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Gastos com lixo passam de R$ 260 mi na região
Por Wilson Moço
Natália Fernandjes
Yara Ferraz
Daniel Macário
Do Diário do Grande ABC
19/02/2017 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


 Criado no dia 19 de dezembro de 1990 para realizar trabalho integrado entre os sete municípios em busca de soluções para problemas comuns, o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC fincou já em janeiro do ano seguinte aquelas que seriam suas duas primeiras bandeiras: plano para destinação do lixo e despoluição da Represa Billings. A prioridade, porém, era encontrar maneira mais econômica e sustentável para dar fim às toneladas de resíduos domésticos, industriais e hospitalares produzidas pelos cerca de 2,4 milhões de habitantes. A verdade é que, passados pouco mais de 26 anos, a bandeira do lixo (e a da Billings, também) ainda não foi retirada da sede da entidade nem dos Paços das sete cidades, que gastaram juntas, em 2016, R$ 261 milhões para enterrar todo o lixo. Como a maioria das prefeituras não informou dados atualizados sobre coleta e destinação, o Diário tomou como base o ano de 2015, quando os sete municípios acumularam 826 mil toneladas, conforme dados do Plano Regional de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Grande ABC, publicado em dezembro.

Desde aquele 19 de dezembro até agora, 17 prefeitos se sentaram na cadeira de presidente do Consórcio, entidade formada sob a liderança do então prefeito de Santo André, o petista Celso Daniel (morto em 2002), mas de pouco adiantaram para o lixo as reuniões mensais de muita conversa e pouca ação. Também de nada serviram os vários planos, estudos, propostas e projetos. Celso Daniel vislumbrava os próximos 20 anos, mas mais de duas décadas e meia se passaram e o pouco que se avançou foi na coleta seletiva e na reciclagem. Quanto ao restante dos rejeitos, continua a ser despejado em aterros e parte até em lixões clandestinos, que ainda têm o agravante de prejudicar o meio ambiente e proliferar doenças.

O primeiro passo do Consórcio para tentar resolver a questão foi dado em 16 de maio de 1991, quando foi aberta licitação para contratação de serviços de engenharia consultiva para elaboração de estudo voltado à seleção, aproveitamento, tratamento e disposição final do lixo dos sete municípios. A empresa vencedora da concorrência foi a Filsan, que também tinha como compromisso apresentar a viabilidade técnica, econômica e ambiental do projeto. Treze meses depois do início do processo e quatro após fechar o contrato com a empresa, a entidade regional recebia resultado preliminar do estudo.

Entre as propostas apresentadas pela Filsan estavam a construção de central de tratamento de lixo industrial, incinerador para o hospitalar e mais usinas de compostagem, além da intensificação dos programas de reciclagem e recuperação dos lixões, para onde iam sobretudo os rejeitos das indústrias e que deixaram marcas profundas, como a contaminação da área onde foi erguido o Condomínio Barão de Mauá, no Parque São Vicente, em Mauá, ou onde está localizada parte do Jardim das Oliveiras, em São Bernardo.

Enquanto ainda não se contratava a empresa para fazer o estudo, outra opção já surgia no horizonte do Grande ABC para dar fim ao lixo. Em reunião da entidade em 7 de agosto de 1991, os prefeitos decidiram procurar a CESP (Companhia Energética do Estado de São Paulo) para colocar na mesa discussão em torno da criação de uma usina termoelétrica movida a lixo.

A proposta da construção da usina tinha partido da própria estatal. O projeto nem foi para o papel. Mais recentemente, o então prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho (PT), prometeu construir usina, com geração de energia a partir do lixo. Também não virou realidade. Segundo sua administração, a Cetesb não liberou a construção. Pelo menos até agora continua na mesma.

 

MÃOS ATADAS

Jeroen Klink, hoje coordenador de mestrado em Planejamento e Gestão do Território da UFABC (Universidade Federal do ABC), foi secretário de Desenvolvimento e Ação Regional da Prefeitura de Santo André e diretor suplente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. Por isso, acompanhou de perto o início das discussões a respeito da gestão dos resíduos sólidos nas sete cidades. Ele explica que, logo após ter o mapeamento completo produzido pela empresa, o Consórcio pleiteou verba federal para a implementação de projetos, plano que não avançou.

