Em Santo André, universitários convivem em área antes dominada por adultos e idosos
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Comércios antigos e tradicionais disputam espaços com bares e danceterias. Moradores do bairro há 50 anos se tornaram vizinhos de repúblicas repletas de estudantes. O bairro Bangu, em Santo André, que tinha população mais velha, está rejuvenescendo.
Grande parte dos moradores adultos e idosos cresceu com o bairro. O aposentado Rubens Marigo, 73 anos, comprou terreno em 1963 e construiu a casa em que mora até hoje. “Era um morro vermelho com barro que grudava no pé. Não tinha asfalto, esgoto e água encanada. A infraestutura foi surgindo depois de 1965.”
A maior mudança que Marigo acompanhou nesses 48 anos morando no Bangu foi a chegada da UFABC (Universidade Federal do ABC), em 2006. “Muitas repúblicas começaram a aparecer, mas os jovens não trazem transtornos. Eu, que tenho duas netas para se formar, acho muito bom.”
Essa, no entanto, não é a opinião do alfaiate Giovanni Pengue, 69, que mantém firme a loja aberta em 1961. “As baladas são de quarta-feira a domingo e, para mim, que moro em frente a uma danceteria, o barulho é insuportável. O sossego acabou.”
No entanto, ele reconhece o lado bom da presença dos estudantes. Segundo Pengue, o comércio melhorou e os imóveis foram valorizados.
O estudante Ademir Benedito Júnior, 21, que está no o quarto ano de Engenharia Aeroespacial na UFABC, afirma que, apesar de morar em república com mais nove pessoas, gata e cachorro, o ambiente é tranquilo e não tem bagunça. “O segredo é estabelecer os limites da convivência. Como os períodos da faculdade são diferentes, é bem sossegado para estudar. Aos fins de semana, cada um vai para um canto”, contou o estudante.
Há quem ainda prefira ter espaço próprio, como o estudante de Bacharelado em Ciências e Tecnologia na UFABC Amauri Tavares Domingues Júnior, 18, que veio de Ibiúna, no interior de São Paulo. Ele mora sozinho em um apartamento, e cerca de dez vizinhos do mesmo condomínio fizeram a mesma escolha que ele.
“Sempre procurei algo que não fosse república. Não consigo estudar com muita gente no mesmo espaço, vira bagunça. A dificuldade maior que vejo em morar sozinho é em relação à comodidade. Tem de se virar com comida, roupa e limpeza. Não tem mais pai e mãe para fazer isso por você”, comentou Júnior.
Como lazer, os universitários que ficam no bairro aos fins de semana costumam fazer churrasco nas repúblicas, marcar partidas de futebol e tênis, além de frequentar os bares da região. Já a população mais velha aproveita as praças e ruas para caminhadas.
Novos moradores consideram região acolhedora
Os jovens habitantes, maioria vindos de cidades e estados diferentes, classificaram o bairro como receptivo. Problemas com vizinhos são raros e para poucas coisas é preciso sair de Bangu.
“O comércio é bom e tem um hipermercado aqui do lado para qualquer emergência. O transporte também não é problema, têm ônibus, trem e trolebus”, contou o estudante de bacharelado Amauri Tavares Domingues Júnior.
Já para Ademir Benedito Júnior, que veio do Paraná, o custo de vida no bairro é relativamente alto, principalmente em relação à alimentação, e aperta um pouco o orçamento dos universitários. “Tem bastante opção, mas os restaurantes são caros. Eles sabem que os estudantes geralmente almoçam fora e aumentam o preço.”
Uma refeição rápida e típica de universitário, o cachorro-quente no carrinho de Edson Martins Pereira, 56, custa R$ 3. O comerciante fica em frente à UFABC, trabalha das 10h às 23h30, e vende cerca de 130 lanches por dia. “Já cheguei a vender muito mais na época em que o espaço da universidade era ocupado pela Prefeitura. Mas acredito que quando acabarem todos os prédios, o movimento vai aumentar. Não tenho o que reclamar, o cachorro-quente paga minhas contas”, falou Pereira./CW
O campus da UFABC na Rua Santa Adélia foi inagurado em 2006 e concentra 5.117 alunos. O término das construções está previsto para o fim de 2014.
O crescimento da universidade preocupa os moradores quando o assunto é segurança. O número de assaltos no bairro vem aumentando. Alunos fizeram abaixo-assinado reivindicando mais policiamento na área. O documento será enviado à Secretaria de Segurança Pública.
Os crimes mudaram a rotina de quem mora nos arredores da federal. As estudantes não andam mais sozinhas e todos escondem os aparelhos de celular.
O apelido que ofuscou a Vila São Pedro
A expressão ‘Bangu’ surgiu como apelido da Vila São Pedro. Tanto que foram necessárias décadas desde a abertura do loteamento – ocorrida na segunda metade dos anos 1920 – para que documentos oficiais passassem a utilizar o termo. Quem pesquisar plantas, mapas e processos administrativos da Prefeitura de Santo André de antigamente encontrará sempre o nome Vila São Pedro.
Bangu foi nome de bloco carnavalesco e time de futebol neste espaço hoje totalmente remodelado.
Onde está a universidade pública, espaço da antiga garagem municipal, funcionou um matadouro, criado pela família Martinelli no inicio do século 20 e depois absorvido pela Swift. O matadouro atraiu trabalhadores cariocas, e muitos deles jogaram bola e saíram no cordão, animando os fevereiros antigos de Santo André. Foram eles que bolaram o nome Bangu, nome de time e bairro também no Rio de Janeiro/CW.
Moradores como Alexandre Voltan, Luciano Bucci, Renato Thiago e Ramiro Simões, que entrevistamos na década de 1970, relataram várias histórias relacionadas àqueles trabalhadores que vieram do Rio. “O Bangu foi o maior cordão de carnaval de Santo André. Foi campeão todas as vezes que saiu às ruas. Era imbatível”, disse-nos Luciano Bucci.
E a oficial Vila São Pedro? Quem a loteou foram Matheo Bei e Ottavio Bei, nomes conhecidos na primeira metade do século passado como loteadores na Zona Leste paulistana. Eles criaram Vila São Pedro na segunda metade dos anos 1920, mas a aprovação só ocorreu em 1941.
Outros loteamentos nasceram nas imediações, como a Vila Nelson, Parque Central, Bairro da Estação, Jardim do Carmo. Genericamente, uma área entre Curuçá, Jaçatuba, Santa Terezinha e Parque das Nações chamado de Bangu, no eixo da legendária Estrada do Oratório, uma das primeiras ligações de Santo André com São Paulo e hoje servida pelo sistema trólebus.
Uma das referências históricas é a Matriz da Assembléia de Deus que fica na Avenida Antonio Cardoso. No local da igreja foi aberta, em 1934, uma escola dominical ao ar livre, iniciativa dos missionários Bertil e Ingrid Franson. O primeiro templo foi inaugurado em 1937. Inaugurou-se um templo na Rua Egito, em 1942. E chegou-se ao prédio atual, inaugurado festivamente em 3 de dezembro de 1972 – portanto, há 40 anos a serem completados este ano. (Ademir Médici)
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