqüências literárias, que McEwan vem se tornando um dos escritores preferidos na Europa. Além dos livros já citados, ele também é autor de Caes Negros, O Jardim do Cimento, A Criança no Tempo, O Sonhador e Ao Deus Dará, todos publicados no Brasil pela editora Rocco.




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