Levantamento do Diário localiza ao menos 43 unidades na região; locais se transformaram em comércios, igrejas ou já não existem mais
ouça este conteúdo
|
readme
|
Tapetes vermelhos na entrada do público, o silêncio antes do espetáculo começar, uma trilha sonora soa e as cortinas se abrem. Atualmente, este cenário combinaria com apresentações teatrais, mas no século passado, descreve como eram as sessões nas salas de cinema de rua do Grande ABC. Seja na Rua Baraldi, em São Caetano, com o popular Cine Vitória, ou na Rua Coronel Oliveira Lima, em Santo André, no grandioso Cine Tangará, grandes públicos se reuniam para assistir os filmes mais recentes. Décadas depois, os espaços onde as projeções rodavam já não existem, dando lugar a igrejas e comércios, por exemplo.
Em levantamento realizado pelo Diário junto a especialistas da área, ao menos 43 unidades foram encontradas, sendo que apenas três continuam em funcionamento: o Cine Theatro de Variedades Carlos Gomes, em Santo André, o Cine Popular, em São Bernardo, hoje Cine Center, e o Cine Eldorado, em Diadema. Os cinemas sem destino especificado viraram supermercados, igrejas, comércios, se encontram abandonados, ou pior, demolidos. Segundo relatado pelos organizadores do Cine Center, com a chegada das salas de cinema aos shoppings, houve priorização, e as de rua passaram a receber os principais lançamentos após semanas da estreia oficial.
Em Santo André, 13 cinemas de rua foram localizados na pesquisa do Diário, sendo eles: Cine Tamoio, na Vila Marina; Cine Lyra, em Paranapiacaba, que está sendo reformado; Cines Roxy e Raf, no Parque das Nações; Cine Art, na Vila Alpina; Cine Paraíso, no Bairro Paraíso; Cine Iporanga, na Vila Camilopolis; Cines Santa Terezinha e Urupema, no Bairro Santa Teresinha; e o Cine Irajá, em Utinga. Ainda existem os cinemas mais famosos do município, como o próprio Cine Theatro de Variedades Carlos Gomes, o Cine Tangará, e o Studio Center, no Centro.
Inaugurado em 1912 pelo italiano Vicenzo Arnaldi, o então Cine Theatro Carlos Gomes localizava-se à Rua Coronel Oliveira Lima. Em 1925 foi transferido para a Rua Senador Flaquer. Fechado em 1987, foi ocupado por uma loja de tecidos e por um estacionamento. Foi desapropriado em 1991 por pressão popular e estava fechado desde 2011, sendo revitalizado e reaberto em 2022.
Já o Cine Tangará, visitado pela reportagem, tem seu antigo espaço inaugurado em 1950 atualmente alugado para a igreja Além do Véu, porém, itens históricos do local, como projetor, painel e piso, seguem sendo preservados. O local recebia em média 12.000 pessoas por dia, e foi fechado em 1992, virando estacionamento antes de se tornar igreja. O Estúdio Center é outro a se tornar templo religioso. No local ainda é possível notar semelhança com a estrutura anterior, inclusive com as caixas para colocação de cartazes ainda no espaço, que fica na Galeria Studio Center.
Em São Bernardo, são quatro espaços, três já não funcionam, como o Cine Boreal, no Largo São João Batista, no Bairro Rudge Ramos, que foi demolido. Na Rua Marechal Deodoro, dois cinemas agitavam as noites do município, o Cine São Bernardo, hoje loja de calçados, e o Cine Anchieta, agora comércio de roupas, juntas as salas tinham capacidade para mais de 3.000 espectadores. É no município que um dos únicos cinemas de rua da região segue em funcionamento: o Cine Center, no Centro, mas que passa apenas filmes para adultos.
São Caetano também teve grandes movimentações nos anos 50 e 60, como no Cine Vitória, fundado pelos irmãos Dal’Mas. Com estimativa de mais de 520.000 espectadores, o local fechou as portas em 1998, e é ocupado hoje por uma casa de shows: o Espaço LIV. Foram localizados mais sete locais, sendo eles: Cines Max, Primax e Urca, no Centro; Cine Copacabana, na Avenida Goiás, no Bairro Santo Antônio; Cine Átila, no Bairro Oswaldo Cruz; Cine Planalto, no Bairro Barcelona, hoje unidade da Coop; e o Cine Central, no Bairro Fundação.