“A preocupação com o tema sempre existiu, mas na época a Cofiex (Comissão de Financiamentos Externos, órgão colegiado do Ministério do Planejamento) não reconheceu o Consórcio como agente capaz de solicitar recursos”, lembra.

O órgão regional só passou a ser de direito público em 2010, medida necessária para estar em acordo com a lei 11.107/05, que prevê que a União só pode celebrar convênios com autarquias com essa característica jurídica. “As discussões não avançaram tanto quanto alguns de nós esperava, mas as ações foram realizadas. Realmente, o problema começa na hora de colocar os planos em prática”, observa Klink.

 

Nova proposta da entidade foi apresentada em dezembro

 

Passados pouco mais de 26 anos do pontapé inicial dado pelo Consórcio Intermunicipal do Grande ABC para o desenvolvimento de ações para a destinação do lixo, a entidade, em mais uma tentativa de tirar do papel seu almejado projeto, publicou em dezembro o Plano Regional de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Grande ABC. Assim como o primeiro estudo, a entidade novamente projeta ações para os próximos 20 anos.

Com 58 páginas, o estudo ilustra em suas diretrizes diversas propostas para solução do problema, mas sem data definida para começar a sair do papel. Até aí, nada de novo, tendo em vista o histórico de projetos inacabados da entidade. No entanto, assim como as propostas anteriores, ainda não se sabe se a entidade dará continuidade à proposta formulada a partir de informações dos municípios.

Segundo o atual presidente do Consórcio e prefeito de São Bernardo, Orlando Morando (PSDB), o estudo que contém as diretrizes do tema ainda sequer chegou em suas mãos, tarefa que deveria ter sido feita pela gestão anterior, durante o processo de transição. “Não recebi o estudo, então, qualquer comentário que faça vou fazer sem conhecimento do estudo”, afirmou.

No entanto, para o atual presidente, o debate e execução de projetos para a destinação do lixo, assim como outros temas, pode, sim, ganhar outros caminhos sob a gestão de novos prefeitos. Embora não faça avaliações sobre o assunto, Morando adverte sobre a complexidade do projeto que segue parado na entidade. “É um tema que não é problema do Grande ABC. A região também é parte desse problema. É um problema do Brasil. Você tem aterro sanitário legalizado e homologado ou você tem aterro sanitário clandestino. São os dois modelos de destinação de lixo do País hoje. Você fala, tem outro modelo? Eu não conheço.”

A expectativa agora é a de que o presidente cobre nos próximos dias a entrega do estudo para que o colegiado possa, quem sabe, finalmente vingar a almejada solução da destinação do lixo.

 

Avanço depende de vontade política
Especialistas destacam que é momento de colocar em prática todos os planos e projetos voltados à destinação dos resíduos na região

Depois de mais de um quarto de século de discussão a respeito da gestão dos resíduos sólidos entre as sete cidades – pelo menos de forma conjunta, via Consórcio Intermunicipal do Grande ABC – é chegado o momento de colocar em ação todos os planos e projetos voltados à destinação do lixo. Para avançar diante do complexo e latente problema, especialistas ouvidos pelo Diário são unânimes em assegurar que o ponto de partida é a vontade política.

Jeroen Klink, coordenador de mestrado em Planejamento e Gestão do Território da UFABC (Universidade Federal do ABC), ex-secretário de Desenvolvimento e Ação Regional da Prefeitura de Santo André e ex-diretor suplente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, destaca que, embora o tema nunca tenha deixado de integrar a pauta do Consórcio Intermunicipal e tenham sido realizados mapeamentos e discussões, há dificuldade de se colocar em prática tudo aquilo que é estudado e proposto.

“O planejamento e a gestão dos resíduos sólidos de forma regional não é tão fácil, demanda vontade política. Exige que os prefeitos abram mão de uma certa autonomia, partilhem planilhas e custos do serviço, assinem protocolo de intenções, aprovem estatuto nas Câmaras. É um setor que envolve muitos custos e muitas empresas”, aponta.

A manutenção da velha política pelos gestores públicos é um dos principais entraves para o avanço em relação ao tema, considera a especialista em Meio Ambiente e professora da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) Marta Angela Marcondes. “É hora de colocar em ação aquilo que já foi planejado. A gente não tem mais 25 anos pela frente. Infelizmente, os políticos não dão continuidade aos projetos antigos porque não fazem parte do seu governo”, critica.