PESQUISA
Em Diadema, com base na pesquisa do cineasta Diaulas Ullysses, foram seis os cinemas de rua: Iate Cine Eldorado, na década de 50; Cine Paroquial, em 60; Cine Diadema; em 70; Cine Color, em 80; e o Teatro Clara Nunes, em 1983, que passava filmes. Em 2008, foi inaugurado o Cine Eldorado, cinema municipal gratuito, fica junto ao Centro Cultural de Eldorado e ainda em atividade.
Na cidade de Mauá, na Avenida Barão de Mauá, no calçadão, resta pouco do antigo Cine Symaflor, aberto em 1971, e que deu espaço a uma unidade das Casas Bahia em 1989. Retornou em 1998 como Cine Green Plaza ocupando um terço da loja, mas fechou novamente em 2000. No município, o Cine Teatro Santa Cecília, na mesma avenida, foi fundado antes, em 1949, mas também fechou, em 1960.
Em Ribeirão Pires, a pesquisa foi fornecida por Marcílio Duarte, historiador e diretor de Patrimônio da Prefeitura de Ribeirão Pires. Ele lista oito locais no município, sendo eles: Cine Pathé, na década de 1910, passando por diversos endereços e aberturas; na década de 1930, os concorrentes, Fuzarca do Prado e Cine Lourdes, o segundo, na Rua Capitão José Gallo, muda de nome após vendas e vira Cine Brasil, em 1944, e Cine Teatro Brasil, em 1954; o Cine Damasco nasce em 1958, no Centro, que se transforma posteriormente Cine Odeon; o último foi o Cine Duaik, em 1989, sendo desativado em 2007, após também projetar filmes adultos.
Atilio Santarelli, neto e filho de proprietários de salas de cinema na Capital e Grande ABC, o escritor e jornalista Ademir Medici, responsável pela coluna de Memória do Diário, e Vitoria Santos, do banco de dados do jornal, também colaboram para a pesquisa.
Especialistas apontam motivos para o fim das salas
Com grande movimentação no século passado, os cinemas de rua do Grande ABC “desaparecem” com o decorrer dos anos, dando espaço para supermercados, igrejas e comércios, por exemplo. Para Atilio Santarelli, neto e filho de proprietários de antigas salas de exibição na Capital e Grande ABC, os cinemas de rua perderam espaço após avanço dos shoppings e tecnologia.
“Os cinemas de rua perderam público para os de shopping e fita vídeo cassete, antigamente a população tinha poucas opções de lazer, no domingo ia na missa de manhã e à tarde ao cinema, já que poucas famílias tinham televisão”, afirma Santarelli. Seu pai e avô foram donos de cinemas como os Cines Átila, Central e Planalto, em São Caetano, o Cine Boreal, em São Bernardo, o Cine Santa Cecília, em Mauá, e o Cine Teatro Brasil, em Ribeirão Pires.
“Hoje em dia, as pessoas vão ao cinema pelo título do filme, e não pelo espaço físico. Antigamente o público ia pelo filme, mas também porque era um acontecimento social, com luxo total, palcos enormes, cortinas vermelhas e luzes coloridas antes de começar”, diz Santarelli. Ele destaca a tecnologia em novas salas, mas exalta o charme dos antigos cinemas.
Já o cineasta Diaulas Ullysses aponta a liberdade dos cinemas de rua, onde existe a possibilidade de conversar e conhecer novas pessoas, além de reencontrar outras. Nos shoppings, ele cita o alto preço dos alimentos e estacionamentos, além da falta de socialização.
“O cinema de rua perdeu força porque as pessoas perderam o hábito de ir como informação ligada ao lazer”, aponta o cineasta, que também cita o avanço das locadoras, no passado, e do streaming, atualmente, já que seria mais cômodo assistir ao filme no conforto do lar.
Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.