Para a professora do curso de Engenharia Ambiental e Urbana da UFABC Giulliana Mondelli, é preciso que seja feito o óbvio: que as políticas públicas voltadas aos resíduos sólidos sejam realizadas de maneira integrada, pensadas a longo prazo e com vistas a beneficiar o bem coletivo. “Cumprir o que determina a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10) depende de uma série de decisões políticas, o que às vezes esbarra em diferentes interesses, sejam eles partidários ou empresariais”, observa.

 

PRIORIDADES

Antes de se pensar na disposição final do resíduo sólido, seja ele em aterros ou usinas, é preciso cumprir ciclo de processos dispostos na legislação federal voltado ao manejo adequado do lixo. Giulliana elenca etapas sobre as quais os gestores públicos devem se debruçar atualmente: conscientização a respeito da produção e consumo do lixo, a fim de reduzir a geração dos resíduos; eliminação do desperdício a partir da reutilização de produtos como eletrônicos, móveis, vidros, o que diminui o uso de matéria-prima; melhorar os índices de reciclagem, bem como os processos de triagem e separação; investir no tratamento dos dejetos e, por fim, dar destinação adequada aos rejeitos.

Tendo em vista o prolongamento desnecessário da fase teórica da questão, Marta ressalta a necessidade de políticas específicas, como é o caso da intensificação da Educação Ambiental e do fomento às cooperativas de reciclagem regionais. “É importante que todos os municípios tenham centros de triagem ajustados ao trabalho, que haja processo de organização dessa sociedade. Precisa ser mais efetivo, pensar em como as universidades podem contribuir para ampliar a capacidade de operação, que hoje é mínima”, cobra, ao lembrar ainda da carência de parcerias junto às empresas a fim de criar mecanismos e estimular a logística reversa.

Giulliana chama atenção para a possibilidade de o governo federal incentivar os municípios a melhorarem seus índices de reciclagem: “Todo plano precisa de dinheiro para ser colocado em prática. Uma das ideias seria distribuir melhor a arrecadação entre os municípios, para que todos tenham condições de agir. Ou talvez diminuir impostos à medida que os índices de reciclagem forem sendo ampliados. Enfim, precisamos sair do âmbito da discussão e partir para a prática”, defende.

A convergência política entre os sete gestores públicos, via Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, é fundamental para se chegar ao modelo da gestão compartilhada dos resíduos sólidos viável à região, pondera Jeroen Klink. “Temos uma proposta antiga de financiamento compartilhado, mas qual vai ser o desenho desse plano?”, questiona, ao citar os benefícios da legislação da Alemanha voltada ao tema.

Implantada em 1994, a política alemã segue o tripé prevenir/recuperar/destinar, o que gerou mudança significativa na cadeia produtiva do país, tendo em vista a aquisição maior de produtos secundários, feitos com materiais recuperados e reciclados, além de redução do envio de lixo aos aterros e da emissão de gases tóxicos ao meio ambiente, como o CO2 e o metano.

 

Grande ABC ainda recicla pouco lixo

Apesar de cinco cidades da região (São Caetano e Rio Grande da Serra não responderam) reciclarem o lixo, a quantidade ainda é considerada muito tímida perto de todo o lixo produzido. No ano passado, foram reaproveitadas cerca de 22 mil toneladas.

A cidade com a maior quantidade de resíduos reciclados é Santo André, com 13.597 toneladas, seguida por São Bernardo (7,2 mil) e Diadema (864). Já Mauá e Ribeirão afirmaram reciclar apenas 1% do lixo que é coletado.

Para a especialista Marta Marcondes, a situação da região é preocupante: “É uma situação bem complicada, porque os números não costumam representar 10% do lixo total. Seria necessário um projeto de educação ambiental mais efetivo para a cooperação também da sociedade. As empresas que produzem materiais e alimentos devem ser responsáveis pela destinação das suas embalagens. Os municípios precisam efetivar a política municipal, com centros de triagem e cooperativas de reciclagem”, avaliou.

As cinco cidades possuem parcerias com cooperativas de catadores de material reciclável para ajudar na triagem. Em Mauá, a presidente e uma das fundadoras da Coopercata é Ana Maria da Silva de Oliveira, 55 anos. Conhecida como dona Ana, a história dela na reciclagem foi iniciada há 15 anos.

Moradora de Mauá há 33 anos e natural do Ceará, ela começou a andar pelas ruas puxando um carrinho que, dependendo do dia, poderia pesar mais do que 50 quilos. Tudo para ajudar o marido, que ficou desempregado.

Dona de casa, Ana também precisava cuidar dos dois filhos e se dividia entre o trabalho e a educação das crianças. Ficou conhecida no Itapark, bairro onde costumava realizar a coleta: “Não podíamos separar o lixo na rua, então tive que improvisar um balcão na minha garagem. No início foi difícil conviver com o mau cheiro, mas depois acostumei. Mesmo com todas as dificuldades, foi graças a isso que conseguimos criar os nossos filhos.”

Há quatro anos, Ana se junto a um grupo de catadores e fundaram a Coopercata, que tem convênio com a administração municipal. No ano passado, a cidade reciclou 320 toneladas de lixo.

Apesar das facilidades proporcionadas pela cooperativa – a principal é não empurrar o pesado carrinho pelas ruas –, Ana afirma que o valor que ganha é o mesmo, cerca de R$ 900 mensais. “Para ganhar algum dinheiro com reciclagem precisa trabalhar em dobro. Todo o material tem o seu preço, então pode ser que em um dia você ganhe mais, mas todo dia tem que vender. Ainda ganhamos pouco, mas tenho fé em Deus que vai melhorar.”

 

Esgotadas ampliações, aterro de Sto.André dura só mais seis anos

Reaberto em 2014, após ficar seis anos fechado e passar por etapa de ampliação, o aterro municipal de Santo André, localizado no bairro Cidade São Jorge, tem vida útil garantida de apenas mais seis anos. O período já leva em conta liberação de área de 28 mil m² ainda em fase de obras e prevista para ser entregue em abril. Diante do cenário preocupante, o Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) planeja realizar estudo acerca do esgotamento do espaço com a finalidade de avaliar se o local comporta nova intervenção e extensão de sua capacidade.

Por ora, o aterro andreense – o único municipal entre as sete cidades –, opera em área de 12 mil m². O local recebe, sozinho, 80% das 19 mil toneladas de resíduos coletadas por mês no município, tendo em vista que 20% do lixo urbano na cidade vai para coleta seletiva.

Diretor de resíduos sólidos do Semasa, José Elídio Moreira destaca que a autarquia municipal tem ciência da situação, e que trabalha para evitar problema já enfrentado pelo município em 2010. Na época, o aterro foi interditado pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) devido ao uso irregular da área que, entre outros problemas, recebia resíduos acima da cota máxima permitida. Até 2014, o espaço ficou fechado, o que gerou custo extra estimado de R$ 12 milhões ao ano com o envio do lixo coletado para o aterro particular Lara, em Mauá.

“As obras de ampliação começaram no fim de 2016, após obtenção de licença para intervenção da Cetesb, e estamos dentro do prazo. Estamos em fase de retirada de terra e aguardando fim de licitação para compra de manta de impermeabilização, necessária para proteger o solo e evitar contaminação. Nossa previsão é a de que o aterro esteja pronto para operar até o dia 1º de abril, restando apenas a licença de operação da Cetesb”, destaca Moreira. No total, a autarquia investe R$ 12 milhões na intervenção.

 Antes de pensar na viabilidade de construção de usina de geração de energia a partir do lixo, Moreira pretende realizar estudo para avaliar possibilidade de nova expansão do aterro. “Seis anos passam muito rápido. Hoje, certamente teríamos competência para gerenciar novo aterro, tendo em vista nosso índice significativo de qualidade – 9,2 –, mas com a cidade conurbada, onde fazer isso? Acredito que a solução seja mesmo nos debruçarmos sobre o projeto da usina, mas tem de ser uma discussão ampla, junto da sociedade civil. Embora a ideia já tenha sido aventada em gestões passadas, não há nada documentado. Por isso, até, a proposta de estudar o aterro que vamos ter daqui seis anos. Será que ele vai mesmo estar no seu limite? Quais os impactos ambientais? Posso crescer um pouco mais, redesenhar?”, questiona.




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